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10/03/2024 • 23 min de leitura
Atualizado em 26/07/2025

A Lei de Terras e a organização fundiária

A Transição Fundiária no Brasil: Da Sesmaria à Lei de Terras – Entenda a Raiz dos Conflitos Atuais

A história da propriedade da terra no Brasil é um espelho de sua formação social, política e econômica. Desde os primórdios da colonização, a forma como a terra foi distribuída e concebida moldou uma estrutura fundiária marcadamente concentradora e desigual, cujos reflexos persistem até os dias de hoje. Compreender essa trajetória é crucial para desvendar os desafios contemporâneos relacionados à moradia, à reforma agrária e aos conflitos no campo.

Neste guia completo, você encontrará uma abordagem didática e aprofundada sobre os principais marcos da transição fundiária brasileira: o sistema de sesmarias, o período de vácuo legislativo (conhecido como "Império de Posses") e a fundamental Lei de Terras de 1850.

O que você vai aprender:

  • Como a propriedade da terra se originou no Brasil Colônia e seus primeiros problemas.

  • O que foi o "Império de Posses" e por que ele é tão relevante.

  • Os reais motivos por trás da criação da Lei de Terras de 1850.

  • As consequências diretas e indiretas da Lei de Terras para a estrutura fundiária brasileira.

  • A evolução do conceito de "função social da propriedade" e sua aplicação (ou falta dela) no Brasil contemporâneo.

  • Termos e conceitos essenciais para sua compreensão e preparação para exames.

Vamos começar nossa jornada histórica!


1. O Brasil Colônia e o Sistema de Sesmarias (1500-1822): As Primeiras Sementes da Desigualdade

1.1. O Começo: A Terra como Patrimônio da Coroa Portuguesa

Com a chegada dos portugueses em 1500, todo o território brasileiro, já habitado por séculos por populações indígenas, passou a pertencer à Coroa Portuguesa por "direito de conquista". Isso significa que, inicialmente, todas as terras eram de domínio público. A colonização efetiva, iniciada em 1530 com a expedição de Martim Afonso de Souza, exigia um método para povoar e explorar essas vastas terras.

A solução encontrada foi o regime de concessão de sesmarias. As sesmarias eram um instituto jurídico que já existia em Portugal desde 1375, criado para combater o abandono de terras e a crise agrícola. A ideia era obrigar os proprietários a cultivar a terra ou concedê-la a quem o fizesse.

1.2. O Que Eram as Sesmarias no Brasil? Concessão, não Propriedade Absoluta

No Brasil, o sistema de sesmarias consistia na doação gratuita de glebas de terra a particulares. No entanto, essa doação vinha acompanhada de condições e obrigações:

  • Cultivo da terra: A principal exigência era que a terra fosse cultivada dentro de um período de cinco anos.

  • Devolução à Coroa: Caso as condições não fossem cumpridas, as terras deveriam ser devolvidas ao domínio da Coroa Portuguesa, dando origem ao conceito de "terras devolutas" (terras devolvidas ao poder público).

Ponto importante para concursos: As sesmarias, em sua origem, eram mais um projeto funcionalizante de exploração do território brasileiro e obtenção de matérias-primas e dividendos, do que uma concessão de propriedade absoluta. O objetivo era a ocupação e a exploração econômica. O "poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado", aproximando-se de uma função, já estava presente nesse período.

1.3. Problemas e Primeiras Consequências: O Nascimento do Latifúndio

Apesar das regras que previam doações proporcionais à capacidade de cultivo e limites de tamanho para as sesmarias, a realidade colonial, baseada na monocultura de exportação e mão de obra escrava, dependia de grandes propriedades. Na prática, a regra geral era a concessão de vastas extensões de terra, independentemente da capacidade de produção do beneficiário. Isso favoreceu a concentração de terras nas mãos da elite.

O sistema sesmarial foi o "nascedouro de latifúndios". A Coroa nunca conseguiu fiscalizar as concessões, permitindo a formação de grandes latifúndios improdutivos.

Outros problemas incluíam:

  • Dificuldade de delimitação: Devido à extensão territorial e métodos rudimentares de medição, era quase impossível delinear e fiscalizar as terras. Isso gerava fraudes e limites arbitrários.

  • Exclusão dos pobres: Como a terra era concedida principalmente aos "amigos do rei" ou aqueles com recursos (escravos), os "homens rústicos e pobres" eram deixados de lado, recorrendo à simples ocupação (posse) de parcelas de terra.

  • Caos fundiário: No final do século XVIII, a situação era caótica, com falta de controle sobre quem possuía a terra e o aumento de conflitos e litígios.

1.4. O Fim das Sesmarias: A Indepedência e o Vácuo Legal

Em 17 de julho de 1822, às vésperas da Independência do Brasil, o sistema sesmarial foi suspenso pela Resolução nº 76. Contudo, nenhuma nova forma legal de aquisição de propriedade foi imediatamente instituída em seu lugar. Este foi o prelúdio de um período de grande instabilidade fundiária.


2. O "Império de Posses" (1822-1850): A Lei do Mais Forte e a Anarquia Fundiária

2.1. A Posse como Única Regra: "Só Não É Proprietário Quem Não Quer Ser"

Após a suspensão das sesmarias em 1822 e sem uma legislação substituta, o Brasil entrou em um período de vácuo legislativo. A posse tornou-se a única forma de aquisição de terras. Qualquer um podia se apossar de um terreno devoluto, fixar residência, plantar e colher sem que ninguém lhe disputasse.

Ponto crucial para concursos: Este período, conhecido como "Império de Posses" ou "fase áurea do posseiro", foi caracterizado por uma generalização dos apossamentos de terras, levando a um "verdadeiro caos" fundiário. A posse, antes mais associada aos pequenos lavradores, "se impregnou do espírito latifundiário", tornando-se também o principal modo de aquisição de terras para grandes proprietários.

2.2. A Constituição de 1824 e o Reconhecimento Abstrato da Propriedade

A Primeira Constituição do Brasil, em 1824, formalmente estabeleceu o direito de propriedade como um direito fundamental e absoluto (Art. 179, XXII). No entanto, ela não mencionava a forma de aquisição da propriedade. Isso gerou uma lacuna legislativa e uma "anarquia legislativa e jurídica incontestável".

2.3. As Consequências do Caos: Disputas e Insegurança Jurídica

A ausência de regras claras e de demarcação de terras levou a um aumento exponencial de conflitos agrários. A "questão quase sempre se decide pelo bacamarte", com relatos de assassinatos por disputas de terras. Tanto posseiros humildes (que cultivavam para subsistência) quanto poderosos latifundiários (que plantavam para exportação) viviam em insegurança jurídica, pois não possuíam título oficial de propriedade.

Senadores da época expressavam preocupação com os pequenos posseiros que se espalhavam pelo sertão e "barbarizavam-se", não reconhecendo autoridades. Para eles, apenas os grandes posseiros, que já estabeleciam grandes plantações, eram dignos de proteção pública. Essa mentalidade já antecipava os interesses que moldariam a futura Lei de Terras.


3. A Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601): O Projeto de Mercantilização e Exclusão

3.1. O Contexto de Criação: Capitalismo, Fim da Escravidão e Mão de Obra

A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, não surgiu por acaso. Sua promulgação esteve intimamente ligada a duas transformações cruciais do século XIX no Brasil:

  1. Abolição do Tráfico de Escravos: Apenas 14 dias antes da Lei de Terras, a Lei Eusébio de Queirós (4 de setembro de 1850) proibiu a entrada de novos escravos africanos no Brasil. Latifundiários perceberam que a escravidão chegaria ao fim e temiam ficar sem mão de obra.

  2. Necessidade de Substituição da Mão de Obra: Com o fim do tráfico, urgia a necessidade de uma transição para o trabalho livre. A Lei de Terras visava a garantir que os ex-escravos e imigrantes pobres (europeus, principalmente) não tivessem acesso facilitado à terra, forçando-os a se tornarem trabalhadores assalariados abundantes e baratos para os latifúndios.

Ponto crucial para concursos: O projeto da Lei de Terras foi, portanto, uma medida de controle da força de trabalho, parte de um projeto elitista de transição para o trabalho livre e de mercantilização da terra.

3.2. O Que a Lei de Terras Determinava?

O eixo principal da Lei de Terras consistiu em permitir a aquisição da propriedade por meio da compra e venda. Ela instituiu a propriedade privada com característica mercantil e transacionável, inserida no mercado imobiliário de terras.

As principais determinações incluíam:

  • Proibição de Ocupação: A partir de 1850, a invasão e ocupação de terras públicas sem título foram criminalizadas.

  • Revalidação de Sesmarias: Todas as sesmarias concedidas anteriormente precisariam ser revalidadas, desde que comprovado o cultivo.

  • Legitimação de Posses Anteriores: Posses constituídas antes de 1850 poderiam ser legitimadas, desde que comprovada a utilização econômica e moradia habitual.

  • Demarcação de Terras Devolutas: A lei previa a separação das terras públicas das particulares, através da medição e demarcação das terras devolutas, que seriam então vendidas em hasta pública.

Dúvida Comum: A Lei de Terras democratizou o acesso à terra? Resposta: Não. Embora previsse a legitimação de posses, na prática, ela favoreceu a concentração de terras e a elite financeira. O motivo principal foi a cobrança de altas taxas para a regularização da propriedade. Para os pequenos posseiros, essas taxas eram proibitivas, enquanto para os grandes, não pesavam no bolso. Isso criou uma "manifesta mudança no cenário social do país, excluindo a possibilidade das classes menos favorecidas [...] de terem acesso à propriedade privada".

3.3. As Consequências Profundas da Lei de Terras: Um Legado Duradouro

A Lei de Terras de 1850 é um divisor de águas na territorialização do Brasil, pois legitimou a propriedade privada e o latifúndio. Suas consequências se estenderam por gerações e ainda são sentidas na estrutura fundiária brasileira:

  • 1. Reafirmação da Estrutura Latifundiária e Concentração de Terras:

    • A Lei de Terras oficializou a opção do Brasil pelos latifúndios, e não por pequenas propriedades. O poder dos grandes proprietários, antes medido pelo número de escravos, passou a ser medido pela vastidão de suas terras.

    • Ela manteve a premissa do sistema sesmarial de favorecer a concentração nas mãos da elite. Os próprios senadores e deputados da época eram em grande parte senhores de terras e argumentavam que "repartir terras em pequenos bocados não é exequível". Eles defendiam a venda de terras a "lavradores poderosos" que pudessem "beneficiar as terras".

    • Essa lei beneficiou os atuais proprietários, pois a dificuldade de adquirir terras públicas por pequenos valores fazia com que a demanda por terras privadas aumentasse, elevando seu valor.

  • 2. Exclusão Social e Geração de Mão de Obra Barata:

    • A principal estratégia da Lei de Terras foi impedir que ex-escravos e imigrantes pobres se tornassem proprietários de terras, forçando-os a trabalhar para os latifundiários.

    • Os pequenos posseiros que não puderam pagar as taxas de regularização foram expulsos de suas terras, engrossando o contingente de trabalhadores assalariados.

    • Um dado interessante é que, mesmo no século seguinte (1920), 79% dos domicílios nas periferias de São Paulo eram alugados, mostrando a dificuldade da população mais pobre em adquirir propriedade.

  • 3. "Esvaziamento do Estudo da Posse":

    • A Lei de Terras baseou-se na regulação da propriedade, deixando a posse em segundo plano.

    • Após 1850, a posse passou a ser vista como uma "mera exteriorização da propriedade", sem autonomia teórica. Isso é crucial para entender a posição dos tribunais, que historicamente tendem a decidir conflitos fundiários em favor dos proprietários, influenciados pelo recorte de classe dos juízes.

    • A inexistência de um registro público de posse, em contraste com o registro de propriedade, demonstra a prevalência da propriedade.

  • 4. Intensificação da Grilagem:

    • A lei, ao dificultar o acesso legal à terra para a maioria, desencadeou a grilagem (falsificação de documentos) e a anexação ilegal de terras. A própria palavra "grilagem" surgiu de uma prática antiga de envelhecer documentos falsos para dar-lhes legitimidade.

    • Atualmente, a grilagem continua sendo um dos maiores problemas fundiários, movimentando bilhões e utilizando recursos modernos como imagens de satélite para fraudes.

  • 5. Atraso Técnico na Agricultura:

    • A manutenção do latifúndio e a vastidão das propriedades permitiram que os fazendeiros simplesmente mudassem suas plantações de lugar quando a terra se esgotava, avançando sobre novas fronteiras agrícolas e promovendo o desmatamento. Isso atrasou o investimento em novas tecnologias para otimizar a produção em pequenas áreas.

  • 6. Origem dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Conflitos Contínuos:

    • A dificuldade de acesso aos lotes gerou o surgimento dos trabalhadores rurais sem terra.

    • A violência no campo tornou-se rotineira, e os conflitos fundiários se multiplicaram desde o século XIX, sem mecanismos eficazes de proteção para o posseiro, que sempre foi o elo mais fraco.

Dúvida Comum: As terras indígenas foram afetadas pela Lei de Terras de 1850? Resposta: Sim, de maneira peculiar e prejudicial. O Regulamento da Lei de Terras (Decreto nº 1.318/1854) determinava que fossem reservadas terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas. O objetivo era não levar à venda as terras de ocupação indígena. O texto era claro: as terras de "hordas selvagens" não se confundiam com as devolutas, pois estavam sob "algum uso público" e não podiam ser alienadas. A legislação do Império mantinha a distinção entre terras de índios estabelecidos e terras reservadas para aldeamentos.

No entanto, a armadilha: posteriormente, a venda dessas terras (de domínio dos índios) seria permitida. Após a Proclamação da República e a Constituição de 1891 (que transferiu as terras devolutas para os estados), os Estados Federados passaram a considerar ilegalmente como "devolutas" as terras de ocupação primária dos índios e dos aldeamentos não extintos, constituindo um "clamoroso esbulho do patrimônio indígena". Apesar de os direitos dos índios serem imprescritíveis e inalienáveis, muitos foram desapropriados por subterfúgios "legais".


4. O Período Republicano e a Evolução Contraditória da Propriedade (1889-Atualmente)

4.1. Continuidade e Desinteresse (Primeira República: 1889-1930)

Com a Proclamação da República em 1889, a estrutura fundiária continuou a beneficiar a elite. A primeira Constituição Republicana (1891) não trouxe alterações significativas ao direito de propriedade, tratando-o de forma semelhante à de 1824. Uma mudança importante foi a instituição de uma lei que permitia a emissão de propriedade por parte dos estados, e não mais exclusivamente da União. Isso demonstrou o desinteresse da Federação em relação à estrutura fundiária da nação.

O Código Civil de 1916 reforçou o conceito de propriedade privada e liberdade contratual com tutela absoluta, sem hipótese de reavaliação. A legislação não deu tratamento específico às questões agrárias, mesmo o Brasil sendo predominantemente agrícola. Esse período se caracterizou pela inexistência de uma política de terras efetiva, com a apropriação ilegal de terras devolutas por particulares continuando sem controle, o que contribuiu para a expansão de latifúndios improdutivos.

4.2. A Revolução de 1930 e o Advento da Função Social da Propriedade

A Constituição de 1934 foi um marco, pois, pela primeira vez na história constitucional brasileira, atribuiu ao direito de propriedade a exigência do cumprimento de sua função social. O direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo.

4.3. O Estatuto da Terra (1964): Inovação Teórica, Fracasso na Prática

Durante o Regime Militar, a Lei nº 4.504/1964, conhecida como Estatuto da Terra, introduziu modificações significativas na organização fundiária. Ela condicionou o exercício do direito de propriedade à sua função social, definindo-a detalhadamente como o cumprimento simultâneo de quatro critérios:

  • Bem-estar dos proprietários e trabalhadores e suas famílias.

  • Níveis satisfatórios de produtividade.

  • Conservação dos recursos naturais.

  • Observância das disposições legais sobre relações de trabalho.

O Estatuto também definiu instrumentos para a reforma agrária, como a desapropriação do latifúndio improdutivo e a tributação progressiva da terra.

Ponto crítico para concursos: Apesar do caráter inovador do Estatuto da Terra e de parecer uma possibilidade de mudança na estrutura fundiária, ele apresentou uma dualidade entre a questão distributiva e a modernização do campo, favorecendo as grandes propriedades. Na prática, "a reforma agrária segue sem acontecer no país". Muitas vezes, a lei foi "para permanecer morta".

4.4. A Constituição Federal de 1988: Direito Fundamental com Baixa Aplicação

A Constituição Federal de 1988, em vigor até hoje, institui o direito de propriedade como fundamental, desde que atenda à sua função social. Ela também é conhecida como "Constituição Cidadã" por estabelecer várias garantias sociais, incluindo:

  • Função Social da Propriedade: Um preceito pétreo, cuja inobservância pode levar à punição do proprietário.

  • Direitos Originários dos Indígenas: Reconhece o direito originário dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e o usufruto exclusivo das riquezas naturais em suas terras.

  • Reconhecimento de Territórios Quilombolas: Garante o direito à propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes de quilombos.

  • Espaços Territorialmente Protegidos: Impõe ao poder público o dever de definir áreas para proteção ambiental.

Ponto de extrema importância para concursos: Embora o princípio da função social da propriedade esteja consagrado na Constituição de 1988, ele tem "baixíssima aplicação" na prática. Juízes e tribunais, historicamente ligados à classe proprietária, frequentemente ignoram esse princípio e o requisito da posse anterior ao conceder reintegrações de posse, decidindo em favor dos proprietários. Isso resulta em claro descumprimento de um princípio constitucional.

A Constituição de 1988 é ambígua e contraditória sobre a reforma agrária, o que tem sido um entrave para sua implementação.


5. A Estrutura Fundiária no Século XXI: Um Legado Persistente

Apesar de todo o arcabouço legislativo e tecnológico, os problemas históricos de demarcação, concentração de terras, desigualdade e exclusão social persistem no Brasil.

5.1. A Concentração Fundiária em Números

A estrutura fundiária brasileira continua altamente concentrada. Os indicadores de concentração de terras superam a concentração de renda no país.

  • Em 2003, o Índice de Gini para distribuição de terras era de 0,8, enquanto para renda era de 0,6. Um Gini de 0,8 indica uma concentração forte a muito forte.

  • Em 2017, o Índice de Gini para terras atingiu 0,867, o nível mais alto desde 1985, demonstrando um aumento da concentração.

  • Dados de 2005/2017 mostram que:

    • Propriedades com menos de 25 hectares (consideradas pequenas ou minifúndios) representam 60% dos imóveis cadastrados, mas ocupam apenas 5% da área rural brasileira.

    • Propriedades com mais de 1.000 hectares (latifúndios) representam apenas 1,6% dos imóveis, mas possuem 43,8% da área total ocupada. As propriedades acima de 2 mil hectares ocupam quase 50% da zona rural.

    • Se as terras fossem igualmente distribuídas, cada proprietário teria cerca de 100 hectares (uma pequena propriedade). A realidade mostra que lotes de latifundiários podem ser até 754 vezes maiores que os de mini e pequenos produtores.

O quadro geral do país não apresentou mudanças significativas na estrutura fundiária. A região Sul apresenta os menores índices de Gini, mas ainda são demasiadamente concentradores.

5.2. O Problema das Terras Devolutas e a Grilagem Atualmente

Apesar de existirem grandes quantidades de terras improdutivas, públicas e devolutas, o conservadorismo no campo prevalece. A ineficácia governamental em demarcar o território nacional impede o entendimento da realidade rural e dificulta políticas públicas eficazes.

A grilagem, a apropriação ilegal de terras públicas, continua sendo um "fenômeno histórico" e um dos maiores problemas fundiários no Brasil. A falta de um cadastro único de terras, reunindo informações geográficas e jurídicas, gera insegurança jurídica e facilita a grilagem.

5.3. Ineficiência das Políticas Públicas e Conflitos Contínuos

Os governos federais têm respondido às pressões dos movimentos sociais por reforma agrária com políticas compensatórias de assentamentos, em vez de políticas reestruturantes, buscando controlar ou persuadir a expansão desses movimentos.

A reforma agrária, embora crucial, não saiu do papel. As medidas adotadas desde 1985 têm atuado apenas de forma moderada para atender necessidades imediatas, sem mudar a estrutura fundiária.

Conflitos fundiários são uma realidade constante no campo brasileiro. Sem mecanismos de proteção, o posseiro é sempre o elo mais fraco, obrigado a ceder terras para grandes proprietários. As remoções forçadas de ocupações coletivas, muitas vezes, desrespeitam documentos internacionais e princípios como a posse anterior e a função social da propriedade.

5.4. A Questão da Posse e seu "Esvaziamento"

A posse, que no período de 1822-1850 foi o principal modo de aquisição, foi relegada a segundo plano pela Lei de Terras. O "esvaziamento do estudo da posse" fez com que ela não fosse mais vista como um bem autônomo, o que impacta as decisões judiciais em conflitos possessórios.

Exceção/Ponto para concursos: A usucapião é um instrumento jurídico importante que permite a regularização da posse prolongada e pacífica de um imóvel, reconhecendo o uso efetivo da terra como critério legítimo de propriedade. Ela é vista como uma forma de justiça social e reconstrução do direito à cidade e à terra, especialmente para quem vive há décadas sem documentação formal, muitas vezes em terras devolutas.

5.5. A Complexidade do Registro e Cadastro de Imóveis

O Brasil possui um sistema registral e cadastral complexo e fragmentado. Há uma pluralidade de cadastros rurais (SNCR, Cafir, ADA, CAR) com diferentes finalidades (fiscal, econômica, ambiental), geridos por órgãos distintos, sem coordenação ou uma base cartográfica única. Isso gera insegurança jurídica, dificulta a fiscalização e contribui para a grilagem.

Apesar de avanços tecnológicos como o georreferenciamento (Lei nº 10.267/2001) e a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) para integrar dados, a falta de integração e de uma base de dados precisa ainda impede uma governança fundiária eficiente.

5.6. Desafios Específicos para Terras Indígenas, Quilombolas e Assentamentos

Essas categorias fundiárias, embora constitucionalmente protegidas, enfrentam desafios e entraves complexos para a consolidação de seus direitos territoriais.

  • Terras Indígenas (TIs):

    • Processos burocráticos e longos: A demarcação é complexa, com várias etapas e aprovação política. Muitos processos ficam parados no Ministério da Justiça.

    • Marco Temporal: Decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol (2009) estabeleceu 5 de outubro de 1988 (data da CF) como marco temporal para demarcação, embora não vinculante para outros casos, tem sido usada para suspender processos.

    • Conflitos e Invasões: TIs sofrem com desmatamento ilegal, invasões de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros. Grandes empreendimentos de infraestrutura (hidrelétricas, mineração) também as ameaçam, gerando conflitos.

    • Judicialização: Crescente número de ações judiciais atrasa e impede demarcações.

  • Territórios Quilombolas:

    • Processos longos e subjetivos: A titulação também é burocrática, e a autodefinição da comunidade, embora prevista, passa por reconhecimento que pode ser subjetivo e gerar questionamentos.

    • Controle Político: Decisões de reconhecimento e publicação de relatórios técnicos podem ser sujeitas a controle político, atrasando a titulação.

    • Sobreposições e Conflitos: Sobreposição com propriedades privadas, Unidades de Conservação e TIs gera conflitos e processos de desapropriação demorados e onerosos.

  • Assentamentos da Reforma Agrária:

    • Irregularidades: Vícios na seleção de beneficiários (pessoas com alta renda, servidores públicos, falecidos) e venda ilegal de lotes para madeireiros e fazendeiros, resultando em reconcentração da terra.

    • Gestão Ineficiente: Falta de supervisão e infraestrutura pelo Incra leva ao abandono dos lotes e perda de controle sobre a situação ocupacional.

    • Conflitos: Conflitos com trabalhadores rurais sem terra e violência no campo são elevados. Projetos são criados em sobreposição a TIs e UCs.


6. O Caminho a Seguir: Soluções e Perspectivas para a Reforma Fundiária

Diante de um cenário tão complexo, a busca por soluções eficazes é um imperativo. A "naturalização da desigualdade de terras" e a "falta de interesse político" precisam ser superadas.

As principais recomendações e ações para avançar na questão fundiária incluem:

  • 1. Priorizar e Aplicar a Função Social da Propriedade:

    • É fundamental que defensores públicos, advogados populares e movimentos sociais pressionem o poder judiciário para que o princípio da função social da propriedade seja de fato aplicado, e não apenas referenciado em votos ou decisões que acabam priorizando a propriedade sobre a posse.

    • A Constituição é clara: o direito de propriedade só é garantido se cumprir sua função social. Essa aplicação poderia destinar imóveis improdutivos para reforma agrária e urbana.

  • 2. Fortalecer a Posse como Bem Autônomo:

    • É crucial valorizar a posse como um bem autônomo, que não depende da propriedade, mas da relação das pessoas com a terra. Isso valoriza a posse em si e explicita o descumprimento da função social da propriedade.

    • Instrumentos como a usucapião (para áreas privadas) e a concessão de uso especial para fins de moradia (para áreas públicas) reforçam essa dimensão da posse.

    • É necessário garantir segurança jurídica da posse para a concretização das necessidades individuais e coletivas, considerando a moradia como valor de uso.

  • 3. Implementar uma Reforma Agrária Estruturada e Abrangente:

    • Uma reforma agrária de caráter abrangente e com vistas ao desenvolvimento econômico é a chave para mudar a estrutura fundiária, aumentar a produção e gerar bem-estar social.

    • Não se trata de criar novas leis, mas de aplicar e fazer cumprir as que já existem.

  • 4. Aperfeiçoar a Regularização Fundiária:

    • A regularização fundiária é essencial para a segurança jurídica, a redução de conflitos no campo, o acesso a créditos agrícolas e programas governamentais, e a responsabilização ambiental.

    • Simplificar os processos de regularização e unificar as normas legais vigentes para agricultores familiares e populações indígenas e tradicionais.

  • 5. Integrar e Modernizar os Cadastros de Terras:

    • Acelerar a implantação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) e fortalecer seu papel como principal cadastro fundiário, integrando os demais cadastros rurais (SNCR, Cafir, CAR) e interagindo com os registros de imóveis.

    • Criar uma base cartográfica única e transparente.

    • Acelerar a implantação do sistema unificado de administração do patrimônio da União e integrá-lo aos sistemas estaduais e municipais.

    • Intensificar o combate à grilagem através de procedimentos administrativos para cancelamento de registros irregulares.

  • 6. Proteção Efetiva dos Direitos Territoriais de Comunidades Tradicionais e Indígenas:

    • Reforçar mecanismos de mediação e conciliação para solucionar conflitos envolvendo comunidades tradicionais em TIs e Unidades de Conservação.

    • Assegurar alocação de recursos financeiros para indenização de proprietários e posseiros em processos de regularização de Unidades de Conservação.

    • Aprimorar a gestão e fiscalização dos assentamentos da reforma agrária para corrigir irregularidades.

    • Normatizar de forma clara a aplicação do Código Florestal em casos de posse coletiva da terra, considerando as particularidades de cada categoria.


7. Conclusão: Um Olhar para o Futuro, Ancorado na História

A transição fundiária no Brasil, da sesmaria à Lei de Terras, não foi uma evolução linear de progresso, mas uma série de escolhas que reiteraram a concentração de terras e a exclusão social. O "problema na estrutura fundiária brasileira não deixa de ser recente e atual", exigindo ações multifacetadas dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

Apesar de avanços pontuais e da criação de novos institutos jurídicos, os dados censitários e a realidade do campo demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para reduzir a desigualdade e a exclusão social. A função social da propriedade, um preceito constitucional, não pode ser "mero adorno na legislação".

É urgente uma mudança de paradigma e posicionamento da sociedade, exigindo do governo o comprometimento para executar políticas que de fato inovem e promovam uma reforma agrária estrutural, não apenas compensatória. Somente assim o Brasil poderá, de fato, se libertar da herança sesmarial e construir uma estrutura fundiária mais justa e equitativa, que garanta a dignidade e o bem-estar de toda a sua população rural.


Questões:

  1. Qual foi o principal objetivo da Lei de Terras promulgada em 1850 durante o período imperial brasileiro?

    a) Manter o sistema de sesmarias inalterado.
    b) Permitir que a Coroa concedesse terras diretamente aos camponeses.
    c) Exigir a compra das terras devolutas por meio de leilões públicos.
    d) Garantir que as terras devolutas fossem distribuídas gratuitamente aos mais necessitados.

  2. Qual foi o impacto da Lei de Terras na estrutura fundiária do Brasil após sua promulgação?

    a) Aumento da concentração de terras nas mãos da elite rural.
    b) Redução significativa da desigualdade social no campo.
    c) Distribuição equitativa das terras devolutas entre os camponeses.
    d) Diminuição da exploração dos camponeses pelos grandes proprietários.

  3. Quem foi especialmente afetado negativamente pela Lei de Terras em termos de perda de terras?

    a) Elite rural.
    b) Poder Executivo.
    c) População indígena.
    d) Classe média urbana.

Gabarito:

  1. c) Exigir a compra das terras devolutas por meio de leilões públicos.

  2. a) Aumento da concentração de terras nas mãos da elite rural.

  3. c) População indígena.