A Primeira Fase do Modernismo no Brasil (1922–1930) é um marco fundamental na história da literatura e cultura do país.
É um conteúdo essencial para estudantes que se preparam para o Enem e concursos, pois representa a renovação cultural que moldou a literatura modernista brasileira. Essa fase é frequentemente chamada de Fase Heroica ou Fase Destruidora, em função de seu intenso espírito de ruptura e combate às tradições estéticas vigentes.
O movimento buscou, acima de tudo, promover uma profunda ruptura estética, rompendo com o academicismo e valorizando a expressão de uma identidade nacional autêntica.
O surgimento da 1ª fase do modernismo está intimamente ligado a um período de intensas transformações no cenário mundial e nacional.
Internacionalmente, o início do século XX era marcado pela tentativa de mudança de valores culturais e artísticos em meio a grandes guerras. As vanguardas artísticas europeias revolucionavam as artes ao romperem com as formas tradicionais.
Os modernistas brasileiros assimilaram, de forma crítica e adaptada, as lições desses movimentos, destacando-se:
Futurismo: Valorização da velocidade e dos signos da modernidade.
Cubismo: Influência na técnica de representação, como visto nas artes plásticas.
Expressionismo: Legado na obra de Mário de Andrade, buscando expressar o comprometimento com os novos rumos da sociedade.
Dadaísmo: Traços de humor e desvario, como o desafio do título Prefácio Interessantíssimo.
No Brasil, o movimento modernista ganhou força a partir da busca por uma identidade cultural genuinamente nacional, distante da rígida influência europeia.
O ano de 1922, marcado pelo centenário da Independência do Brasil, intensificou o clima de autorreflexão e de questionamentos sobre a liberdade e a identidade nacional, afetando os modernistas na elaboração da crítica estética.
São Paulo foi a sede do movimento devido ao seu processo de industrialização e ao crescimento econômico gerado pela produção cafeeira, que reuniu jovens artistas e intelectuais dispostos a criar novos projetos culturais. A cidade, em plena expansão, era uma "babel de retalhos coloridos," misturando velhas famílias bandeirantes com imigrantes, o que afetou a linguagem e os costumes.
A Semana de Arte Moderna (Semana de 22), realizada no Teatro Municipal de São Paulo, foi o ponto de partida e o marco inicial do modernismo no Brasil.
O evento ocorreu entre 13 e 17 de fevereiro de 1922, reunindo artistas, escritores e músicos que defendiam as vanguardas artísticas e uma profunda renovação cultural.
Seu objetivo era romper com os padrões tradicionais e acadêmicos, promovendo uma revolução estética ao:
Defender a liberdade criativa e a experimentação.
Criticar as regras métricas do Parnasianismo e o método acadêmico.
Propor uma arte afinada com a realidade brasileira.
A Semana apresentou obras que celebravam o nacionalismo, incorporando elementos da cultura popular, da linguagem coloquial e da diversidade regional.
Dúvida Comum em Concursos: A Semana foi um sucesso popular?
Não. Embora tenha tido alguma repercussão positiva na elite paulista que a financiou, as propostas revolucionárias não foram entendidas pelo público, que reagiu com espanto, repúdio e vaias.
Exemplo de polêmica: A leitura do poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, foi atrapalhada por vaias. Heitor Villa-Lobos foi vaiado ao entrar no palco com sapatos diferentes, atitude interpretada como "futurista e desrespeitosa".
Em provas, é fundamental saber que nem todos os grandes nomes da 1ª Fase estiveram fisicamente na Semana.
Manuel Bandeira: Apesar de ter sido um dos primeiros a aderir ao espírito modernista e de seu poema Os Sapos ter causado grande impacto ao ser lido na Semana, ele não participou do evento.
Tarsila do Amaral: A pintora estava em Paris quando a Semana ocorreu e, portanto, não participou. Sua adesão definitiva ao Modernismo se deu em 1923, ao pintar A negra, e ela foi fundamental posteriormente na articulação dos movimentos Pau-Brasil e Antropofagia. Ela fez parte do Grupo dos Cinco, junto a Anita Malfatti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia.
A primeira geração modernista (1922-1930) tinha como objetivo provocar uma ruptura artística que possibilitasse a expressão de uma identidade brasileira autêntica.
As características abaixo são essenciais para a identificação de textos desta fase:
O modernismo buscou um nacionalismo literário que encontrasse nas raízes culturais do Brasil uma fonte autêntica de inspiração. Esse nacionalismo era crítico, propondo o abandono de elementos idealizados da nacionalidade (como o indígena romântico) em benefício de uma identidade plural, produto da vida cotidiana.
O sentimento nacionalista estava associado, em parte, ao antilusitanismo (crítica à presença e influência portuguesa).
A 1ª Fase atacou o artificialismo da poesia parnasiana, que cultuava a forma e o rebuscamento. O movimento abandonou a rigidez do formalismo acadêmico e a obsessão pela métrica perfeita e o purismo gramatical.
Os modernistas defendiam o uso do:
Verso Livre: Rompendo com a necessidade de submeter as comoções a um "leito de Procusto" métrico.
Linguagem Coloquial: Próxima do cotidiano das pessoas. A linguagem acessível ganhou espaço, buscando a comunicação espontânea e menos formalista.
Incorporação do Presente e do Cotidiano: A poesia passou a existir nos fatos e nos elementos da vida diária.
Irreverência e Humor: Usados para criticar de forma satírica a tradição literária.
O Modernismo validou a forma falada da língua, especialmente nas camadas populares da sociedade, para diferenciar o português brasileiro do europeu.
O Manifesto da Poesia Pau-Brasil clamava por uma "Língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos".
Três nomes centrais se destacam na 1ª Fase, sendo responsáveis por consolidar uma nova linguagem literária, mais livre e conectada com o Brasil real:
Prioridade Máxima: Mário de Andrade foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna e buscou retratar a alma brasileira através da arte e da linguagem coloquial.
Pauliceia Desvairada (1922):
Considerada a primeira obra realmente moderna.
Captura a simultaneidade do espaço urbano de São Paulo, que estava em vertiginoso processo de expansão.
Apresenta forte influência do expressionismo e traços de humor dadaísta.
O Prefácio Interessantíssimo que abre o livro é, ele mesmo, um programa-manifesto, criticando o Parnasianismo e defendendo a liberdade de expressão através do fluxo de associações e da simultaneidade (teoria das "palavras em liberdade").
Mário hostilizava o "burguês" na obra, não como indivíduo específico da elite, mas como a negação do espírito, a vida medíocre e a estreiteza moral.
Macunaíma (1928):
Misturou lendas indígenas, cultura popular e crítica social.
Prioridade Máxima: Oswald foi uma figura polêmica e provocadora, essencial para o desenvolvimento da poesia de vanguarda. Seu trabalho se divide em dois movimentos principais que definiram a fase:
Manifesto Antropófago (1928):
É considerado o principal texto do movimento antropofágico.
Propôs a "antropofagia cultural": o conceito simbólico de devorar o estrangeiro para criar algo novo e genuinamente brasileiro. A ideia não era negar a cultura externa, mas sim absorvê-la, processá-la e misturá-la às raízes brasileiras.
A frase mais célebre do manifesto é: "Tupy, or not tupy that is the question". Essa é uma paródia da famosa frase de Shakespeare (Hamlet), exemplificando o ato de apropriação e reinterpretação da cultura estrangeira (antropofagia).
Crítica: O Manifesto faz uma crítica ao fato de a independência cultural brasileira ainda não ter sido alcançada, sugerindo que o país era profundamente dependente da cultura estrangeira.
Inspiração: A tela Abaporu (1928) de Tarsila do Amaral ("homem que come gente", em tupi) inspirou Oswald a escrever o manifesto.
Pau-Brasil (1925):
Resultado do Manifesto da Poesia Pau-Brasil.
Marcou a fase com o uso de versos livres, humor e crítica.
Prioridade Média/Alta (em Poesia): Bandeira, embora não tenha participado da Semana de 1922, foi um dos primeiros a aderir ao espírito modernista.
Libertinagem (1930):
Contribuiu com a "poesia do vivido", tratando de temas cotidianos, doenças, morte, infância e amor.
Sua poesia é caracterizada por lirismo, ironia e uma linguagem acessível.
O Poema Os Sapos:
Lido na Semana de 22, este poema é um exemplo clássico de crítica ao Parnasianismo.
A figura dos sapos, com suas vozes monótonas e repetitivas (o "cantar" dos poetas parnasianos), é usada como metáfora para satirizar a previsibilidade e a rigidez formal da tradição.
Seu poema Poética (Texto IV) é considerado um manifesto do movimento, expressando o cansaço do lirismo comedido e purista.
Após a Semana de 22, as ideias da 1ª Fase amadureceram e se dividiram em movimentos distintos, muitas vezes antagônicos. A principal forma de divulgação dessas novas ideias era por meio de revistas modernistas.
Klaxon foi uma revista mensal de arte moderna que circulou em São Paulo de maio de 1922 a janeiro de 1923.
Pioneirismo: Foi a primeira publicação modernista brasileira após a Semana de Arte Moderna.
Nome: Derivado da buzina externa dos automóveis, foi escolhido por querer remeter a um "barulho que incomoda". O slogan era Mensario de arte moderna.
Conteúdo: Serviu para a divulgação do movimento e a crítica ao tradicionalismo na arte. Mário de Andrade, que colaborava na revista, buscava afastar Klaxon de associações diretas com o Futurismo de Marinetti, chegando a afirmar: "Klaxon não é futurista. Klaxon é klaxista".
Design: Sua capa, idealizada por Guilherme de Almeida, era tipograficamente ousada, usando letras maiúsculas e buscando inspiração em cartazes.
Embora o período total da 1ª fase seja 1922-1930, os movimentos posteriores de Oswald de Andrade deram o tom ideológico da década:
Movimento | Período | Ideia Central | Autores Principais | Obra de Tarsila do Amaral |
Pau-Brasil | 1924–1928 | Proposta de uma "poesia de exportação". Foco na temática do Brasil rural e urbano com cores fortes e nacionais, buscando a síntese (contra o detalhe naturalista). | Oswald de Andrade | Carnaval em Madureira (1924), O Mamoeiro (1925), Morro da Favela (1924). |
Antropofágico | 1928–1930 | Devorar (assimilar e recriar) a cultura estrangeira, transformando-a em algo autêntico, celebrando o multiculturalismo brasileiro. Uso de elementos oníricos (influência surrealista). | Oswald de Andrade | Abaporu (1928) – tela que inspirou o manifesto. |
Um ponto crítico cobrado em provas de alta complexidade é entender que o Modernismo não foi uma ruptura total, mas sim uma complexa dinâmica entre ruptura e manutenção de certos ideais.
A 1ª Fase promoveu a ruptura ao:
Criticar severamente o lirismo romântico e sua idealização do passado (principalmente do indígena).
Voltar-se contra o artificialismo da poesia parnasiana, com seu culto à forma e ao rebuscamento.
Combater a arte ligada aos padrões europeus e o sentimentalismo artificial.
Preconizar a liberdade criativa e a inventividade linguística.
O Modernismo, porém, manteve o foco em um tema central da literatura brasileira:
A Identidade Nacional: O movimento manteve o foco na identidade nacional, mas esta assumiu uma feição crítica.
A Identidade (ou nacionalidade) foi redefinida, propondo o abandono dos elementos anteriormente idealizados (o indígena romântico e a língua purista) em benefício de uma identidade aberta e plural, produto da vida cotidiana e da "deglutição" da cultura estrangeira.
É comum que provas exijam a distinção entre as duas primeiras fases do movimento:
Característica | 1ª Fase (1922-1930) – Fase Heroica | 2ª Fase (1930-1945) – Fase de Consolidação |
Propósito Principal | Ruptura. Mudar ideias antigas e afirmar uma aparência nacional única através de novidades no estilo. | Reconstrução. Busca por equilíbrio e conexão mais forte com a realidade. |
Estilo e Tom | Intensidade, crítica feroz, verso livre, ironia, espírito de liberdade criativa. | Linguagem que combina formas livres e fixas, almejando um espelho mais fiel da realidade. |
Temática Central | Nacionalismo Ufanista/Crítico, Ruptura formal, Redefinição da linguagem. | Regionalismo e Realismo na prosa; dilemas sociopolíticos e conflitos existenciais. |
Antropofagia, literalmente, significa canibalismo (comer gente). No Modernismo, é uma metáfora empregada por Oswald de Andrade para representar a assimilação crítica da cultura estrangeira. Assim como o índio canibalizava o inimigo para incorporar seus dons positivos, o Brasil deveria "devorar" o que vinha de fora, digeri-lo, e transformá-lo em cultura nacional autêntica.
O modernismo rompeu com a idealização do passado e da nação, típica do pré-modernista Policarpo Quaresma.
Policarpo Quaresma (personagem de Lima Barreto) representa um nacionalismo saudosista e idealista. Ele é ridicularizado por seu patriotismo desmedido e sua cegueira pela pátria. Policarpo, por exemplo, requereu que o tupi-guarani se tornasse a língua oficial, por considerar o português uma "língua emprestada".
A frase modernista "Tupy, or not tupy" dialoga com o ideal nacionalista de Quaresma [81b]. Contudo, enquanto Quaresma via o Tupi como uma pureza que deveria substituir o português, o modernismo antropofágico via o Tupi (or not tupy) como uma questão de escolha cultural, onde o elemento estrangeiro (Shakespeare) é absorvido, transformado e posto em xeque, celebrando a miscigenação e a influência externa [55, 81a, 83].
O prefácio é fundamental porque é um programa-manifesto que introduz a estética da nova poesia (o "desvairismo"). Sua própria forma — estruturada como versos e estrofes livres, com fluxo de associações e simultaneidade — já é uma negação da métrica rígida e uma demonstração da teoria modernista, unindo teoria e prática na mesma linguagem. Ele defende que a poesia deve ser feita de "palavras em liberdade", que captam o caos e a multiplicidade da metrópole.
Embora a Semana de 22 tenha tido um impacto inicial localizado, o Modernismo da 1ª Fase se projetou ideologicamente ao longo do século, influenciando:
O Tropicalismo na música (na segunda metade do século XX).
A Bossa Nova, com sua interpretação particular da antropofagia cultural (traduzindo influências da música popular estadunidense para a linguagem brasileira).
A 1ª Fase contribuiu para a consolidação do nacionalismo literário e estimulou a liberdade criativa, permitindo que escritores explorassem temas ligados à cultura popular, à diversidade social e à realidade brasileira.