O Concretismo surgiu no Brasil em meados dos anos 50. Diferentemente dos movimentos anteriores, ele aspirava a uma nova literatura e uma nova arte, baseadas em um experimentalismo radical.
A gênese da poesia concreta brasileira está firmemente ancorada na Tríade de poetas: Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Juntos, eles trouxeram ao cenário artístico uma proposta que rompia drasticamente com os versos longos e discursivos do passado, optando pela concisão, rigor e precisão na criação de poesias visuais.
O movimento é definido pela busca incessante por uma nova linguagem, que culminou no conceito de “verbivocovisual” — a integração indissociável entre palavra, som e imagem. A importância do grupo brasileiro, especialmente o Noigandres, foi tão grande que o país foi capaz de "inverter o fluxo de influências" no âmbito da poesia concreta internacional.
A Poesia Concreta é um movimento que rejeita o expressionismo, o acaso e a abstração lírica e aleatória, defendendo, em seu lugar, a racionalidade. Seu principal objetivo era acabar com a distinção entre forma e conteúdo, tratando o poema como um objeto autossuficiente.
Os concretistas buscavam a essência das palavras. Em vez de serem meros veículos indiferentes de uma ideia, as palavras deveriam ser vistas "em si mesmas" — como um objeto dinâmico, uma célula viva, um organismo completo. Essa abordagem resultou na ideia de palavra-objeto.
Rejeição da Sintaxe Tradicional: O movimento propôs o abandono de estruturas formais como versos metrificados e organização em estrofes. A organização sintática perspectivista, onde as palavras são vistas como "cadáveres em banquete", é substituída por uma nova estrutura que busca captar o cerne da experiência humana poetizável.
Prioridade a Substantivos: Verbos e pronomes eram habitualmente renegados, em um desejo de condensação poética.
Um dos aspectos mais inovadores da Poesia Concreta é a valorização do espaço gráfico.
Uso Substantivo do Espaço: Os poetas concretos utilizavam o espaço branco da página como um elemento significativo na criação poética, imprimindo-lhe significado.
Ruptura com o Fluxo Linear: Eles questionavam o uso tradicional do espaço, abandonando a escrita da esquerda para a direita e de cima para baixo. A disposição do texto na folha de papel é feita de forma inovadora.
Sintaxe Espacial: O núcleo poético é posto em evidência não mais pelo encadeamento sucessivo e linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre as partes do poema. O poema passa a ser um campo relacional de funções.
A origem do movimento concretista no Brasil é marcada pela fundação do grupo Noigandres em São Paulo, em 1952.
Fundadores: Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos.
Membros Posteriores: Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald.
Órgão de Divulgação: A revista Noigandres (1952-1962), considerada o marco zero da poesia concreta brasileira.
Etimologia (Dúvida Comum): A palavra Noigandres é enigmática e foi extraída de um poema do trovador Arnaut Daniel. Uma das hipóteses, registrada em um glossário occitaniano de 1819, é que signifique "noz moscada".
O lançamento oficial e de maior destaque do movimento ocorreu em 4 de dezembro de 1956, com a Exposição de Poesia Concreta no MASP (Museu de Arte de São Paulo).
Organizadores da Mostra: Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Wladimir Dias Pino. (Note a inclusão de Ferreira Gullar, que viria a romper com o grupo logo depois).
Embora o movimento brasileiro tenha contribuído significativamente para as bases mundiais do concretismo, ele não surgiu do nada. A tríade se baseou em antecessores que já exploravam a visualidade e a desconstrução da linguagem:
Stéphane Mallarmé: Com seu poema Um lance de dados (1897), que inovou ao explorar o espaço em branco para construir uma "sintaxe espacial" (o que os concretistas chamaram de "método prismático").
James Joyce: Cunhou a expressão "verbovocovisual", que aponta para a inseparabilidade da palavra, som e visão.
Ezra Pound: Traz o "método ideogrâmico". O poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções.
E.E. Cummings: Quebrou as palavras, realizando a "pulveriza fonética".
Os princípios teóricos do movimento foram consolidados através de manifestos publicados em 1956, notadamente na revista ad – arquitetura e decoração.
O termo verbivocovisual é central e define a natureza multimídia da poesia concreta. Haroldo de Campos definiu a Poesia Concreta como a atualização "verbovocovisual" do objeto virtual.
Elemento | Significado |
VERBI | Refere-se à palavra, ao signo verbal. |
VOCO | Refere-se ao som, à dimensão acústico-oral e à leitura da poesia. |
VISUAL | Refere-se à imagem, à dimensão gráfico-espacial, sendo a principal característica dessa arte. |
Augusto de Campos, em seu manifesto, aponta que a poesia concreta assume uma "responsabilidade total perante a linguagem", recusando-se a absorver as palavras como meros veículos indiferentes.
O conceito mais denso e frequentemente citado para definir o projeto concretista é:
POESIA-CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO-TEMPO.
Esta tensão das "palavras-coisas no espaço-tempo" mostra-se muito mais adequada a uma época como a nossa, em que os meios digitais oferecem condições técnicas para criações com movimento, cor e novas formas tipológicas.
Design Gráfico: O grupo Noigandres estabeleceu relações estreitas com o design gráfico. Décio Pignatari, por exemplo, era um designer profissional. Augusto de Campos e Décio Pignatari foram designers responsáveis pelo projeto gráfico de seus próprios livros, incluindo o desenho das capas.
Psicologia da Gestalt: Os concretistas foram muito influenciados pela Psicologia da Gestalt, visível na busca pela construção simétrica e na dialética simultânea de olho e fôlego, essencial para a síntese ideogrâmica do significado.
Multimídia Inata: Na formação dos fundadores do movimento estavam presentes as artes plásticas, música, cinema, arquitetura, publicidade e semiótica. O concretismo "já nasceu multimídia".
Esta é uma distinção crucial em provas e concursos:
A Poesia Concreta é um movimento programático: Ela defende a racionalidade e o fim da distinção entre forma e conteúdo, partindo de um conjunto de ideias e manifestos bem definidos.
A Poesia Visual é um gênero mais amplo: A poesia visual pode ser considerada uma intersecção entre poesia e experimentação visual.
A Regra Fundamental: Um poema concreto pode ser visual, porém nem sempre um poema visual poderá ser considerado concreto. O poema concreto busca a "concentração no material físico", ligada à tipografia e às exigências de suas possibilidades de desencadeamento.
A Poesia Concreta foi controversa desde o início. Walmir Ayala a classificou como o movimento mais "controvertido e sensacional da poesia brasileira".
Houve uma fase de "tradição samizdat" (publicação e distribuição limitadas) dos poemas concretos, especialmente nos anos iniciais. Isso fez com que, por muito tempo, o público tivesse mais acesso à teoria e aos manifestos (publicados em jornais e artigos) do que aos poemas em si.
Resultado: A leitura dos poemas era, muitas vezes, condicionada e informada pelo discurso crítico que os acompanhava. A falta de acesso aos poemas gerava discussões baseadas apenas na teoria ou manifestos, como o "plano piloto".
A seguir, estão listados e analisados poemas que são frequentemente cobrados em vestibulares e concursos, devido à sua representatividade e complexidade conceitual.
Conceito Central: Crítica à sociedade de consumo e apropriação da linguagem da propaganda.
Análise: O poema apropria-se do slogan do refrigerante, descontextualizando-o (e recontextualizando-o) com muita ironia. A sonoridade ímpar é criada pela repetição vocabular e pelo jogo de construção das frases (beba coca cola / babe cola / beba coca / babe cola caco).
Técnica: Utiliza a decomposição (comutação) das palavras, onde uma palavra dá origem a outras semelhantes, permitindo múltiplas leituras. A palavra "caca", por exemplo, surge da desconstrução do nome da marca e remete à ideia de lixo/sujeira, em oposição ao produto glamourizado. Além disso, o poema se transforma em "cloaca", sugerindo uma crítica ácida ao consumismo.
Contexto: Foi publicado na revista Noigandres número 4 em 1958 e também na revista ad—arquitetura e decoração, mostrando a intersecção com a publicidade e o design.
Conceito Central: Reflexão social através da similaridade gráfica e fonética.
Análise: A criação é altamente visual. A palavra "Lixo" é construída a partir da palavra "Luxo" em pequena escala e em movimento de repetição. As palavras são semelhantes graficamente e foneticamente, diferindo apenas pelas vogais "i" e "u".
Interpretação (Dúvida Comum): O poema convoca o leitor para uma profunda reflexão sobre a temática social, levantando questões como: "O luxo nos leva ao lixo?" e a crítica à sociedade que valoriza o luxo sem considerar a acumulação e o impacto (o lixo) gerado.
Conceito Central: Experimentação radical no nível da linguagem e crítica ao individualismo.
Análise: É um exemplar típico de poema concreto: conciso e feito a partir de uma escrita telegráfica e objetiva. A única palavra ("gente") é decomposta para revelar a palavra "et" em sua segunda sílaba.
Tipologia: A tipologia escolhida, a cor e a forma como as letras ocupam o campo visual são cruciais, enfatizando a palavra "ET". Isso permite interpretações sobre o mistério do ser humano, como se estivéssemos uns para os outros como criaturas desconhecidas ("ETs").
Conceito Central: A forma reflete o conteúdo; Haicai; Poema em movimento.
Análise: Leminski une imagem e texto de forma original, espelhando as palavras para simular o reflexo da lua na superfície da água. É considerado um poema em movimento.
Influência: A concisão e o formato se assemelham ao haicai, um tipo de construção poética oriental que teve grande importância para o grupo. Leminski estreou no concretismo em 1964, na revista Invenção, dirigida por Décio Pignatari.
Pêndulo (E.M. de Melo e Castro, 1961): Utiliza apenas uma palavra, "pêndulo", decomposta de modo a respeitar o movimento pendular sugerido. O conteúdo entra em sintonia com a sua representação gráfica.
Velocidade (Ronaldo Azeredo): A estrutura é de fundamental importância. A palavra é grafada de maneira original, com simetria (influência da Gestalt), na qual a forma informa. Ronaldo Azeredo foi um dos participantes da Exposição Nacional de Arte Concreta em 1956.
Cinco (José Lino Grünewald): Brinca com a coincidência: a palavra "cinco" possui cinco letras. A disposição na página é em formato de escada.
O Concretismo não foi um movimento monolítico, gerando polêmicas e desdobramentos cruciais, especialmente o Neoconcretismo, ponto obrigatório em concursos.
Ferreira Gullar (1930-2016) participou da primeira fase do movimento, inclusive na exposição inaugural de 1956. No entanto, por discordâncias com Haroldo de Campos, Gullar rompeu com o grupo em 1957.
A Polêmica: Gullar discordava da tese de que a questão fundamental era "criar um novo verso" e defendia que o principal era "superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo com a sintaxe verbal".
Criação do Neoconcretismo: Motivado a marcar seu lugar e o de outros simpatizantes, Gullar fundou o movimento neoconcreto ao lado de artistas visuais como Lygia Clark e Helio Oiticica.
Obra Exceção (Gullar): Apesar da ruptura, o poema Luta Corporal (1954) é frequentemente citado. Haroldo de Campos chegou a considerar o poema Mar azul, de Gullar, como o "o único poema concreto realmente realizado" do autor, reconhecendo a importância de sua experimentação inicial.
O impacto da Poesia Concreta ultrapassou as páginas do livro e reverberou em outros campos artísticos, confirmando sua natureza multimídia.
Da Serigrafia à Internet: O concretismo "preparou as bases, instáveis e moventes, para todos aqueles atuam criativamente em meios tecnológicos em constante revolução". Poemas foram adaptados para o audiovisual, galerias de arte, videoclipes e projeções.
O "Pós-Tudo": Augusto de Campos, mesmo décadas depois, continuou sua produção com obras como Pós-tudo (1984), refletindo sobre o fazer literário e o destino da arte moderna.
Diálogo Cultural: A poesia concreta estabeleceu interlocuções importantes com a música popular, com a Tropicália e com o cinema de invenção. Sua importância no meio literário foi comparada ao que a Bossa Nova representou para o meio musical.
O Novo Horizonte: A poesia contemporânea, que trafega entre palavras, música, artes plásticas e design, tem no concretismo uma grande inspiração para romper as barreiras da arte, dando forma àquilo que a geração de 1950 denominou de "verbivocovisual".
Pergunta (Dúvida Comum) | Resposta Didática com Base nas Fontes |
Qual é o marco inicial do Concretismo no Brasil? | O marco zero é a fundação do grupo Noigandres e o lançamento de sua revista em 1952. O marco de divulgação mais importante é a 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta no MASP, em 1956. |
Quem são os principais poetas concretistas? | A Tríade é composta por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Outros nomes importantes incluem Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald. |
O que significa "verbivocovisual"? | É o conceito central do Concretismo, que integra as dimensões da palavra (verbi), do som ou voz (voco), e da imagem ou dimensão gráfico-espacial (visual). |
Todo poema visual é concreto? | Não. Um poema concreto pode ser visual, mas nem todo poema visual é concreto. O poema concreto difere por ter um programa definido, racional, e buscar a concisão material e o fim da distinção entre forma e conteúdo. |
Qual foi a importância de Mallarmé para o Concretismo? | Mallarmé, com Um lance de dados (1897), inaugurou o que os concretistas chamaram de "método prismático", explorando o espaço em branco para construir uma "sintaxe espacial". |
O que levou à separação de Ferreira Gullar? | Gullar discordou de Haroldo de Campos em 1957. Ele defendia a necessidade de "superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo com a sintaxe verbal", em vez de se focar apenas na criação de um "novo verso". Isso levou à fundação do Neoconcretismo. |
Qual é a principal função da tipografia nos poemas? | A tipologia, a cor e a forma como as letras ocupam o campo visual são relevantes. Elas são escolhidas para enfatizar o conteúdo (como em Gente, onde a cor destaca "ET") e para imprimir significado, em consonância com o conteúdo (como em Cinco ou Velocidade). |
Termo | Definição no Contexto da Poesia Concreta |
Ideograma | O poema concreto em si, visto como um campo relacional de funções e uma síntese ideogrâmica do significado, em oposição ao encadeamento sucessivo de versos. |
Concisão | A aposta na economia de linguagem, rigor e precisão, rompendo com o discursivismo. |
Design Gráfico | A relação profissional e fundamental dos poetas (especialmente Pignatari e Augusto de Campos) com a estética do livro, da página e dos poemas, tratando o poema como um design. |
Múltiplas Leituras | A característica da poesia visual concreta que convoca o leitor a uma postura investigativa e permite várias interpretações do sentido das palavras e do conjunto. |
Gestalt | Influência da psicologia na qual a construção simétrica e a dialética simultânea de olho e fôlego eram usadas para a síntese do significado, onde o conflito forma e fundo é fundamental. |