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10/03/2024 • 25 min de leitura
Atualizado em 26/07/2025

A Revolta da Vacina e as reformas urbanas

A Revolta da Vacina e as Reformas Urbanas no Rio de Janeiro: Um Guia Completo para Estudantes

Se você busca compreender a fundo um dos episódios mais marcantes da história do Brasil, que combina modernização forçada, saúde pública e a explosão de tensões sociais e raciais, você chegou ao lugar certo. A Revolta da Vacina e as Reformas Urbanas do Rio de Janeiro, lideradas por Pereira Passos no início do século XX, são temas centrais para entender as bases da sociedade brasileira moderna, suas contradições e o legado que carregamos até hoje.

1. Introdução: O Rio de Janeiro em Ebulição no Início do Século XX

Imagine o Rio de Janeiro no início do século XX. A cidade era a capital do Brasil e, sem dúvida, a maior e mais importante do território nacional. No entanto, essa metrópole pulsante enfrentava problemas urbanísticos e sanitários gravíssimos. Suas ruas estreitas e habitações coletivas, como os cortiços, abrigavam uma vasta população em péssimas condições de higiene, tornando-se focos de doenças. A imagem internacional do Rio era a de uma "cidade da morte".

Nesse cenário de desordem e insalubridade, dois personagens se destacam com um ambicioso projeto: o então Presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves, e o prefeito do Distrito Federal, Francisco Pereira Passos. Eles conceberam uma das maiores e mais intensas reformas urbanas já vistas no Rio de Janeiro, com o objetivo de transformar a capital em uma cidade moderna, civilizada e com "cara de Paris".

Contudo, essa "modernização" imposta a toque de caixa, que ficou conhecida como "Bota-Abaixo", não foi bem recebida por todos. Em 1904, o descontentamento popular explodiu na Revolta da Vacina, um levante que transcendeu a questão da imunização obrigatória e se tornou um grito de insatisfação contra o autoritarismo e a exclusão social.

Por que estudar a Revolta da Vacina e as Reformas Urbanas?

  • Entender as raízes da desigualdade social: As reformas e a revolta expõem como a modernização no Brasil muitas vezes ocorreu (e ainda ocorre) às custas da população mais vulnerável.

  • Contexto da Saúde Pública: Compreender as origens das políticas sanitaristas e as tensões entre ciência e cultura popular.

  • Relevância atual: A Revolta da Vacina oferece paralelos surpreendentes com crises sanitárias contemporâneas, como a pandemia de COVID-19, onde questões de raça, classe e cidadania vêm à tona.

2. O Cenário Caótico: O Rio de Janeiro Antes da Reforma (Contexto Fácil)

Para entender a necessidade (do ponto de vista das elites) das reformas, é fundamental visualizar o Rio de Janeiro da virada do século XIX para o XX.

2.1. Uma Capital Doente e Desorganizada

A capital federal, com cerca de 800 mil habitantes em 1904, sofria de um crescimento desordenado que gerava graves problemas de saneamento básico e moradias. As ruas eram estreitas e sinuosas, um traçado típico da época colonial, que, segundo o discurso higienista da época, impedia a "circulação dos ventos purificadores", facilitando a propagação de doenças.

As epidemias eram uma realidade constante e assustadora. A cidade era um foco endêmico de:

  • Varíola

  • Peste Bubônica

  • Febre Amarela

  • Cólera

  • Tuberculose

  • Malária

A situação era tão crítica que o Rio de Janeiro ficou internacionalmente conhecido como a "cidade da Morte" ou "túmulo dos estrangeiros". Muitos passageiros de navios estrangeiros preferiam desembarcar em portos da Argentina ou Uruguai a se arriscar no Rio, temendo as doenças. A imprensa da época alertava para o problema da fama das epidemias que "manchava a imagem da cidade no cenário internacional". Charges da época, como a da revista Don Quixote (1896), retratavam o Rio como um cenário rústico e insalubre, em contraste com as capitais vizinhas.

2.2. O Problema dos Cortiços

Um elemento central na percepção da elite sobre a insalubridade do Rio eram os cortiços e casas de cômodos. Essas habitações coletivas, com péssimas condições sanitárias, refletiam o baixo poder aquisitivo de seus proprietários e a desordem urbana. Eles estavam "apinhados de gente pobre" e, para os higienistas, a aglomeração de pessoas nesses locais, junto com a falta de circulação do ar nas ruelas, era a principal causa da disseminação das epidemias.

A demolição dos cortiços vinha sendo gradualmente restringida desde os anos 1850. Um exemplo notório é o "Cabeça de Porco", retratado por Aluísio Azevedo em seu livro O Cortiço, que na ficção foi destruído por incêndio e na realidade foi demolido em 1893 pelo prefeito Barata Ribeiro por questões sanitárias. A reforma de Pereira Passos levaria essa política ao extremo.

3. Os Arquitetos da "Modernidade": Rodrigues Alves, Pereira Passos e Oswaldo Cruz (Personagens Chave)

A ambição de transformar o Rio de Janeiro exigiu a ação coordenada de figuras proeminentes.

3.1. Francisco de Paula Rodrigues Alves: O Presidente Visionário (e Autoritarista)

Francisco de Paula Rodrigues Alves foi o quinto presidente do Brasil, governando entre 1902 e 1906. Ele fazia parte da política do café com leite, defendendo os interesses dos cafeicultores paulistas. Rodrigues Alves aproveitou os lucros da produção nacional de café para liberar os recursos financeiros necessários às grandiosas obras.

Suas prioridades governamentais eram claras: o saneamento da capital da República e a modernização das instalações do porto do Rio de Janeiro. Ele delegou a tarefa de "modelar a insalubre e desorganizada capital republicana" a um nome de confiança: Francisco Pereira Passos.

3.2. Francisco Pereira Passos: O "Haussmann Tropical"

Francisco Pereira Passos era engenheiro, formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. No final do século XIX, ele teve a oportunidade de morar em Paris, onde acompanhou de perto a reforma urbana parisiense conduzida pelo Barão Georges-Eugène Haussmann. Essa experiência em Paris, com a demolição de bairros populares para dar lugar a grandes bulevares, foi a principal inspiração para as suas futuras ações no Rio de Janeiro. Por isso, historiadores o apelidaram de "Haussmann Tropical".

Nomeado prefeito do Distrito Federal por Rodrigues Alves em 1902, Pereira Passos recebeu plenos poderes. Um dia antes de assumir, um decreto federal foi criado permitindo-lhe comandar livremente, sem a intervenção do Conselho Municipal, que era contrário à reforma urbana. O conselho foi suspenso por seis meses, o que gerou grande polêmica e acusações de autoritarismo por parte do governo. Mesmo assim, o engenheiro centralizou o controle da máquina burocrática e tocou os planos modernizantes a "toque de caixa". Sua reforma ficou conhecida como "Bota-Abaixo" porque "praticamente nada ficou de pé no centro da cidade do Rio de Janeiro durante o período".

3.3. Oswaldo Cruz: O Sanitarista Chefe

Para lidar com a gravíssima questão sanitária, o presidente Rodrigues Alves convocou o médico Oswaldo Cruz, um grande sanitarista que havia se especializado no Instituto Pasteur na França. Em 1903, Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor Geral de Saúde Pública.

Sua missão era instituir rígidos programas de saneamento e vacinação. Ele lançou uma brigada de 1500 homens e inaugurou o modelo campanhista na saúde pública. Suas ações visavam combater três doenças principais:

  • Febre Amarela: Com a formação de brigadas de "mata-mosquitos" que adentravam as casas à força para buscar focos e realizar a higienização.

  • Peste Bubônica: Através de uma campanha de extermínio de ratos, incentivando a população a capturá-los em troca de compensação financeira, o que, ironicamente, levou muitos a criar ratos para renda extra.

  • Varíola: Propondo a vacinação obrigatória em massa da população.

4. A Reforma Urbana de Pereira Passos: O "Bota-Abaixo" em Detalhes (Médio/Complexo)

A reforma de Pereira Passos focou em três áreas principais: estética, sanitária e viária. Foi um plano abrangente que visava transformar o Rio de Janeiro radicalmente.

4.1. Aspectos Estéticos: O Sonho Parisiense

A ideia de estética era "embelezar a arquitetura da cidade seguindo o padrão francês da Belle Époque". A influência parisiense era tamanha que "até nos salões mais modestos se falava francês e inglês, e o cafezinho foi substituído pelo chá das 5 da tarde". O escritor Machado de Assis, com seu olhar crítico, chegou a satirizar essa afrancesamento em uma crônica de 1889.

Para alcançar esse ideal, edifícios foram recuados, e antigas vielas foram pavimentadas e alargadas, imitando os boulevards franceses. Novas construções monumentais foram erguidas, como a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal e a Escola de Belas Artes, que chamavam a atenção por sua beleza.

4.2. Aspectos Sanitários: Combate à Doença e à "Imoralidade"

A questão sanitária era central. Além da aglomeração e da falta de circulação de ar, a insalubridade da cidade era um dos principais alvos. O discurso higienista associava as péssimas condições de saúde não apenas à infraestrutura, mas também aos "maus hábitos" da população pobre.

Nesse contexto, os cortiços eram vistos como um "grande problema urbanístico, estético e de saúde pública". O governo de Pereira Passos só permitia a construção e liberação de quatro classes de habitações coletivas: hotéis, hospedarias e pensões; asilos e conventos; colégios e internatos; e quartéis e postos de guarda. Implicitamente, isso significava a condenação de moradias populares.

4.3. Aspectos Viários: Melhorando a Circulação (de Pessoas e Capital)

Para melhorar a circulação do ar e do tráfego dentro da capital federal, a reforma atacou a questão viária. Isso envolveu a destruição de alguns morros, como o Morro do Senado e parte do Morro do Castelo. A terra retirada dessas demolições foi utilizada para aterrar diversas áreas do Rio de Janeiro, como a região portuária, criando uma nova linha costeira de aproximadamente 179 hectares sobre o mar.

Novas ruas foram criadas, e muitas existentes foram alargadas e pavimentadas, ou tiveram seus traçados alterados para facilitar o deslocamento e o acesso, principalmente ao porto do Rio de Janeiro. O principal exemplo dessa remodelação foi a criação da Avenida Central, hoje conhecida como Avenida Rio Branco. Projetada no estilo dos bulevares franceses, com 10.000 metros de extensão e 33 metros de largura, ela facilitou a comunicação entre o centro comercial e o porto. Unida à Avenida Beira-Mar, ela também facilitava o trânsito de quem morava ou se hospedava nas regiões da Glória, Catete e Botafogo. A Avenida Central é considerada o marco principal do "Bota-Abaixo".

4.4. Reestruturação do Porto: Impulsionando a Economia Cafeeira

A reestruturação do porto do Rio de Janeiro foi crucial para atender à demanda crescente da economia cafeeira brasileira, que estava no auge. O porto modernizado seria capaz de receber produtos e passageiros vindos do estrangeiro, consolidando a importância econômica da capital.

4.5. Consequências Positivas (para a Elite)

Apesar das críticas, a reforma realmente transformou o Rio de Janeiro. Surgiu uma "nova Capital Federal, condizente com a modernidade da época". Engenheiros como Lauro Miller, Paulo de Frontin e Francisco Bical foram responsáveis por cumprir os objetivos do plano de remodelação e saneamento. Toda a extensão da cidade recebeu melhorias, tornando-se um "grande canteiro de obras". Projetos incluíram provisão de água e esgoto, instalação de luz elétrica, canalização de rios, paisagismo, renovação de calçamento e abertura de praças. Bairros como Copacabana e Ipanema, antes redutos de pescadores, sofreram intenso processo de urbanização com a chegada de bondes e luz elétrica, impulsionando a expansão imobiliária.

5. Exclusão Social e Autoritarismo: O Lado Sombrio da "Modernização" (Médio/Complexo)

O discurso de "progresso" e "civilização" escondia uma face autoritária e excludente da República recém-proclamada.

5.1. O Prejuízo da População Humilde e o Gênese das Favelas

A política do "Bota-Abaixo" prejudicou profundamente as pessoas humildes. Os cortiços, que abrigavam quase 25% da população do centro da cidade, foram demolidos em massa. As pessoas despejadas eram removidas "quase que à força", sem nenhuma opção de moradia oferecida pelo Estado e sem nenhum tipo de indenização.

Essa ausência de alternativas forçou os mais necessitados a uma nova realidade: foram "obrigados a construir casebres nos morros próximos ao centro da cidade" para permanecerem perto de seus locais de trabalho. Muitos estudiosos afirmam que essa política de Passos fez com que as favelas já existentes recebessem um grande número de novos moradores, aprofundando ainda mais a desigualdade social. A reforma, ironicamente, acabou "abrindo espaço para o crescimento e consolidação das favelas na cidade".

Um exemplo marcante é o Morro da Providência, que viu sua população aumentar com a chegada de desabrigados dos cortiços, situação retratada até mesmo em obras de ficção.

5.2. A Visão Oposta: Engenheiros vs. Moradores

Havia uma clara dicotomia entre a visão dos "produtores do espaço" (engenheiros, políticos, sanitaristas) e a dos "usuários do espaço urbano" (os moradores).

  • Visão dos Engenheiros: Para engenheiros da época, as reformas eram "essenciais e melhoraram a estrutura da cidade". Eles viam os cortiços como "fonte das mazelas urbanas" e a remoção dos pobres como algo que "ajudou". Moradores eram frequentemente vistos como "empecilhos" para as obras, não como "usuários" do espaço. Seus depoimentos se focavam nas questões técnicas, raramente mencionando pessoas, exceto outros engenheiros de destaque. Para eles, a obra de fins técnicos justificava "qualquer remoção e demolição".

  • Visão dos Moradores: O depoimento de Florinda Alói e Francisco Alói Moreno, ex-moradores do Morro do Castelo, oferece uma perspectiva diferente. Eles descrevem o morro como um lugar de alegria, de comunidade forte (muitos imigrantes e descendentes de italianos e portugueses), onde "não havia nenhum perigo em sair à noite; todos se conheciam e se davam muito bem". Lembram-se das festas, dos blocos de carnaval, do time de futebol, e da facilidade de morar no centro, perto de oportunidades de trabalho e serviços (comércio, mercado municipal).

Apesar dos problemas (como a falta de água encanada e luz em certos pontos), eles minimizavam essas dificuldades e enfatizavam a importância da localização para a sobrevivência. Quando confrontados com a demolição, "não queriam sair de jeito nenhum do morro". A saída foi gradual, mas autoritária, e as soluções de moradia oferecidas (como os barracões na Praça da Bandeira) eram de péssimas condições. O processo causou uma "desarticulação cultural das classes trabalhadoras e a perda de sua identidade social".

5.3. A Cidadania Excludente da Primeira República

A Proclamação da República marcou a entrada do Brasil no capitalismo e em um modelo de sociedade burguesa liberal e industrial. Esse período buscou apagar as "heranças do passado de dependência colonial e imperial", mas o fez de forma autoritária.

  • Discurso Jurídico e Médico: Juntamente com o discurso médico-higienista (que desde o século XIX buscou "redirecionar e definir a sociedade"), a República trouxe o discurso da "ordem a qualquer custo", baseada no positivismo e no liberalismo. Juristas e médicos trabalhavam na elaboração de normas que promovessem a repressão e o controle social.

  • "Trabalhador" vs. "Vagabundo": A sociedade foi enquadrada em novas categorias sociais. O trabalho ganhou enorme valorização e incentivos, sendo central para o sucesso dos objetivos de modernização. Surgiram as figuras do "trabalhador" e "operário" e seus opostos: "vagabundo" e "malandro". A ociosidade era combatida por seus "supostos efeitos malignos".

  • A "Cidade Disciplinar": O Rio de Janeiro se tornou uma "cidade disciplinar", onde o poder buscava controlar o espaço e os corpos. Isso incluía a invasão das habitações populares e a imposição de um modelo de "família nuclear moderna, privativa e higiênica".

  • Definição de "Cidadão Brasileiro": A Constituição de 1891 definiu quem era "cidadão brasileiro" (nascidos no Brasil, filhos de brasileiros no exterior, estrangeiros naturalizados sob certas condições). No entanto, a definição de "cidadãos ativos" (que podiam votar) restringia-se a homens maiores de 21 anos e alfabetizados, o que já excluía grande parte da população. Essa definição era uma ferramenta para direcionar as ações de controle do Estado.

  • Aumento Populacional e Desigualdades: O Rio de Janeiro teve um incessante aumento populacional devido ao influxo de migrantes de outros estados (trabalhadores rurais, ex-escravizados) e imigrantes europeus em busca de oportunidades. Contudo, o crescimento das desigualdades acompanhava esse aumento, com muitos exercendo "profissões de miséria" ou sem ocupação, formando uma classe de "vagabundos" e pedintes.

  • O "Malandro" como Resistência: A figura do "malandro" expressava a resistência popular à ordem capitalista imposta. Visto como "bandido" pelas autoridades, era um "anti-herói" para as classes mais pobres, uma alegoria das insatisfações populares.

5.4. Paralelos com a Contemporaneidade: Lições da História

O artigo "Exclusão social em tempos de epidemia" (Fonte) propõe uma análise da Revolta da Vacina para proporcionar um novo olhar sobre a crise mundial atravessada atualmente pela pandemia de COVID-19.

  • Desigualdades Expostas: A COVID-19, assim como as epidemias da Primeira República, expôs as desigualdades sociais e raciais. Apesar de a doença ter chegado ao Brasil pela classe social mais alta, "é a população de classe mais baixa e de pele mais escura que ocupa o topo das estatísticas de óbitos". O caso da empregada doméstica no Rio de Janeiro, que foi a primeira vítima letal da COVID-19 no estado após ter contato com a patroa recém-chegada da Itália, ilustra a diferença socialmente dada ao valor da vida dos "cidadãos de primeira classe" e dos "cidadãos de segunda categoria".

  • Racismo Estrutural e Necropolítica: Os marcadores de raça e classe definem "quem merece viver e quem deve morrer". O racismo é um componente do projeto colonizador que continua a produzir uma população vulnerável majoritariamente negra. O que se percebe é que a relação do governo e das classes altas para com a população mais pobre e negra no Brasil "continua praticamente a mesma". Essa "política de morte" é definida por Achille Mbembe como necropolítica.

  • O Corpo Negro e Desvalido: Assim como em 1904, onde as classes baixas eram atribuídas às causas das doenças e eram alvo de intervenção "inflexível" do governo, em 2020 "quem mais sofre e morre são as pessoas negras, pobres, com poucos recursos, moradoras de favelas e periferias".

6. A Revolta da Vacina (1904): Causas, Desdobramentos e Protagonistas (Complexo)

A Revolta da Vacina, ocorrida entre 10 e 16 de novembro de 1904, foi um levante popular contra a vacinação obrigatória, mas suas causas eram multifacetadas e profundas.

6.1. O Estopim: A Vacinação Obrigatória

Em junho de 1904, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que tornava a vacinação contra a varíola obrigatória para todas as pessoas. Embora a vacina contra a varíola já existisse no Brasil desde o início do século XIX e a obrigatoriedade para crianças estivesse no Código de Posturas do Rio de Janeiro desde 1832, a medida nunca havia se popularizado.

A nova lei continha cláusulas rigorosas:

  • Multas para os que recusassem a vacina.

  • Exigência de atestado de vacinação para matrículas em escolas, acesso a empregos públicos, casamentos e viagens.

  • Permitia que os serviços sanitários adentrassem residências para vacinar os moradores, mesmo contra a vontade.

A imprensa divulgou que o decreto de regulamentação da lei seria chamado pela população de "Código de Torturas". Essa divulgação foi o estopim para a revolta.

6.2. As Múltiplas Causas da Insatisfação Popular (Ponto Muito Cobrado!)

A Revolta da Vacina não foi apenas uma reação à obrigatoriedade da vacina. Ela foi o culminar de diversas tensões acumuladas:

  • O Autoritarismo Governamental e a Invasão do Lar: As medidas da reforma urbana e sanitária foram impostas de forma violenta e coercitiva. A entrada forçada de brigadas sanitárias nas casas para desinfecção e vacinação era vista como uma invasão da privacidade do lar e um ataque à moralidade familiar. A população via o governo como "despótico", "tirânico".

  • A Exclusão Social das Reformas Urbanas: As desapropriações e demolições de cortiços para a abertura de novas avenidas ("Bota-Abaixo") causaram a remoção forçada de milhares de famílias pobres sem indenização ou alternativa de moradia. A população era "colocada na rua sem nenhum tipo de indenização". Isso gerou a concentração de pobres nos morros, formando favelas, aprofundando a desigualdade social.

  • Desinformação e Desconhecimento Científico: Havia um amplo desconhecimento e desinformação sobre a vacina e sua eficácia. A vacina foi associada a "envenenamento forçado".

  • Interesses Políticos da Oposição: A lei da vacinação foi amplamente utilizada como pretexto pela oposição política para se rebelar contra o presidente Rodrigues Alves. O Partido Republicano Federal (PRF), liderado pelo senador e militar Lauro Sodré, reunia oposições de diversos estados e era contra a política dos governadores. Deputados como Barbosa Lima e Alfredo Varela (dono do jornal O Comércio do Brasil, que publicava a coluna "Direito à Resistência") também se opunham, alegando inconstitucionalidade e violação dos princípios de liberdade e propriedade privada.

  • A Oposição Positivista: A Igreja e Apostolado Positivista do Brasil (IAPB) era uma "ferrenha oposição" à obrigatoriedade da vacina e a qualquer intervencionismo estatal nas práticas de cura. Eles defendiam as liberdades individuais e utilizavam um vocabulário forte, referindo-se às medidas sanitárias como "despotismo sanitário", "tirania", "escravidão sanitária" e "higiene oficial". Contraditoriamente, embora contrários às remoções, os positivistas viam a cultura negra e a religiosidade afro-brasileira como "influências negativas e corruptíveis da sociedade" e buscavam um controle e disciplina dos corpos dos trabalhadores.

  • Crenças Populares e Religiões Afro-Brasileiras: Uma motivação crucial, especialmente para a população pobre e operária (maioria negros e ex-escravizados), era a resistência baseada em suas crenças e religiosidade afro-brasileira. Essas comunidades negavam aos médicos o "monopólio da cura" e buscavam tratamentos alternativos nos terreiros. Havia a crença de que doenças como a varíola tinham um fundo sobrenatural e que o mal deveria seguir seu curso natural, sob o poder de entidades como Obaluaiê (orixá das pestes e epidemias). A prática da variolização (inoculação do vírus da varíola de forma controlada) já existia em regiões da África e era vista com um forte "conteúdo ritual".

6.3. O Levante Popular: O "Quebra-Lampiões"

Entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904, o Rio de Janeiro foi palco de intensos protestos e confrontos.

  • Manifestações e Destruição: Os protestos se concentraram no centro e na região portuária. Houve destruição de mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e muitos lampiões da iluminação pública, o que deu à revolta o apelido de "Quebra-Lampiões". Ruas foram depredadas, e manifestantes e polícia trocaram tiros e atiraram paralelepípedos.

  • Barricadas e Lideranças: As manifestações se espalharam para diversos bairros, como Botafogo, Laranjeiras, Praça 11, Tijuca, Gamboa, Rio Comprido e até Copacabana. No bairro da Saúde, grandes barricadas foram montadas, apelidadas de "Porto Artur". Horácio José da Silva, conhecido como Prata Preta, destacou-se como uma das maiores lideranças da revolta popular.

  • A Retórica da Imprensa: Jornais como o Correio da Manhã aclamavam o motim popular como uma "resistência do povo aos desmandos do governo", caracterizando o governo como "covarde e antipatriótico". Em contraste, o jornal O Paiz (pró-governo) caracterizava a revolta como "artificial", "fomentada por Lauro Sodré", e os insurgentes como "arruaceiros que queriam a desordem e desmoralização do país". Essas diferentes descrições refletem uma disputa retórica pelos termos, usando a técnica da paradiástole para redefinir moralmente os eventos.

6.4. A Revolta Militar: Tentativa de Golpe

Paralelamente ao levante popular, um movimento militar com o objetivo de derrubar o governo foi articulado por Lauro Sodré e outros oficiais descontentes.

  • Articulação e Plano: O levante começou a ser articulado antes mesmo da promulgação da lei da vacina, com previsão de eclodir em 15 de novembro, aniversário da Proclamação da República.

  • Confronto: No dia 14 de novembro, houve uma reunião no Clube Militar com lideranças políticas e militares da oposição. O general Silvestre Travassos, encarregado de sublevar a Escola Militar do Realengo, liderou a marcha dos alunos em direção ao Palácio do Catete (sede do governo). O confronto ocorreu na rua da Passagem, em Botafogo, resultando em um tiroteio confuso com mortos e feridos, incluindo o general Travassos e Lauro Sodré.

  • Repressão: O presidente Rodrigues Alves mobilizou o exército e a marinha, que bombardearam a Escola Militar. A escola foi ocupada e os alunos foram presos, expulsos e deportados para o Sul do país.

6.5. Consequências da Revolta

  • Fim da Revolta: Diante do caos, o governo reagiu com força. Em 16 de novembro, foi decretado o estado de sítio. A obrigatoriedade da vacinação foi revogada. Com isso, o movimento popular começou a se desarticular.

  • Saldo Humano: O saldo oficial da Revolta da Vacina foi de aproximadamente 31 mortos, 110 feridos e 461 pessoas degredadas para o Acre ou deportadas para o Norte do país, muitas sem processos formais.

  • Erradicação da Varíola (a longo prazo): Apesar de a obrigatoriedade ter sido revogada, a campanha de vacinação conseguiu erradicar a varíola do Rio de Janeiro. Houve um rápido declínio da mortalidade por varíola, que caiu a quase zero em 1906, embora surtos tenham ocorrido em anos posteriores.

6.6. O Protagonismo Silenciado (Foco em Exceções/Muito Cobrado)

É crucial notar que muitos relatos historiográficos sobre a Revolta da Vacina frequentemente suprimiram ou minimizaram a atuação da população mais pobre e negra, assim como de mulheres e dos "malandros". Essa ausência pode ser analisada pela ótica do racismo, colonialismo, classismo e machismo, que historicamente definem quem tem direito à cidadania e, consequentemente, à história. O discurso hegemônico apagou as "experiências, vivências e expressões que não se enquadram ou se ajustam aos modelos dados".

7. Legado e Reflexões: Da "Cidade da Morte" à Cultura da Imunização e Desigualdade Contínua (Complexo)

A Revolta da Vacina é um evento que nos permite analisar as complexidades da construção do Estado brasileiro e suas políticas de saúde e urbanismo.

7.1. A Construção da "Cultura da Imunização" no Brasil

Um dos maiores paradoxos pós-Revolta da Vacina é a emergência e o estabelecimento de uma "cultura da imunização" no Brasil contemporâneo. Embora tenha havido resistência inicial em 1904, nas décadas seguintes, a vacinação foi sendo gradualmente incorporada ao cotidiano. É notável a "raridade de registros de revoltas ou resistências organizadas nas décadas posteriores".

  • De Barreiras a Filas: Sessenta anos depois da Revolta, a população, em vez de fazer barricadas, "saiu de suas casas como formou filas e aglomerou-se em praças públicas para ser vacinada". Isso foi particularmente evidente na Campanha de Erradicação da Varíola (1966-1973), que vacinou e revacinou mais de 80 milhões de pessoas no Brasil. Esse fenômeno é descrito como um "civismo imunológico".

  • Fatores para a Adesão:

    • Sucesso das Campanhas: A erradicação da varíola (certificada em 1973) e o sucesso no controle de outras doenças (como a poliomielite) reforçaram a credibilidade da imunização.

    • Mobilização Ativa: As campanhas de vacinação em massa mobilizaram ativamente a população através de grandes encontros em lugares públicos, envolvendo líderes locais, festas populares, romarias, e a presença da imprensa. Autoridades e personalidades públicas vacinando-se em público também serviam de exemplo.

    • Inovações Técnicas e Organizacionais: O uso de tecnologias como o jet-injector (Ped-o-Jet) nas áreas urbanas e agulhas bifurcadas em áreas rurais, juntamente com a mobilidade das equipes, permitiu vacinar um grande número de pessoas eficientemente. A estruturação da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) em 1966, que se utilizou de recursos e estruturas existentes (órgãos do Ministério da Saúde, serviços estaduais e municipais), foi fundamental.

    • Produção Nacional de Vacinas: Acordos com a OPAS/OMS permitiram a transferência de tecnologia, modernização e aumento da produção de vacinas no Brasil, com laboratórios nacionais produzindo milhões de doses.

    • Institucionalização da Saúde Pública: A partir da experiência da varíola, estruturaram-se as bases do Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1975, e o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Atualmente, a cesta de vacinas gratuitas oferecidas pelo SUS é maior do que a recomendada por organizações internacionais e por muitos países desenvolvidos.

    • Imunização como Direito: A redemocratização do país (pós-1985) consagrou a imunização como um direito a ser garantido pelo Estado, embora essa cultura já estivesse em formação antes.

  • Ausência de Movimentos Antivacina Fortes: Diferentemente de países anglo-saxões, o Brasil não possui fortes movimentos antivacinistas organizados. Embora existam posições individuais de desconfiança, elas "não se transformaram em movimentos sociais, científicos ou profissionais contra a imunização no Brasil".

7.2. O Legado da Desigualdade Social

Apesar da notável evolução na saúde pública e na aceitação da imunização, as reformas de Pereira Passos e a Revolta da Vacina revelam que o processo de construção do Estado brasileiro foi (e ainda é) fortemente excludente e hierarquizador.

  • Intervenção no Espaço e nos Hábitos: A modernização não se limitou a obras físicas; buscou-se também mudar hábitos e o cotidiano dos populares através de decretos que proibiam práticas consideradas "insalubres e de péssima reputação".

  • Disputa pelo Espaço Urbano: Mesmo com a remoção autoritária, a população pobre do Rio de Janeiro demonstrou uma grande resistência ao não abandonar o centro da cidade. Muitos se deslocaram para morros próximos (como o Morro do Pinto, Santo Antônio, Santa Teresa), ocupando áreas ainda não controladas pela legislação municipal. Essa foi a "grande resistência popular à reforma urbana: não deixar de morar no centro da cidade".

  • Concentração Populacional nas Periferias: As reformas agravaram o problema habitacional no centro, tornando moradias escassas e aluguéis caros. A população se redistribuiu, mas a tendência foi o crescimento e consolidação das favelas, que se tornaram um fenômeno reconhecido oficialmente apenas na década de 1940.

  • Racismo Estrutural Persistente: O racismo, parte integrante do projeto colonizador e das estruturas de poder, continua a ser uma tecnologia hegemônica. As condições sanitárias da população negra, que ainda habita majoritariamente ambientes semelhantes aos de 1904, são um reflexo direto dessa persistência.

A Revolta da Vacina e as reformas urbanas de Pereira Passos são, portanto, um espelho das profundas contradições do Brasil. Elas revelam um projeto de modernização que, embora trouxesse avanços em infraestrutura e saúde, foi marcado por um autoritarismo que sacrificou as populações mais vulneráveis, aprofundando desigualdades sociais e raciais que reverberam até os dias de hoje.

Questões:

  1. Qual foi o evento que desencadeou a Revolta da Vacina durante a República Velha?

A) A instauração da política dos governadores.

B) A vacinação obrigatória contra a varíola.

C) A centralização do poder nas mãos dos estados.

D) A criação de novos bairros e praças no Rio de Janeiro.

  1. Quem liderou a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro em 1904?

A) Os coronéis locais.

B) A classe média e a intelectualidade.

C) O governo federal.

D) Os líderes políticos regionais.

  1. Qual foi o objetivo principal das reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro durante a República Velha?

A) Modernizar a cidade e torná-la mais "civilizada".

B) Manter a tradição e preservar os bairros antigos.

C) Descentralizar o poder político.

D) Reduzir a população urbana e promover o êxodo rural.

Gabarito:

  1. B) A vacinação obrigatória contra a varíola.

  2. B) A classe média e a intelectualidade.

  3. A) Modernizar a cidade e torná-la mais "civilizada".