A Rosa do Povo é um livro de poesias escrito por Carlos Drummond de Andrade. A obra foi publicada entre 1943 e 1945, contendo um total de 55 poemas. É considerada um ponto de referência para o amadurecimento do poeta e se enquadra na escola literária do Modernismo, mais especificamente na segunda fase, devido à sua temática e forma de escrita.
O livro é de extrema importância por seu caráter social e político, diretamente ligado ao contexto histórico em que Drummond estava inserido.
O título A Rosa do Povo carrega uma profunda simbologia: a rosa é o símbolo da poesia ou da expressão artística. O título, portanto, levanta a questão de se a poesia pertenceria ao povo, ou seja, ao coletivo.
O livro reflete sobre o papel da poesia na vida do povo, mesmo que, paradoxalmente, apresente poemas refinados e complexos, acessíveis primariamente a leitores acostumados com um estilo poético sofisticado.
A obra foi escrita em um período de extrema violência, genocídio e holocausto. A consciência temporal do autor aflorou concomitantemente aos eventos devastadores.
O período de composição (1943–1945) coincidiu com os horrores da Segunda Guerra Mundial, o totalitarismo, as ameaças de dominação e a matança desenfreada. O exército nazista estava em recuo, prenunciando a derrota da Alemanha.
O cenário da barbárie levou Drummond a se questionar sobre como a arte e a escrita poderiam intervir ou servir em meio a tanto sofrimento. A guerra, o fascismo e o nazismo são temas centrais que impuseram ao poeta a necessidade de posicionamento.
O autor dialoga com esses eventos em poemas de cunho épico/social, como "Carta a Stalingrado" e "Telegrama de Moscou". Os telegramas de Moscou, nesse contexto, eram vistos como a nova epopeia (repetindo Homero), cantando um mundo novo que era ignorado na escuridão.
No Brasil, Drummond presenciou o Estado Novo (1937–1945), sob a ditadura de Getúlio Vargas. Havia um forte desejo popular pelo retorno do regime democrático e o direito ao voto.
O poeta, que se mudou para a capital e estava inserido na máquina pública (como auxiliar do Ministro Capanema), vivenciou a ditadura e a censura.
Este contexto levou Drummond a expressar uma visão pessimista do social e do político, embora mantivesse o pensamento no engajamento popular. O autor demonstrava frustração com as coisas ruins que via no Brasil e no mundo, questionando o papel da arte.
A Rosa do Povo pertence ao Modernismo brasileiro. Os escritores que amadureceram após 1930, como Drummond, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, utilizaram o Modernismo como uma porta aberta, mas seguiram um caminho diferente da primeira fase.
A poética de Drummond se transforma: a paisagem mineira, presente em obras anteriores, cede espaço a novas temáticas urbanas. A cidade torna-se um espaço condensado que acelera a atividade humana, levando o personagem à angústia da fragmentação.
O estilo de escrita de Drummond nessa obra apresenta várias características importantes:
Figuras de Linguagem: Os poemas são repletos de metáforas, elipses e outras figuras de linguagem, além de traços do surrealismo.
Verso Livre e Verso Branco: O autor utiliza métrica irregular (verso livre) e verso branco (sem rimas).
Extensão dos Versos: Os versos são mais longos em comparação com seus livros anteriores, que usavam versos curtos.
Estilos Misturados (Paradoxo do Acesso): Drummond emprega dois estilos:
Estilo Sublime: Composto por uma linguagem culta e pouco acessível.
Estilo Mesclado: Traz tanto a linguagem culta quanto a coloquial. Esta mistura gera um paradoxo na obra: ela reflete sobre a poesia na vida do povo, mas utiliza poemas refinados e complexos, acessíveis apenas a quem já está acostumado com um estilo poético difícil.
Tom Sombrio: Há o desaparecimento do humor (muito presente nos livros anteriores), substituído por um tom muito sério.
Em A Rosa do Povo, encontramos oito temáticas principais, com destaque para as três primeiras, que formam a essência do livro. O poeta lida com a tensão entre o engajamento popular (participação política) e uma visão pessimista (desencantada).
A poesia social de Drummond não é meramente panfletária, mas profundamente comprometida com a ideia de política. A obra reflete o compromisso do artefato cultural com o poder, evidenciando as categorias de poder hegemônico.
O sujeito lírico expressa uma autocrítica sobre sua posição social, sentindo-se "preso à minha classe e a algumas roupas". Essa consciência social o faz sentir-se responsável pelo mundo mal feito, por estar ligado a uma classe opressora.
O engajamento e a atitude de resistência eram desafios cruciais para os artistas do período da II Guerra Mundial. O poeta busca o compromisso público e político de suas palavras, sem renunciar à sua subjetividade problemática.
A busca pela participação política não pode ofuscar a subjetividade do "homem pequenino na América", nem a instância decisiva da linguagem. A poesia social de Drummond é um documento crítico de um país e de uma época.
A reflexão sobre o fazer poético — para que serve a poesia e qual seu efeito — é central. O livro se inicia com poemas que avaliam o alcance da palavra poética, como "Consideração do poema" e "Procura da poesia".
O poeta atinge a consciência mais profunda da "crise da poesia". O conflito se manifesta na tensão angustiada entre ser fiel à poesia e a necessidade de torná-la instrumento de luta e participação nos acontecimentos.
Em A Rosa do Povo, a metalinguagem se manifesta como uma desconfiança de que, na condição social contemporânea, a única efetividade que a poesia pode ter é se expor materialmente por uma analítica do sofrimento e do medo.
A obra lida com o entrelaçamento dos temas do indivíduo e do tempo histórico. O sujeito lírico lida com a autoconsciência crítica.
Há uma visão pessimista e desencantada, marcada pelo mal-estar existencial (a náusea de que fala Sartre) frente ao sem sentido da existência individual e coletiva. Imagens de limitação, medo, indecisão, ruína e morte marcam a incompletude e a fragmentação do sujeito diante de um mundo ameaçador.
O eu-lírico busca uma conexão entre o físico e o metafísico. O desejo de autoaniquilamento do indivíduo burguês se conecta à crítica do presente e à expectativa de um futuro redimido. A obra, no entanto, já prenuncia os limites dessa expectativa futura e a frustração histórica que viria.
O passado.
O amor.
O cotidiano (utilizado para mostrar a realidade e os problemas sociais).
A celebração de amigos (ex: "Mário de Andrade desce aos infernos" e "Canto ao homem do povo Charlie Chaplin").
Paródia.
A dualidade entre destruição e esperança está presente em toda a obra. Vamos analisar poemas centrais que expressam essa tensão e que são frequentemente objeto de análise em exames.
Este poema é fundamental para entender a dualidade central da obra:
O título já apresenta dois elementos contraditórios: flor (beleza, vida, natureza, poesia) e náusea (enjoo, desconforto, mal-estar).
A Náusea/Enjoo (possível referência a Sartre) é o mal-estar psíquico e físico do poeta frente ao vazio existencial e ao capitalismo. O eu-lírico sente-se preso à sua classe e roupas, andando "de branco pela rua cinzenta", o que expressa seu condicionamento social. O alinhamento de "melancolias, mercadorias" mostra o desconforto com a mercantilização e o mundo capitalista.
O eu-lírico questiona sua impotência: "Posso, sem armas, revoltar-me?". Ele registra a lentidão da justiça: "Não, o tempo não chegou de completa justiça. / O tempo é ainda de fezes, maus poemas, / alucinações e espera".
A culpa se mistura ao repúdio: "Crimes da terra, como perdoá-los? / Tomei parte em muitos, outros escondi". Essa culpa advém da consciência de pertencer a uma classe que não sofre o mesmo horror.
O surgimento da flor marca um segundo movimento no poema, opondo-se à náusea. "Uma flor nasceu na rua!". A flor, embora "feia" e "desbotada", que "rompe o asfalto", simboliza a esperança, resistência e transformação que emerge do caos e da destruição. Ela é um "alento para o mal-estar" do sujeito.
A flor é um símbolo precário, pois sua cor não se percebe e seu nome não está nos livros, mas ela é real e furou "o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio". O ideal de redenção surge como uma força, e a flor rompe as camadas que aprisionam, metaforizando a revolução.
Este poema é um exemplo clássico da crítica social e da alegoria.
O poema expõe a desigualdade social e a violência. A falta de recursos ("Há pouco leite no país / é preciso entregá-lo cedo. / Há muita sede no país") evidencia a carência da população.
A "legenda" de que "ladrão se mata com tiro" demonstra a mentalidade conservadora e violenta da época, focada na necessidade de "salvar a propriedade".
O leiteiro, um jovem vindo do "último subúrbio", não é nomeado por substantivo próprio, mas sim por sua função na divisão do trabalho. Ele é descrito pelos objetos de seu ofício ("Sua lata, suas garrafas"). Sua vida é reificada, ou seja, ele é visto apenas como "apenas mercadoria".
A distinção entre o proletariado (o leiteiro) e a classe dominante (o senhor que dorme) mostra os efeitos da produção capitalista.
O leiteiro realiza um ato de justiça social e resistência, ao desviar seu caminho para entregar leite (valor de uso, não apenas mercadoria) a quem precisa ("a porta dos fundos/ também escondesse gente"). Este ato de clandestinidade é visto como "movimento de base revolucionária".
A tragédia ocorre quando o senhor, em pânico pela crença de que "ladrões infestam o bairro", mata o leiteiro. A frase "Está salva a propriedade" retoma o ritmo das "legendas asseguradoras da ordem da mercadoria e da reificação".
O sangue do leiteiro morto se mistura ao leite derramado, formando um "terceiro tom / a que chamamos aurora". Esse encontro entre vida (leite) e morte (sangue) sugere um novo amanhecer. A aurora simboliza uma esperança de transformação e de um futuro redimido.
Este poema se volta para a utopia e a expectativa de um futuro emancipado.
O sujeito poético, sentindo-se inábil diante dos horrores da guerra ("Guardei-me para a epopeia / que jamais escreverei"), convoca outros poetas e cantores ("Poetas de Minas Gerais / e bardos do Alto do Araguaia") a darem continuidade ao seu canto.
O poema é uma crítica indireta ao país daquele momento. Ele descreve um mundo futuro e idealizado, por meio de expressões utópicas:
"Um mundo enfim ordenado".
"uma pátria sem fronteiras, / sem leis e regulamentos, / uma terra sem bandeiras, / sem igrejas nem quartéis".
"um país de riso e glória / como nunca houve nenhum".
O presente é visto como destruído, e o futuro torna-se necessário para solucionar os problemas existentes. É um apelo à luta, pois a construção dessa nova realidade pode demorar ("virá / um dia, dentro em mil anos, / talvez mais… não tenho pressa"). O futuro aspirado é uma projeção coletiva, não apenas individual.
A meditação constante e angustiada sobre a poesia é uma das principais inquietações do poeta. A obra é vista como um esforço para "equilibrar e fundir artisticamente duas tendências": a consciência política do homem e a arte do poeta.
O poema "Procura da poesia" (citado no excerto) é um receituário do poeta maduro, uma peça crucial da metalinguagem que estabelece a natureza verbal da poesia.
A poesia, para Drummond, não deve ser feita "sobre acontecimentos" (o que seria mero registro). Ela não se confunde com "a vida", que é "um sol estático, / não aquece nem ilumina".
A metalinguagem aqui não é um fim em si, mas uma consciência crítica. A poesia exige que o poeta "Penetra surdamente no reino das palavras". Lá, os poemas estão "sós e mudos, em estado de dicionário".
Isto indica que a poesia, apesar de suas intenções sociais, não pode dispensar o que é próprio da linguagem. O ato de fazer poesia é um trabalho de lapidação e consciência (o movimento "heféstico" ou de forja).
O poeta deve conviver com seus poemas e esperar que eles se realizem com seu "poder de palavra e seu poder de silêncio". O poeta brasileiro concretizou a superação da objetificação da poesia para fazê-la partícipe da cena mundial, mantendo seu caráter reflexivo e crítico.
No poema "O elefante" (não integralmente no excerto), Drummond utiliza o elefante como uma metáfora para a própria atividade poética e a poesia.
O elefante (o poema) é fabricado com "poucos recursos" (madeira, algodão). Ele é "imponente e frágil" e tenta sair "à procura de amigos / num mundo enfastiado que já não crê nos bichos / e duvida das coisas".
O elefante falha em sua busca, voltando "fatigado" e "destruído". Ele não encontrou "o de que carecia, o de que carecemos eu e meu elefante em que amo disfarçar-me".
A poesia, portanto, é o elefante: um bicho desproporcional, feito de carícia e perdão, que é lançado ao mundo, mas não é reconhecido ou lido, refletindo a crise da poesia e a falta de leitores.
A relação de A Rosa do Povo com a História é um problema central na fortuna crítica.
Tendência Crítica Antiga (1945 até 1980): A crítica tendia a empregar o termo 'história' de forma generalizante, sem análise detida da questão nos poemas, em parte devido às condições desfavoráveis de censura e repressão do Estado Novo e da Ditadura Militar. O foco era em poemas que tratavam de temas "explícitos e permitidos" na esfera pública, como a Segunda Guerra Mundial ("Telegrama de Moscou", "Carta a Stalingrado"). Isso resultou na divisão recorrente da obra em fases (irônica, social, metafísica).
Novas Perspectivas (A partir dos Anos 90): Surgem trabalhos que se debruçam sobre os poemas de maneira mais específica. As novas abordagens buscam categorias como a melancolia, o choque, a fragmentação e o autoritarismo.
A melancolia é vista como uma matriz decorrente da tarefa atribuída ao intelectual de dar uma "alma ao Brasil" (construir uma imagem pedagógica e totalizante) sob o Estado Novo.
Drummond, em meio à censura oficial, utilizou estratégias discursivas inconstantes e híbridas para lidar com os problemas históricos.
Exposição Explícita: Poetização de temas de seu tempo permitidos em praça pública, como a Guerra Mundial, usando uma linguagem mais "prosaica" ("Carta a Stalingrado").
Alegoria (A Estratégia da Burla): Lidar com temas não públicos, voltando-se para questões escondidas dos discursos oficiais, como o autoritarismo nas relações familiares ("Caso do Vestido") ou entre classes ("Morte do Leiteiro"). A alegoria servia para escapar à censura dos leitores conservadores dos anos 40.
O poeta mineiro procurou escapar tanto da direita autoritária quanto do pensamento maniqueísta da esquerda (o dualismo entre poeta alienado e poeta revolucionário). Sua obra demonstra que a arte possui função social, histórica, subjetiva e política, sem ser panfletária.
Milliet, já no ano do lançamento (1945), observou que a poesia, agora madura e nobre, perdeu aquela graça leve da primeira fase para adquirir uma beleza mais serena.
O humor e o sarcasmo antigos caíram como uma "fantasia usada", expondo a tristeza de uma solidão irremediável. Essa ausência de humor é uma característica importante que distingue A Rosa do Povo de obras anteriores como Alguma Poesia.
Para consolidar o aprendizado e responder às dúvidas mais óbvias, apresentamos um resumo das questões cruciais sobre A Rosa do Povo.
P: Qual é o principal dilema de Carlos Drummond de Andrade em A Rosa do Povo? R: O poeta vive um conflito angustiante entre a fidelidade à poesia (a metalinguagem e a reflexão sobre a arte) e a necessidade de engajamento e participação política diante dos horrores da Segunda Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo. Ele precisa encontrar uma forma de expressar a luta social sem cair no panfletarismo.
P: O que a "rosa" e a "náusea" simbolizam no livro? R: A Rosa simboliza a Poesia ou a Esperança que brota mesmo em meio ao caos. A Náusea representa o mal-estar existencial (angústia, desencanto) e a repulsa do eu-lírico diante da sociedade capitalista e fragmentada de seu tempo.
P: Por que o estilo de Drummond em A Rosa do Povo é considerado paradoxal? R: A obra é paradoxal porque, embora trate do papel da poesia na vida do povo e defenda o engajamento social, a linguagem utilizada é frequentemente refinada e complexa (estilo sublime). Essa linguagem dificultava o acesso do povo, o público a que a poesia se destinava.
P: Que características formais modernistas são notáveis na obra? R: O uso do verso livre e do verso branco (sem rimas), o uso de imagens prosaicas ("fezes, enjoo"), a mistura de gêneros (elementos narrativos no texto lírico), e a tensão entre a linguagem culta e a coloquial (estilo mesclado).
P: Como A Rosa do Povo se relaciona com o conceito de "História"? (Concursos) R: A História é a matéria-prima do livro. Drummond utiliza os eventos históricos traumáticos (Guerra, ditadura) para realizar uma crítica social profunda. Sua poesia é um documento crítico que evidencia o compromisso do poeta com o tempo presente. O debate crítico recente também foca em como o autoritarismo do período influenciou as estratégias formais e a percepção da fragmentação.
A Rosa do Povo é o ápice da produção de Carlos Drummond de Andrade, sendo um dos mais densos exemplos de poesia engajada, mas antipanfletária, e consciente de sua autonomia.
O livro é um testemunho de um tempo de contradições e desespero, onde o poeta se sente emparedado e responsável pelo mundo em desordem. Contudo, a obra não se rende ao pessimismo total. A crítica e a análise social presentes na obra dialogam intensamente com os temas da destruição e esperança.
A esperança emerge da resistência. Seja pela flor que "rompe o asfalto", seja pela "aurora" que nasce do sangue e do leite do leiteiro, ou pela visão de um "mundo emancipado" projetado em "Cidade Prevista", Drummond anuncia que, por meio da resistência e da persistência no fazer poético, há sempre a possibilidade de um futuro melhor, mesmo que ele demore a chegar. A poesia é, para ele, a saída possível para interpretar e continuar a viver.