Volitivo
  • Home
  • Questões
  • Material de apoio
  • Disciplina
  • Blog
  • Sobre
  • Contato
Log inSign up

Footer

Volitivo
FacebookTwitter

Plataforma

  • Home
  • Questões
  • Material de apoio
  • Disciplina
  • Blog
  • Sobre
  • Contato

Recursos

  • Política de privacidade
  • Termos de uso
Aprenda mais rápido com a Volitivo

Resolva questões de concursos públicos, enem, vestibulares e muito mais gratuitamente.

©Todos os direitos reservados a Volitivo.

22/09/2025 • 12 min de leitura
Atualizado em 22/09/2025

A Linguagem em "Grande Sertão: Veredas"

O romance Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa, é considerado uma das obras mais importantes da literatura brasileira e lusófona. Seu impacto se deve, em grande parte, à ruptura radical com a linguagem e a estrutura narrativa tradicional, promovendo uma revolução linguística. Rosa acreditava que somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo.

1. O Estilo e a Estrutura Narrativa

Exploramos os aspectos fundamentais da escrita rosiana que causam o primeiro impacto no leitor e que definem o tom da obra.

1.1. O Princípio Filosófico: Linguagem e Vida

Para Guimarães Rosa, a linguagem e a vida são uma coisa só. Ele via o idioma como o espelho da personalidade e acreditava que a linguagem deveria evoluir constantemente, acompanhando a corrente contínua da vida. O escritor deve prestar contas de cada palavra, considerando-a até que ela seja novamente vida.

Rosa defendia que a linguagem corrente, saturada de clichês e expressões domesticadas, expressa "apenas clichês e não ideias". Sua missão era explorar o "ileso gume do vocábulo [...] jamais usado" para revelar o "sentido prisco" (significação original, primitiva) da palavra.

1.2. Regionalismo Elevado ao Universalismo

Uma dúvida comum é se a obra é apenas regionalista. Embora o cenário se passe nos sertões de Minas Gerais, Bahia e Goiás, e utilize uma dicção regionalista, o projeto de Rosa é discorrer sobre elementos universais.

  • O Sertão é o Mundo: Grande Sertão: Veredas eleva o sertão à condição de locus hominis, onde se debatem os grandes problemas humanos, como a luta do homem contra a natureza e o destino. Riobaldo chega a dizer: "o sertão é do tamanho do mundo".

  • Contraste e Paradoxismo: A linguagem visceralmente regionalista contrasta com a dimensão universal da narrativa, configurando o paradoxismo sertão-grande sertão.

  • Diálogo Social: O estilo rosiano busca ser uma "volta por cima" da linguagem dos letrados. Ao fazer o jagunço Riobaldo narrar sua história a um interlocutor culto da cidade ("o senhor") por cerca de 500 páginas, Rosa chama a atenção para a falta de diálogo entre as classes no Brasil. O romance é um "laboratório de diálogo social" que ainda não existe na realidade.

1.3. O Enquadramento do Discurso: Monólogo-Diálogo e Metalinguagem

A narrativa é construída sob a forma de um monólogo ininterrupto, mas que se apresenta como um diálogo velado com um interlocutor desconhecido ("o senhor", "moço", "doutor"), que é um homem instruído da cidade.

  • Traços do Interlocutor: A presença do interlocutor é marcada pela repetição do pronome de tratamento "o senhor" (cerca de 980 vezes) e pelas perguntas e retomadas que Riobaldo faz, compondo a figura de um "hábil inquiridor, simpatizante e letrado".

  • Metalinguagem (Tópico de Concurso): O narrador está constantemente pondo em xeque a própria técnica de narrar. Riobaldo reflete sobre seu próprio ato de contar, com frases como: "Ai, arre, mas: que esta minha boca não tem ordem nenhuma. Estou contando fora, coisas devagadas".

  • Incerteza e Busca: Riobaldo narra para dissipar suas dúvidas existenciais, buscando ajuda no interlocutor. O romance é uma estrutura de pergunta, marcada pelo motivo "Contar é muito, muito dificultoso".

2. Mecanismos de Criação Linguística (Exceções e Mais Cobrados)

Este nível detalha as ferramentas estilísticas que Rosa utiliza para revitalizar o material linguístico, com foco nos neologismos e na sintaxe subversiva, que são frequentemente cobrados em exames.

2.1. A Força da Metáfora

A metáfora é o tropos privilegiado e elemento central dos efeitos de sentido na ficção rosiana. Surge frequentemente na reiteração de imagens, amplificada pela sintaxe subversiva.

  • Metáfora como Desvio: Para os estudiosos, a metáfora é um desvio, uma transposição de uma palavra que, levada de um conceito a outro, adquire uma ideia diversa e inesperada. A palavra utilizada como metáfora não apresenta o sentido do senso comum do dicionário.

  • Metáfora Sintático-Lexical: A metáfora rosiana se constitui a partir de um jogo imagético. Um exemplo é a inversão sintática em "voar preto" ("marrecos voavam pretos para o céu vermelho"). O preto do voar antecipa a escuridão da noite, funcionando como uma prolepse.

  • Acúmulo de Metáforas: Em muitas passagens, há um acúmulo de metáforas em curtos períodos, atuando de forma sinestésica (apelo a mais de um sentido humano). Por exemplo, na descrição da luz no ar: "chuva fina", "cristal", "teias de aranha" e "fumacinha".

  • Alegoria (Metáfora Discursiva): A alegoria é uma metáfora que abrange o efeito de sentido geral de um texto. Narrativas como Grande Sertão: Veredas são alegorias que figurativizam a luta do bem contra o mal. A arte de Rosa está em construir metáforas que são símiles no microtexto da alegoria que as engloba na macroestrutura narrativa.

2.2. Neologismos e Criação Lexical (O Uso do Ileso Gume)

Rosa inventa novas palavras e resgata o significado primeiro dos vocábulos. Seu esforço lexical visa a apresentar o novo e surpreender o leitor.

A) Neologia Semântica Estilística (Exceção e Dificuldade Máxima)

A neologia de sentido (ou semântica) é a alteração mais sutil e didaticamente mais complexa, pois consiste no uso de um significante já existente na língua com um novo conteúdo.

  • Função da Estrutura Frasal: Para que o novo sentido surja, é fundamental a estrutura da frase, que implica uma ruptura nas regras de combinação.

  • Exemplo 1: Verbo "Amortizar" (Mutação Sêmica - Cobrado em Concurso): No dicionário, "amortizar" significa extinguir dívidas ou abater. Em GSV, na frase "Será que fosse para o urucuiano Salustio no primeiro descuido meu me amortizar?", o sentido é contaminado por "extinguir", "aniquilar", "matar". O traço sêmico /não-animado/ (dívida) é substituído pelo traço /animado/ (o objeto direto "me").

  • Exemplo 2: Verbo "Viajar" (Mudança na Subcategorização): No enunciado "[...] vejo esses vaqueiros que viajam a boiada", o verbo "viajar" (normalmente intransitivo) adquire transitividade direta, significando /fazer viajar/, /acompanhar/.

B) Formação de Palavras e Figuras de Linguagem Frequentes

  • Afixação: Adição de afixos para alterar ou intensificar o significado. Exemplo: "sozinhozinho" (repetição do sufixo diminutivo para reavivar a expressividade original de "muito só").

  • Aglutinação (Palavras Portmanteau): Combinação de significantes de duas ou mais palavras para criar um neologismo que contenha os significados de todas elas. Exemplos:

    • "nenhão" (nenhum + não).

    • "fechabrir" (fechar + abrir, conciliação de opostos).

    • "prostitutriz" (prostituta + meretriz).

    • "sussurruído".

    • "adormorrer".

  • Onomatopeia e Aliteração: Rosa utiliza a iteração onomatopaica e o ritmo da melopeia. Exemplo: na descrição da propagação do fogo: "pé-pé-pé-pé-pé!". Ou, na descrição da água da cachoeira: "anhanhonhacanhuva" e "bilo-bilo". A aliteração (repetição de sons consonantais) também é constante, como o /v/ anafórico em "vôo verde das aves itinerantes".

2.3. A Subversão Sintática (Prioridade em Concursos)

A contribuição estilística mais autêntica de Rosa reside na sintaxe intrincada e retorcida. Ele subverte a ordem convencional.

  • Manipulação da Posição: A manipulação sintática ocorre ao modificar a posição dos vocábulos ou expressões no interior dos períodos.

  • Inversão da Ordem Tradicional: A inversão da ordem tradicional dos vocábulos (o que confere um traço erudito/neo-barroco ao estilo). Exemplo: Em vez de "marrecos pretos voavam", ele escreve "marrecos voavam pretos". Outro exemplo é a prosopopeia na descrição da lagoa: "tirou do seu pólo rombo dois córregos".

  • Justaposição e Construções Elípticas: Uso de orações justapostas e construções elípticas, típicas da linguagem oral, preferindo a coordenação sobre a subordinação.

  • Enumeração Acumulativa: Enumeração de palavras da mesma classe gramatical e campo semântico (barroco na manifestação sintagmática). Exemplo: lista de sons do gado ("ronflos, grunhos, arruos, balidos, gatimios...").

3.Polifonia, Sociossemiótica e a Inacabamento do Ser

Neste nível, examinamos as teorias estruturais e filosóficas que explicam a complexidade do protagonista e a profundidade da obra, essenciais para uma análise completa.

3.1. A Polifonia Bakhtiniana em Grande Sertão: Veredas

O romance é considerado polifônico. O conceito, cunhado por Mikhail Bakhtin, descreve romances em que o universo de sentido é plural e a construção dos atores é a representação de consciências múltiplas, nunca de um "eu" único. Riobaldo, o herói, é inconcluso e indefinível.

  • Concerto de Vozes: Na polifonia, o poder é dividido, e os cruzamentos de ideias e valores não se concentram em uma única consciência. Riobaldo escuta e processa todas as vozes do romance, numa posição catalisadora.

  • Dialogismo Velado: Mesmo sendo um monólogo (com a voz de Riobaldo predominando), ele é um diálogo sumamente tenso, pois cada palavra de Riobaldo responde e reage ao interlocutor invisível. Há um ajustamento de vozes entre Riobaldo e "o senhor".

  • Riobaldo Cindido (O Inacabamento): Riobaldo é um ser cindido, atravessado por vozes equipolentes (jagunço e paladino, ódio e amor, bem e mal). Ele assume a narrativa, mas se biparte (Riobaldo personagem e Riobaldo narrador-ficcional). Sua consciência sobre o mundo é da ordem do inacabamento.

3.2. Os Regimes de Interação de Eric Landowski: O Risco e o Sentir

A sociossemiótica de Landowski expande a análise da interação, adicionando os regimes de ajustamento e acidente à programação e manipulação. Essa teoria ajuda a entender por que Riobaldo se sente um "joguete" do destino.

  • A Lógica da União (Ajustamento e Acidente): Nesses regimes, os objetos de valor são construídos pelo contágio, pelo contato direto, pelo sensível.

    • Programação e Manipulação (Lógica da Junção): Regidos pela regularidade e intencionalidade (previsibilidade e busca por objetos de valor). O jagunço Hermógenes, por exemplo, age conforme o papel temático previsto (programação).

    • Ajustamento (Princípio da Sensibilidade): O sujeito sente o sentir do outro em uma relação direta, corpo a corpo. O sentido é criado em ato, não tem resposta antecipada, implicando alto grau de risco.

    • Acidente (Princípio da Aleatoriedade): O completo acaso que escapa de qualquer previsibilidade, como os fenômenos naturais ou a súbita descontinuidade. O risco é total, podendo beirar o absurdo ou a perda de sentido.

O Dilema de Riobaldo: Manipulação vs. Ajustamento (Tópico de Exceção/Avançado)

Riobaldo, o ator do enunciado polifônico, está regido pelo sentir e pelo imprevisto. Ele circula entre os regimes de Landowski.

  1. Riobaldo Pré-Pacto (Ajustamento e Acidente): Sua natureza é a incerteza. Ele está próximo dos regimes da união (sensível).

  2. O Pacto (Tentativa de Manipulação): Riobaldo busca o pacto com o Diabo para adquirir a competência (poder-fazer/saber-fazer) e vencer Hermógenes, tornando-se o Urutú-branco. No parecer-ser, ele se torna endurecido e autoritário (regido pela intencionalidade/manipulação).

  3. A Verdade (Ajustamento Latente): Contudo, a mudança é apenas no nível do parecer-ser. O Riobaldo narrador-ficcional revela que, em seu íntimo, ele continuava no regime do sensível, do ajustamento. O pacto pode ter sido um ajustamento com o meio, naquele ambiente frio e escuro.

  4. Após a Morte de Diadorim (Retorno ao Risco): Ao descobrir o segredo de Diadorim e enfrentar a dor, Riobaldo retorna à constelação da aventura, deslizando entre o ajustamento (namorando uma palmeira) e o acidente (perdendo seu nome, sua saúde, mergulhado no caos da tristeza).

O enunciatário (o leitor) é mantido na constelação da aventura, sendo forçado a preencher lacunas e enfrentar o caos.

4. Perguntas Frequentes (FAQ) sobre a Linguagem de GSV

Abordamos aqui as dúvidas mais óbvias e recorrentes que os estudantes enfrentam ao se depararem com a obra:

Q1: Por que é tão difícil ler Grande Sertão: Veredas?

A dificuldade de leitura, comum aos "leitores de primeira viagem", está ligada às inovações formais de Rosa e à complexidade da experiência que o livro sugere.

  • Não-linearidade: A história é contada conforme os caprichos da memória de Riobaldo, indo e voltando no tempo.

  • Estranhamento Linguístico: Rosa exige uma nova postura do leitor. Ele usa o recurso do estranhamento (ostranienie) para eliminar conotações desgastadas e explorar a face oculta do signo. O leitor é forçado a sentir a frase "meio exótica".

  • Processo Ativo: O caráter inacabado e dialogado da narrativa força o leitor, que era mero consumidor passivo, a se tornar um participante ativo e colaborador do processo criador.

Q2: Qual o papel de Diadorim na linguagem e na ambiguidade da obra?

Diadorim é uma figura central da ambiguidade e do Princípio de Reversibilidade da obra.

  • Paradoxo e Incerteza: Diadorim é a representação do masculino e do feminino, do celeste e do demoníaco, da certeza e da dúvida. Sua identidade oculta (uma mulher) e sua morte marcam o ponto de virada trágico para Riobaldo.

  • Lacuna de Sentido: A lacuna entre o que o narrador (Riobaldo idoso) sabe e o que o observador (Riobaldo jagunço) não sabia (sobre a identidade de Diadorim) é uma marca da polifonia.

Q3: Qual é a "ética" por trás da invenção da linguagem rosiana?

A arte rosiana é um discurso que se origina em disposições morais, afetivas e intelectuais, constituindo uma doutrina de comportamento humano. A subversão da linguagem que ele empreende é uma subversão do mundo que ele mimetiza, sendo esta a sua ética de ação e de intervenção social.

  • Compromisso do Coração: O processo de revitalização da linguagem era visto por Rosa como um "compromisso do coração".

  • Denúncia do Mal: A obra descreve bandos de criminosos exercendo o poder no planalto central, sendo o retrato de uma sociedade onde o crime faz parte do sistema político. Rosa aguça a percepção do leitor para as "formas do falso" nos discursos, revelando como a retórica é forjada.


Resumo e Reflexão Final

A linguagem em Grande Sertão: Veredas não é um mero ornamento, mas sim uma forma de "traduzir mais verdadeiramente o real".

Guimarães Rosa atinge a metáfora sintático-lexical através de um labor constante de revitalização linguística:

  • Utilizando metáforas acumulativas e sinestésicas.

  • Criando neologismos por aglutinação (ex: "fechabrir") e neologia semântica (ex: "amortizar").

  • Empregando uma sintaxe subversiva com inversões e justaposições.

  • Construindo um protagonista polifônico e cindido (Riobaldo), que se move entre a manipulação e o ajustamento/acidente (constelação da aventura).

Essa complexa arquitetura exige que o leitor saia da "bengala dos lugares-comuns" e se obrigue a sentir a "novidade" nas palavras e na sintaxe, tornando a leitura uma travessia perigosa, mas essencial, para a expansão da consciência, pois, como diz Riobaldo, "Viver é muito perigoso".