A Poesia Marginal, também amplamente conhecida como Geração Mimeógrafo, é um movimento literário fundamental na história da literatura brasileira, florescendo durante a década de 1970. Este fenômeno artístico e cultural emergiu como uma expressão de contracultura em meio a um dos períodos mais repressivos do país: a Ditadura Militar (1964-1985).
Os poetas marginais mudaram o modo de fazer poesia no Brasil. Longe dos canais tradicionais de publicação, o movimento se destacou por sua produção independente e artesanal, que se opunha diretamente à censura e à elitização da arte vigentes.
Período | Contexto Político | Nome do Movimento | Meio de Produção |
Anos 1970 | Ditadura Militar, AI-5 (Ato Institucional n.º 5) | Poesia Marginal / Geração Mimeógrafo | Mimeógrafo e fotocopiadoras |
Para entender a Poesia Marginal, é crucial compreender o cenário sociopolítico da época.
O movimento surgiu em um momento bastante conturbado, logo após o AI-5, baixado em 1968, que suspendeu garantias constitucionais e impôs uma censura severa à imprensa, literatura, música, teatro e cinema. Artistas e intelectuais sentiam a liberdade de expressão diminuir progressivamente.
As grandes editoras eram censuradas pelo governo militar, o que impossibilitava a publicação de temas considerados delicados ou críticos. A repressão se tornou implacável.
A Poesia Marginal foi um movimento de contracultura. Contracultura refere-se a um conjunto de valores e ideias que se posiciona "fora" da cultura dominante, buscando romper com ela. Na poesia, isso se manifestou como uma crítica ao padrão poético, estético e conteudístico aceito.
Essa estética se alimentou de influências da contracultura internacional, como o rock and roll e o movimento hippie, incorporando o aspecto lúdico da poesia contra a seriedade das poéticas anteriores.
O nome “Geração Mimeógrafo” remete à principal peculiaridade e revolução prática do movimento: a forma de produção e distribuição das obras.
Os poetas marginais recorriam ao mimeógrafo e às fotocopiadoras para reproduzir seus textos. O mimeógrafo era um equipamento acessível, que produzia cópias a partir de uma matriz perfurada.
A principal ideia por trás disso não era o lucro, mas sim a necessidade de se expressar livremente em pleno regime de Ditadura Militar.
A produção era feita de maneira artesanal, com baixo custo e pequeno, ou nenhum, lucro.
O processo editorial tradicional (revisão, editoras) era burlado. Os textos eram grampeados em livretos e vendidos de mão em mão, distribuídos em:
Eventos de cultura marginal.
Bares, restaurantes, teatros, cinemas e praças.
Nas ruas, em filas de autocarros e universidades.
Essa distribuição rompeu com a elitização da arte. A arte, antes de difícil acesso (devido à censura e preço elevado), passava a estar disponível para todas as classes sociais.
O termo "Poesia Marginal" ou "Marginália" tem múltiplos significados, sendo um ponto crucial para concursos:
Margem Editorial/Produção: Relaciona-se ao fato de os autores estarem à margem do circuito editorial estabelecido, buscando meios alternativos de produção (mimeógrafo, fotocópia).
Margem Cultural/Estética: Refere-se a um tipo de arte que estava à margem do que era considerado comum ou canônico. Os poetas romperam com a tradição vigente.
Margem Social/Temática: Dado pelo fato de as poesias abordarem assuntos que colocavam em evidência grupos estigmatizados na sociedade, como negros, pobres e homossexuais.
A Poesia Marginal promoveu uma profunda mudança na estética da poesia brasileira, marcada por uma inventividade artística e vitalidade criativa.
Linguagem Coloquial e Antiacadêmica: Utilização da linguagem do dia a dia, simples, direta. Isso se opôs ao rigor formal das escolas anteriores, como o Parnasianismo, e ao caráter acadêmico.
Exemplo Didático: Uso de gírias e expressões como "tô", "tou", "mi diga", e irregularidade na pontuação, subvertendo o padrão culto esperado.
Liberdade Formal e Experimentalismo: Havia um descompromisso com o padrão literário. A poesia se permitia a fragmentação, ambiguidade, uso de palavrões e experimentação rítmica.
Brevidade e Imediatismo: O poema tendia a ser breve e instantâneo, sendo chamado de “poema flash”, “poema minuto”, “poema relâmpago” ou “estalo lírico”. Essa síntese também reflete a influência dos meios de comunicação de massa e da sociedade de consumo (baixo custo, descartável).
Subjetividade: Ao contrário do Concretismo, que privilegiava a forma, a Poesia Marginal explorava intensamente a subjetividade.
A poesia marginal era marcada pela ironia e humor. Embora Heloísa Buarque de Hollanda a descreva como "aparentemente light e bem-humorada", seu tema principal era grave, refletindo o trauma da geração com os limites impostos.
Protesto e Resistência: A poesia tinha um cunho de resistência cultural e política, buscando questionar valores morais, sociais e o sistema opressor da ditadura.
O Cotidiano Urbano: Os poetas buscavam a poesia presente no cotidiano das grandes e pequenas cidades. A realidade imediata, tudo o que acontecia ao redor dos poetas, era inspiração.
Temas Diversos: Além da política, abordavam o amor e a sexualidade, a religião e críticas socioeconômicas ao sistema capitalista e ditatorial.
Interartes: A produção se expressava não apenas em palavras, mas também em elementos visuais, colagens e fotografias.
Os poetas marginais foram representantes da contracultura e transformaram a literatura.
Autor | Perfil e Contribuição | Obra(s) de Destaque |
Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte) | Grande expoente, conhecido por sua poesia lúdica, espontânea e de protesto. Co-fundador da Nuvem Cigana. | Muito Prazer (1971), Preço da Passagem (1972), América. |
Paulo Leminski | Escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor. Conhecido pela síntese e pelo Haicai. Reconheceu a poesia marginal como a figuração exata da brutal urbanização brasileira. | Catatau (1975), Caprichos & relaxos (1983). |
Ana Cristina Cesar | Conhecida pela delicadeza e pela exploração da subjetividade e intimidade. Suas obras muitas vezes tratavam da memória e do amor. | A teus pés (1982). |
Torquato Neto | Poeta e compositor, figura marginal que permaneceu como símbolo da geração. Interagiu com o cinema. | Os últimos dias de Paupéria (1973). |
Waly Salomão | Poeta de grande inventividade, com obras transgressoras. Participou do Tropicalismo. | Me segura qu’eu vou dar um troço (1972). |
Cacaso (Antônio Carlos Brito) | Professor universitário, ajudou a articular a ponte entre poetas marginais e o meio acadêmico. Sua poesia reflete a crítica social e a ambiguidade. | Grupo escolar (1975). |
Nicolas Behr | Poeta de Brasília, cujas obras abordam o cotidiano da capital. Notável pelo uso intensivo de intertextualidade (ver Seção 5.3). | Vinde a mim as palavrinhas, Restos Vitais. |
A Poesia Marginal não surgiu no vácuo; ela foi influenciada por movimentos e tendências anteriores, principalmente:
Primeira Fase do Modernismo Brasileiro: Compartilhava o espírito de ruptura com a tradição e a valorização do coloquial, resgatando a atitude leve e descomplicada de autores como Oswald de Andrade e Manuel Bandeira.
Tropicalismo: Movimento artístico e cultural que marcou a virada da década de 60 para 70. O Tropicalismo também era uma manifestação de contracultura.
Geração Beat (EUA): O poeta Chacal, por exemplo, foi influenciado diretamente ao ver a performance de Allen Ginsberg em Londres, valorizando a atitude corpórea e a oralidade da palavra.
Embora a Poesia Marginal tenha se inspirado na brevidade e síntese da poesia neovanguardista, como o Concretismo, ela tendeu à oposição à sua forma mais usual.
Enquanto o Concretismo enfatizava a arquitetura escrupulosa do poema e a forma racionalista, a Poesia Marginal priorizava a exploração da subjetividade e a espontaneidade, rejeitando o compromisso ético-político didático de algumas poéticas da década de 60.
A obra de Nicolas Behr é um exemplo notável de como a Poesia Marginal, apesar de seu objetivo de ser universal e acessível, continha desvios que elevavam sua complexidade.
Behr utilizou intensamente a carnavalização da tradição, fazendo referências à Bíblia e, principalmente, ao movimento modernista brasileiro (Drummond, Oswald de Andrade, Cecília Meireles) e estrangeiro (Lorca).
O uso da intertextualidade em poemas como Drummond Brasiliensis (referenciando E agora, José? de Carlos Drummond de Andrade) ou a referência a Dom Pedro I pressupõe que o leitor possua conhecimento prévio sobre estas obras e figuras históricas.
Ponto de Crítica Marginal (Exceção): Este desvio, que exige conhecimento do tradicional para negá-lo e rejeitá-lo, restringiu o público leitor. Isso contraria o objetivo principal da Poesia Marginal de ser o mais abrangente possível e alcançar aqueles que estavam à margem da sociedade.
A Geração Mimeógrafo não se limitou à literatura, mas interagiu com outras formas de arte e cultura, consolidando o movimento de contracultura.
Música: Envolveu compositores e poetas como Jards Macalé, além de interagir com nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e João Bosco. Ronaldo Bastos, da Nuvem Cigana, co-compôs a canção homônima que deu nome ao coletivo.
Cinema e Teatro: Artistas como Glauber Rocha e Torquato Neto estiveram ligados. O filme Febre do Rato (2011), por exemplo, é citado por Chacal como um exemplo contemporâneo de lirismo marginal.
Performance: A poesia buscava sair do papel e ser falada. O grupo carioca Nuvem Cigana realizou as Artimanhas, apresentações performativas onde poemas eram declamados, dramatizados e acompanhados por música (happenings).
O movimento marginal deixou um legado imenso, alterando permanentemente a forma de se conceber e produzir poesia no Brasil.
Um marco fundamental na legitimação da Poesia Marginal foi a antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Publicado pela editora Brasiliense em 1975, este livro tirou parte da produção da estrita marginalidade editorial.
Apesar de a proposta ter gerado protestos por parte de poetas que temiam a institucionalização, a obra foi crucial para a divulgação massiva de nomes como Ana Cristina César, Chacal, Cacaso e Torquato Neto.
A Nuvem Cigana (fundada em 1972, Rio de Janeiro) é um coletivo que sintetiza o espírito da geração. O grupo, que incluía Chacal, Charles Peixoto, Ronaldo Bastos e Bernardo Vilhena, procurava ser um coletivo plural nas artes.
Eles encarnavam a contracultura através da vida em comunidade, do impulso de liberdade e do culto ao instantâneo. Sua maior contribuição foi a poesia falada através dos happenings chamados Artimanhas.
A tradição marginal se estendeu pelos anos 1980, utilizando recursos como a fotocópia e a produção de zines.
Nos dias de hoje, a poesia marginal encontra seu eco na Internet. A poesia que circula apenas online, por poetas que não usam outro meio de divulgação por postura ou exclusão econômica, pode ser vista como uma continuidade desta tendência.
No entanto, o poeta Chacal critica que, na era digital, a poesia está "afogada nesse dilúvio audiovisual". Embora a invasão digital tenha facilitado a produção, o excesso de informação ("hipertrofia informacional") soterra o "tesão" pela nova arte, dificultando o tempo de mergulho e reflexão que a poesia exige.
Esta seção aborda questões cruciais frequentemente exploradas em avaliações e concursos.
Não. Embora compartilhem o termo "marginalidade", as diferenças são de fundo e forma:
Poesia Marginal (Anos 70): Marginalidade primariamente editorial (rejeição pelo mercado) e política (censura). Muitos autores eram auto-marginalizados ou intelectuais com acesso a certos círculos. A linguagem era coloquial e experimental, mas o enfoque era na contracultura e na resistência política.
Literatura Marginal/Periférica (Anos 90/2000 em diante): A marginalidade migra da condição de produção para a condição social do autor. O enfoque está nos que vivem a exclusão social (moradores de favelas, periferias, afrodescendentes). É um movimento de afirmação identitária, com uma linguagem mais referencial e um foco social e testemunhal.
O objetivo central era fazer uma literatura independente e expressar-se livremente. Os poetas buscavam questionar valores morais, editoriais, sociais e políticos, opondo-se ao regime militar e à cultura dominante.
Eles também visavam romper com a elitização da arte, tornando-a acessível a todas as classes sociais através do baixo custo de produção.
O humor e a ironia (ou tom jocoso/deboche) eram ferramentas de subversão. Eles permitiam:
Atingir o sistema opressor pelo artifício poético, em um período de forte censura.
Desconstruir o padrão poético sério e sisudo. Chacal, por exemplo, criticava o "solene, o formal, o blá-blá-blá".
Expressar o trauma e os limites impostos à geração de forma light, mas com um tema grave de fundo.
Não. A Geração Mimeógrafo é caracterizada pelo antiacademicismo e pela valorização da linguagem coloquial e espontânea. Eles não tinham preocupação em atender aos princípios da norma-padrão da língua, o que era parte de sua crítica à elitização e ao formalismo. A ruptura com a tradição incluía a subversão da linguagem.
Heloísa Buarque de Hollanda foi a organizadora da antologia 26 Poetas Hoje. Ela foi crucial para a divulgação massiva e o reconhecimento de parte da Poesia Marginal no circuito editorial, ao publicar a obra em 1975.
As Artimanhas eram apresentações performativas ou happenings promovidos pelo coletivo Nuvem Cigana. Nelas, os poetas declamavam seus poemas de forma dramatizada, por vezes acompanhados de música. Representavam a materialização da poesia marginal fora do papel, no espaço público, testando os limites da poesia e da palavra.
A crítica é que, ao fazer uso constante de intertextualidade e referências eruditas ao Modernismo (carnavalização da tradição), ele exigia um conhecimento cultural prévio do leitor. Esse requerimento de erudição restringia o público que poderia compreender plenamente a obra, o que contradizia a essência democrática e abrangente da Poesia Marginal.