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A trajetória de Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira) é determinante para a compreensão dos limites entre a criação literária e artística no Brasil. Reconhecido como um dos principais e mais importantes poetas brasileiros da segunda metade do século XX, Gullar se firmou como um poeta de vanguarda dentro da literatura nacional, transitando de poemas experimentais e vanguardistas a uma poesia marcadamente lírica e social.
José Ribamar Ferreira, que adotou o pseudônimo Ferreira Gullar, nasceu em São Luís, Maranhão, em 10 de setembro de 1930.
Gullar era filho do quitandeiro Newton Ferreira e de Alzira Ribeiro Goulart. Ele inventou seu nome artístico, usando o sobrenome Ferreira do pai e Gullar (adaptação de Goulart, sobrenome de origem francesa de sua mãe). Segundo ele, já que a vida é inventada, ele também inventou seu nome.
Apesar de uma infância e adolescência com pouco incentivo aos estudos da língua, ele iniciou sua carreira no universo literário e artístico desde jovem, interessando-se pelo ofício da gramática após ter seu talento de escrita elogiado por uma professora.
Aos 21 anos, em 1951, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como revisor e editor de textos na revista O Cruzeiro e escreveu críticas de arte para a seção de arte do Jornal do Brasil, abordando artistas modernos, exposições e construtos da Arte Moderna.
Gullar foi poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta. Em 2014, tornou-se imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a cadeira de número 37. Recebeu prêmios notáveis como o Prêmio Machado de Assis (2005) e o Prêmio Camões (2010).
A poética de Ferreira Gullar é marcada por diferentes movimentos estéticos, sendo sua produção dividida em fases que refletem seu desenvolvimento formal e seu engajamento com o contexto sócio-histórico:
Sua primeira fase de inspiração, ainda na juventude, foi parnasiana. Seu primeiro livro, Um Pouco Acima do Chão (1949), caracterizava-se por rimas constantes e métrica rigorosa. Essa obra, contudo, seria posteriormente excluída de sua bibliografia oficial.
Ao tomar contato com a poesia moderna de autores como Carlos Drummond de Andrade e Rainer Maria Rilke, Gullar adotou uma poética radicalmente diferente.
O livro A Luta Corporal (1954) é um marco, pois surpreende pela forma como rompe com o universo fechado do poema de forma fixa e promove a desarticulação da linguagem. Esta obra, anterior à sua mudança para o Rio de Janeiro, já mostrava a passagem estética do conservador ao moderno, iniciando com poemas mais tradicionais e avançando para o verso livre e a "destruição da linguagem".
Em A Luta Corporal, surge a expressão de uma forte desconexão entre a subjetividade do poeta e o que é imposto pela sociedade, usando as armas da revolta e do desejo em uma luta corporal com a linguagem, que reflete, no plano ideológico, a luta contra os aparelhos de controle da sociedade.
A publicação de A Luta Corporal atraiu a atenção de poetas como Augusto de Campos, levando Gullar a se envolver com o movimento da Poesia Concreta.
Gullar foi um dos responsáveis por introduzir o Concretismo no Brasil, em 1956. Contudo, seu envolvimento com o movimento concretista de São Paulo foi breve, pois ele se afastou em 1959. Gullar discordava da concepção ortodoxa dos paulistas, pois admitia que a arte não poderia ser tolhida do abstracionismo e tornada integralmente objetiva.
O Neoconcretismo (A Exceção e Inovação Prioritária) Gullar, juntamente com nomes como Hélio Oiticica e Lygia Clark, criou o Neoconcretismo.
Fundação: O movimento surgiu no Rio de Janeiro em fins da década de 1950, como reação ao concretismo ortodoxo.
Manifesto: Gullar escreveu o Manifesto Neo-Concreto em 1959 e o texto Teoria do Não-Objeto.
Princípios: O Neoconcretismo valoriza a expressão e a subjetividade, em oposição ao concretismo que buscava a lógica e o conhecimento objetivo. Gullar clamava por uma arte que não se baseasse no racionalismo ou na busca da forma pura.
Arte como Experiência: A obra de arte neoconcreta é vista como algo que representa mais do que a soma de seus elementos constituintes. O movimento valoriza a participação do público na composição da obra e busca obras que se tornassem ativas com o envolvimento do espectador. O Neoconcretismo buscou "expressar realidades humanas complexas".
Experimentação Formal: Gullar explorou os limites da expressão poética, criando o livro-poema, o poema espacial, e o poema enterrado. O poema enterrado, por exemplo, exigia que o visitante penetrasse numa instalação no subsolo para encontrar a palavra "rejuvenesça".
Gullar se afastou do grupo neoconcreto no início dos anos 1960, ao concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia. No entanto, ele defendia que mesmo suas produções posteriores mantiveram o aspecto gráfico e se ligavam ao Neoconcretismo.
A partir da década de 1960, Gullar se filiou ao comunismo (Partido Comunista do Brasil - PCB) e protestou ativamente contra a ditadura militar. Essa fase inaugura uma nova poética, mais voltada à política e à luta contra o regime.
Gullar desenvolveu a poesia engajada e atuou como presidente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) em 1963. Ele utilizou a poesia de cordel para tentar alcançar de forma mais direta o leitor popular.
Em sua produção literária, Gullar expressava posicionamentos políticos e econômicos que refletiam suas ações como militante, aliando a arte à política e aos contextos sociais.
Embora sua produção se tornasse profundamente política, Gullar desenvolveu a consciência de que a qualidade estética é crucial. Ele percebeu que, no começo, sua poesia no CPC da UNE tinha mais caráter político do que poético, o que ele considerava errado.
"Um poema, antes de ser político, tem que ser poético.".
Ele defendia que o poema pode fazer a crítica, mas precisa de qualidades artísticas, senão não é obra literária. Portanto, o período de poesia engajada também foi um momento de enriquecimento formal, pois os escritores, sob a ameaça da censura, procuraram enriquecer suas obras não só politicamente, mas também formalmente, dando maior qualidade ao material estético.
Poema Sujo é considerada a obra-prima de Ferreira Gullar. É um extenso poema, com cerca de noventa a cem páginas, que sintetiza as experiências formais e o drama existencial e político do autor.
O Poema Sujo foi escrito em Buenos Aires, na Argentina, entre 1975 e 1976, durante o exílio de Gullar.
O período de escrita foi turbulento, com Gullar longe de sua terra natal, incerto sobre o futuro. A Argentina também passava por turbulências políticas que previam um retorno à Ditadura Militar. Gullar temia ser capturado pelos militares argentinos ou brasileiros. Ele resolveu escrever o poema como se fosse a última coisa de sua vida, uma espécie de testamento antecipado, para dizer tudo o que faltava ser dito.
Após seis meses de elaboração, o poema foi gravado na voz de Gullar, em Buenos Aires, por Vinícius de Moraes e trazido clandestinamente ao Brasil, servindo como um importante elemento para o retorno do poeta ao país em 1977.
O Poema Sujo é uma longa recuperação de sua vida. Gullar realiza uma síntese de todas as etapas formais de sua poética.
Saudosismo e Memória: O poema retrata o saudosismo e o desejo de reacender memórias dos tempos amenos vividos em São Luís do Maranhão. O poeta busca o conforto das lembranças campestres para substituir a angústia do exílio.
Visceralidade e Limite: A obra é marcada por uma visceralidade tocante. Gullar tentou "vomitar toda a vida vivida" para criar um magma do qual extrairia o poema. O poema se inicia de forma abstrata, como algo tirado à força ("Turvo, turvo / a turva mão do sopro contra o muro").
Crítica Social e Política: O poema se configura como um recurso de denúncia frente à pressão ditatorial. Ele revela a miséria e o capitalismo latentes no período. A obra representa um instrumento artístico do contexto conturbado do século XX.
Herança Neoconcreta e Sintaxe Visual: Embora Gullar afirmasse que o poema não tinha nada a ver com o Concretismo, ele reconheceu que o aspecto gráfico e a experimentação formal se ligam ao Neoconcretismo. A construção de versos heterogêneos e desalinhados é uma característica da sintaxe visual, aliando estruturas fonéticas e imagéticas. O jogo de palavras, como em "café com pão / bolacha não / vale quem tem / nada vale / quem não tem", permite a fluidez na leitura e confere ao texto o rompimento com a rigidez vanguardista.
Aproximação Arte-Vida: O Neoconcretismo perdurava no procedimento artístico de Poema Sujo, representando a aproximação da arte com a vida e fazendo o público se perceber como participante da obra.
O Poema Sujo se encaixa na categoria de autoficção, pois elementos da realidade do autor-personagem se confundem com elementos fictícios.
A obra exibe uma construção dualista primorosa, que mistura manifestações artísticas e ideológicas vigentes, e revela a aglutinação entre arte e tópicos da vida prosaica. O poema resulta de uma descrição contextual, surgindo da descrição do que se é visto enquanto ser humano levando em conta o que se é vivido enquanto poeta.
Após o retorno do exílio em 1977, Gullar continuou sua produção. Seus livros subsequentes refletem uma poética mais madura e focada em reflexões existenciais:
Lançado logo após o exílio, este livro consolida a poética de Gullar e apresenta poemas famosos como "Traduzir-se" e "Morte de Clarice Lispector". A poesia nesta obra surge entre o gesto revolucionário e o lirismo pessoal.
Após doze anos sem publicar um livro de poemas inéditos, Muitas Vozes foi lançado e representa uma ruptura temática em comparação com obras anteriores.
Temas: A obra reflete sobre a vida, a morte, o silêncio e memórias da infância. O tema da morte, tratado de forma pungente, é frequente e pode ser reflexo das perdas enfrentadas pelo autor na década de 1990 (seu filho e sua primeira esposa faleceram nesse período).
Tom: A fúria presente em obras anteriores aparece mais amenizada, e o tom geral é de reflexão.
Estilo: Após anos de experimentação, Gullar volta a realizar poemas metrificados e rimados, demonstrando a síntese de sua poética.
Caráter Autobiográfico: O livro possui um caráter autobiográfico, tratando de temas íntimos como infância, sexualidade e familiares. Ao falar de si, Gullar alcança um tom universal.
A poesia de Gullar, especialmente em seu período engajado e de desconstrução formal, pode ser lida através de conceitos filosóficos complexos que a definem como uma ferramenta de resistência contra as estruturas de poder.
A poesia de Gullar possui o caráter de literatura menor (conceito de Deleuze e Guattari). Uma literatura menor apresenta as seguintes características:
Desterritorialização da Língua: Gullar desterritorializa a linguagem e seus códigos, criando um novo tratamento linguístico, fazendo o português gaguejar para conceber novos devires.
Tudo é Político: Na literatura menor, todas as questões individuais estão imediatamente ligadas à política. Em Gullar, o contexto social serve de pano de fundo. Por exemplo, no poema "Não há vagas", a menção ao preço do feijão, arroz, gás, e a sonegação, liga diretamente a realidade do homem comum à denúncia do descaso estatal.
Valor Coletivo: A literatura menor agencia a enunciação coletiva de determinadas condições de povo e de massa, ou o "devir revolucionário".
A obra de Gullar é um elemento de revolta e resistência frente às desigualdades sociais. A revolta na poesia Gullariana é vista como uma "revolta menor" (conceito de Julia Kristeva), pois se trata de agenciamentos de revolta advindos da produção literária.
Em poemas como "Boato", o poeta questiona a neutralidade da arte em meio à repressão: "Como ser neutro, fazer / um poema neutro / se há uma ditadura no país / e eu estou infeliz?". A poesia deixa de ser apenas uma expressão da palavra perfeita para denunciar a realidade.
Gullar, ao inovar esteticamente (concretismo, neoconcretismo, versos quebrados e visuais) e ao introduzir palavras não comuns em território poético, como "diarreia" no poema "A bomba suja", cria uma "máquina de guerra poética".
Função: A máquina de guerra poética se opõe às ações capitalísticas de Estado e aos processos de repressão. Sua essência é traçar uma linha de fuga criativa, que não consiste apenas em fugir do pré-estabelecido, mas em resistir, lutar por novas possibilidades e inaugurar novos devires.
Caos e Visão: A arte, na visão deleuziana e guattariana, perfura o "guarda-sol" de opiniões prontas que protege o homem do caos, convidando-o a mergulhar na experimentação e a visualizar o possível. O poema, antes de ser escrito, é a "possibilidade de dizer / o que não foi dito".
A seguir, respondemos às perguntas mais frequentes em estudos sobre Ferreira Gullar, com foco em material de exame:
A: A principal obra de Ferreira Gullar é Poema Sujo (1976). Sua importância reside no fato de ser uma síntese estética de todas as fases poéticas de Gullar, desde o lirismo até as experimentações do Neoconcretismo. Além disso, o poema é um poderoso documento histórico e político sobre o exílio do poeta durante a Ditadura Militar brasileira, misturando realidade e ficção (autoficção).
A: O Concretismo buscava a objetividade e a racionalidade extrema na arte. Gullar (junto com Lygia Clark e Hélio Oiticica) rompeu com essa visão por meio do Neoconcretismo. O Neoconcretismo defendia que a arte não deveria ser tolhida do abstracionismo e que a obra de arte deveria ser compreendida fenomenologicamente, valorizando a expressão, a subjetividade e a experiência viva do homem, permitindo a participação do público e abrindo margem para o irracional.
A: Embora Gullar sempre tenha demonstrado uma veia combativa, seu envolvimento político se intensificou após o Golpe Militar de 1964, quando se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Ele produziu a chamada "poesia engajada", defendendo que a poesia deveria denunciar as mazelas sociais. Contudo, Gullar enfatizava que um poema deve, antes de ser político, ser poético.
A: Sim. A letra do poema "Trenzinho do Caipira" é de Ferreira Gullar. O poema foi musicado pelo maestro Heitor Villa-Lobos e integra a peça Bachianas Brasileiras nº2.
A: O exílio em Buenos Aires (1971-1977) foi a motivação fundamental para a escrita do Poema Sujo. Sentindo-se ameaçado e sem rumo, Gullar escreveu a obra como um "testamento". O sentimento de saudosismo pela terra natal (São Luís) e a incerteza política, que via o cenário de repressão se repetindo na Argentina, são os pilares emocionais que estruturam o poema.
A: Gullar transitou por diversos estilos. Sua primeira obra (Um pouco acima do chão) era parnasiana e utilizava métrica rígida. Em fases posteriores, como no Neoconcretismo e na poesia engajada, ele adotou o verso livre e a desintegração da linguagem. Contudo, em sua fase madura, como em Muitas Vozes (1999), ele voltou a realizar poemas metrificados e rimados, demonstrando que sua poética era a mistura de todas as experiências formais pelas quais se aventurou.