Antônio Frederico de Castro Alves (1847–1871) é amplamente reconhecido como o principal representante da terceira geração do Romantismo no Brasil. Devido à força e ao engajamento de seus versos em defesa da causa abolicionista, ele ganhou a célebre alcunha de "poeta dos escravos". Sua poesia social galvanizou a sensibilidade da época contra a escravidão.
Castro Alves, que viveu apenas 24 anos, deixou uma obra marcada pelo poderoso sentimento de nacionalidade e por uma força revolucionária, destacando-se como poeta social, humano e humanitário. Integrando o Condoreirismo, sua produção reflete o momento histórico da época, marcado pela decadência da monarquia, pela intensa luta abolicionista e pela campanha republicana.
Este material visa apresentar a vida e a obra de Castro Alves de forma didática e completa, priorizando a estrutura didática do mais fácil para o mais complexo, focando em temas e controvérsias essenciais para o entendimento acadêmico e de concursos públicos, especialmente a distinção entre a sua visão distanciada da escravidão e a visão de dentro de autores negros contemporâneos, como Luiz Gama.
Castro Alves nasceu na Bahia em 1847 e viveu durante o Segundo Reinado, um período em que o sistema da escravidão ainda vigorava no Brasil. O tráfico de escravos da África havia sido proibido pela Lei Eusébio de Queiroz em 1850, mas a escravidão, com todos os seus dramas, estava presente por toda a parte, inclusive na casa da família do poeta.
As faculdades de Direito de Recife e São Paulo, onde Castro Alves estudou, eram ambientes de grande fermentação de ideias liberais e cívicas, sob influência de autores europeus como Ernest Renan e Auguste Comte, que traziam a vontade de reformar o país.
A poesia de Castro Alves começou a ganhar forma em um momento de intensa mobilização social:
Aos 16 anos (1863), publicou "A Canção do Africano", considerada sua primeira poesia abolicionista canônica.
Em 1866, no Recife, ele se juntou a outros, como Rui Barbosa, na fundação de uma sociedade abolicionista.
Sua obra ajudou a formar a geração que viria a conquistar a abolição.
O Romantismo, como movimento estético, contrapôs-se ao Classicismo e, no Brasil, coincidiu com a necessidade de afirmação da nacionalidade.
Os estudiosos dividem o Romantismo brasileiro em três gerações:
Primeira Geração (Nacionalista/Indianista): Foco no nacionalismo e patriotismo (ex: Gonçalves Dias).
Segunda Geração (Ultrarromantismo ou Mal do Século): Marcada pela influência de Lord Byron, focada no pessimismo, amor, morte, dúvida e melancolia (ex: Álvares de Azevedo).
Terceira Geração (Condoreirismo ou Condorismo): Caracterizada pela temática social e pela defesa de ideias igualitárias.
O que é Condoreirismo?
O termo "Condoreirismo" ou "Condorismo" associa-se ao condor, uma ave de voo alto e solitário com grande capacidade de visão.
Símbolo e Missão: O poeta condoreiro, identificado com essa ave, supunha ser um poeta-gênio iluminado com o compromisso de orientar os homens comuns para a justiça e a liberdade.
Estilo: A poesia condoreira possui um tom grandiloquente, muitas vezes próximo da oratória, com a finalidade de convencer e persuadir o público para a causa.
Características Físicas e Retóricas: Uso de hipérbole e metáforas "condoreiras" que remetem à vastidão (águia, condor, céu, mar, infinito, abismo, sol).
Castro Alves, apelidado de "apóstolo andante do condoreirismo", foi o maior expoente deste movimento.
O trabalho poético de Castro Alves é didaticamente dividido em dois grandes grupos:
Poesia Social (Condoreira/Épica): Focada na denúncia da escravidão, defesa da República e temas humanitários.
Poesia Lírico-Amorosa: Focada no amor e na figura feminina.
Ponto Crucial para Concursos (Obra Publicada em Vida):
Castro Alves publicou somente um livro em vida: Espumas Flutuantes (1870).
Este livro é uma coleção de poemas líricos, românticos e sensuais, não contendo suas poesias abolicionistas mais célebres.
Ele planejava um segundo livro, Os Escravos, que reuniria seus poemas sociais, mas morreu antes de finalizá-lo.
Os Escravos é, portanto, uma antologia póstuma, idealizada por Afrânio Peixoto em 1921, baseada em notas deixadas pelo poeta.
Ao contrário dos ultrarromânticos, que focavam em conflitos internos, Castro Alves justifica o sofrimento humano no desajuste do homem ao meio e na "eterna luta entre opressores e oprimidos".
Principais Temas da Poesia Social:
Libertação dos escravos.
Defesa da República.
Denúncia da tirania.
A sua poesia social rompe com a visão centrada no "eu" de seus antecessores, trazendo um tom "alto, aberto, franco" na defesa dos escravos. Seu objetivo era mobilizar o público na direção do ativismo abolicionista e republicano.
Embora Castro Alves tenha sido grandemente influenciado pelo condoreirismo épico de Victor Hugo, ele também se destacou em sua lírica, sobretudo por uma característica crucial: o sensualismo.
Mulher Concreta: Ele se diferenciava por ter uma visão mais realista e sensual do amor e da mulher.
A mulher em sua poesia é um ser corporificado e materializado, participando ativamente do envolvimento amoroso. Ele foge do "amor convencional e abstrato dos clássicos" e da "virgem pálida" dos ultrarromânticos.
A poesia lírica inflamada deriva de uma figura feminina real, próxima e conquistada.
"O Navio Negreiro" (1868) é um dos poemas mais famosos de Castro Alves. Foi publicado em um jornal do Rio de Janeiro e integra a obra Os Escravos.
O poema é uma viagem dantesca a bordo de um navio negreiro, usando imagens vívidas e terríveis (multidão escravizada dançando acorrentada e nua no convés, sangrando e chorando). A descrição da miséria é "hiperbólica e eloquente".
Pontos de Destaque:
Ataque à Bandeira Nacional: O elemento mais revolucionário do poema é o ataque frontal e inédito à bandeira e à nacionalidade brasileiras. Castro Alves critica a nação que empresta sua bandeira "p'ra cobrir tanta infâmia e cobardia".
Brado Final: O poeta brada, angustiado, que seria melhor a nação não existir do que existir para promover tal mal: “Andrada! arranca esse pendão dos ares! / Colombo! fecha a porta dos teus mares!”.
Função: O navio-negreiro, para a crítica, é a imagem central utilizada para dramatizar o problema da escravidão em geral, e não apenas para denunciar o tráfico proibido (que já havia sido abolido em 1850). O poeta coloca em discussão as próprias fundações da sociedade escravista.
Este poema dramático, finalizado nos últimos meses de vida do poeta, narra a história dos amantes escravizados Lucas e Maria.
A obra aborda a violência da escravidão que impossibilita o pleno gozo do amor por indivíduos escravizados.
Crítica à Estrutura Social: O personagem Lucas realiza um discurso revolucionário ao afirmar que Deus, a família e a lei pertencem às pessoas brancas. Para os escravizados, a lei não faz sentido e não há obrigação de respeitá-la.
Suicídio/Morte: O poema é polêmico pois, após declarações inflamadas, os personagens não agem; Lucas se deixa morrer, e Maria tenta o suicídio, levando alguns críticos a questionar se Castro Alves propunha alguma alternativa concreta que não a morte.
Mérito: O grande mérito é a fusão da tragédia racial, social e erótica, conferindo dignidade humana e profunda humanidade aos personagens negros, expondo a vida íntima do escravizado pela primeira vez na literatura brasileira.
Castro Alves também foi dramaturgo. Sua peça Gonzaga ou a Revolução de Minas (1876, póstuma) versa sobre a Inconfidência Mineira, mas reconfigura a história.
Reconfiguração Histórica: Embora os inconfidentes não fossem abolicionistas, Castro Alves os retrata como tal. A peça também introduz a linha narrativa do ex-escravo Luiz, que busca sua filha desaparecida, Carlota.
Função Abolicionista: Ao focar a questão da liberdade a partir do prisma nacionalista e incluir a mazela da escravidão na narrativa, Castro Alves argumenta que nenhuma revolução seria possível no Brasil sem a humanização e a libertação do povo negro.
Gênero Híbrido: A peça é híbrida, misturando drama histórico, melodrama, comédia e tragédia, e utiliza mecanismos poético-retóricos de cunho dramático para a mobilização do pathos do público.
A fama de Castro Alves não se deveu apenas aos seus textos escritos (muito pouco publicados em vida), mas sobretudo à sua capacidade oratória e de declamação pública. Ele era uma celebridade em vida.
Estratégia de Persuasão: Castro Alves "apostou na intensificação de componentes dramáticos em sua obra para atingir a comoção e a persuasão da opinião pública". Suas apresentações atraíam grandes multidões.
Oralidade no Cânone: O fato de ser um poeta "eminentemente oral" multiplicava o público potencial, especialmente em uma sociedade amplamente analfabeta no século XIX. Mesmo quem lia seus poemas nos jornais, provavelmente já os havia ouvido.
Crítica da Oralidade: Alguns críticos, como Flávio Kothe, argumentam que essa qualidade oral leva à superficialidade e aos defeitos de sua poesia, que seria "barulhenta e superficial; sua poesia seria como um fósforo, feita para ser usada somente uma vez".
Apesar do seu inegável papel na luta abolicionista, a crítica levanta questões sérias sobre a representação do negro em sua obra.
Argumentos Críticos e Limitações:
Visão Distanciada: Castro Alves, sendo um branco de elite, representou o negro de forma limitada, vista “de fora”, utilizando a figura do negro como pretexto para a exaltação da liberdade (ideal da ideologia dominante).
Estereotipia: O poeta não rompeu totalmente com os estereótipos de seu tempo, muitas vezes reforçando imagens inferiorizantes. Ele lança mão, por exemplo, do estereótipo do negro vítima, do negro infantilizado e do negro vingativo.
Ausência de Voz Própria: Em sua poesia, o negro é sempre o outro, que precisa da misericórdia do branco, pois, na sua visão, o negro por si só não era capaz de se libertar. Ele não dá voz ao negro, mas se comporta como um advogado de defesa que busca comover a plateia.
Direcionamento: O horizonte de recepção de sua poesia era composto pelas plateias burguesas e pela elite branca.
A distinção entre Castro Alves e seu contemporâneo Luiz Gama (1830–1882) é um tema frequentemente abordado em exames, pois ilustra o duplo posicionamento da literatura brasileira oitocentista em relação ao negro.
Critério | Castro Alves (Visão Distanciada) | Luiz Gama (Afirmação Identitária) |
Origem | Branco, da elite baiana. | Negro (mestiço), ex-escravo autodidata. |
Ponto de Vista | "Visão de fora". Representa o negro como "o outro" (terceira pessoa). | "Discurso de dentro". Postula-se como negro, referindo-se ao afrodescendente em primeira pessoa. |
Representação | Negro como vítima, pretexto para a exaltação da liberdade da Nação. Reforça estereótipos negativos. | Afirma a especificidade afro-brasileira. Edifica a afirmação identitária de seu coletivo. |
Linguagem | Utiliza o vocabulário erudito, importando e aclimatando tendências do Velho Mundo (Victor Hugo). | Utiliza vocabulário de origem africana (ex: urucungo, marimba, candimba) e exalta a musa da Guiné. |
Classificação | Não se enquadra na Literatura Afro-Brasileira. | Pioneiro da Literatura Afro-Identificada no Brasil. |
Conclusão da Crítica: Embora Castro Alves tenha sido uma voz em favor do negro, conferindo dignidade humana aos escravizados, sua obra não tinha comprometimento com a etnia afrodescendente, mas sim com a necessidade de a nação livrar-se da escravidão para se modernizar. A luta abolicionista, para a elite da época, era vista como meio para o desenvolvimento socioeconômico e político do Brasil.
Victor Hugo foi a maior influência de Castro Alves. Muitos o apelidaram de discípulo do francês.
Afinidades Ideológicas: Ambos partilhavam do espírito liberal, humanitário e revolucionário, defendendo os direitos civis, políticos e sociais.
Adaptação: Castro Alves modelou a mensagem de Hugo, adaptando-a aos ideais abolicionistas brasileiros. O liberalismo socialista de Hugo transformou-se no liberalismo essencialmente abolicionista de Castro Alves.
Recursos Comuns: Uso da antítese luz-trevas (simbolizando liberdade vs. escravidão no Brasil), do tom épico e grandioso, e da concepção do poeta como profeta (vate) que anuncia um mundo novo.
Abolição Progressiva: A abolição no Brasil foi um processo gradual, incluindo a proibição do tráfico em 1850 (Lei Eusébio de Queiroz), a Lei do Ventre Livre (1871), e a Lei dos Sexagenários (1885), culminando na Lei Áurea (1888). Castro Alves teve a satisfação de ver a Lei do Ventre Livre promulgada pouco antes de sua morte.
O Isolamento no Fim da Vida: O sucesso de Castro Alves (auge em 1868) foi curtíssimo. Após o término do seu relacionamento com a atriz Eugênia Câmara e um acidente de caça que resultou na amputação de seu pé (novembro de 1868), ele ficou doente e acamado, perdendo popularidade na imprensa. Este isolamento, contudo, foi vital para que pudesse finalizar Espumas Flutuantes e compilar os poemas sociais.