A obra "Sentimento do Mundo" de Carlos Drummond de Andrade é um pilar incontornável da Literatura Brasileira e um tema prioritário em vestibulares e concursos públicos em 2025. Publicado em 1940, este livro de poemas marca a consolidação da Segunda Fase do Modernismo no Brasil, caracterizando-se pela profunda poesia social e a consciência histórica do poeta.
Para dominar a análise de "Sentimento do Mundo" e garantir sucesso nas provas, é fundamental compreender a transição do lirismo intimista de Drummond para uma visão engajada, marcada pela tensão histórica da Segunda Guerra Mundial e o Estado Novo varguista.
Este nível estabelece os fatos essenciais para a contextualização imediata da obra.
Autor: Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
Publicação Original: 1940.
Gênero: Poesia (terceiro livro do autor).
Período Literário: Segunda Geração Modernista Brasileira (Fase de Consolidação).
Antecedentes: Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934).
Total de Poemas (1ª Edição): 27 poemas. A edição mais comum hoje contém 28 ou 29 poemas.
Drummond é classificado como escritor da segunda fase ou segunda geração do Modernismo brasileiro. Enquanto a primeira fase (Fase Heroica, 1922-1930) focava na ruptura e no protesto cultural, a segunda fase (Fase de Consolidação, a partir de 1930) amadurece os ideais de 22, voltando-se para uma temática nacionalista e, especialmente, social e política.
Sentimento do Mundo é o marco desta transição na poética drummondiana, representando uma inflexão na obra do autor.
O livro foi escrito no período de 1935 a 1940, um momento de extrema tensão geopolítica e social:
Cenário Mundial: Recuperação da Primeira Guerra Mundial e iminência/início da Segunda Guerra Mundial. Ascensão do Nazi-fascismo na Europa. Essa crise mundial intensifica a sensação de medo e desespero.
Cenário Nacional: Imposição do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937). O Brasil vivia um contexto de censura e regimes autoritários.
Crescimento Social: Paralelamente, houve o crescimento das indústrias e a ampliação do proletariado no país.
Este nível explora os conceitos temáticos e a mudança na postura do eu-lírico.
Drummond é visto como um profundo sensitivo da realidade e um "espectador do mundo à sua volta". Contudo, em Sentimento do Mundo, ele deixa de ser um mero espectador e se lança ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, solidarizando-se social e politicamente.
Apesar de se considerar individualista, Drummond é referência de uma "poesia socializante, comprometida", que busca um humanismo fecundante em meio ao desconcerto capitalista. O livro apresenta a luta e a contestação, pela palavra, das atrocidades que o mundo aceitava.
Os poemas de Sentimento do Mundo são regidos por dois temas básicos: Dor e Esperança. A Dor é o próprio "Sentimento do Mundo", um sofrimento coletivo que se concentra no poeta.
A Dor está ligada ao presente, ao medo e à aceitação da imperfeição como normalidade. O poeta se sente responsável pelos outros, sofrendo por eles: "Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo".
A Esperança, no entanto, nunca está no presente, mas sempre no futuro. Ela surge através do "nós", da união e da solidariedade, personificada em imagens cotidianas como o sorriso do operário ou a aurora. O otimismo, contudo, é sombrio e pessimista.
A poética de Drummond se estrutura em torno da relação do Eu com o Mundo, frequentemente identificada em três momentos:
Fase na Poética (Sant'Anna) | Livro Correspondente | Sentimento em Sentimento do Mundo |
Eu maior que o Mundo | Brejo das Almas | Tonalidade intimista, sarcasmo. |
Eu menor que o Mundo | Sentimento do Mundo | O poeta se diminui, reconhece-se incapaz de abraçar o mundo, tem apenas "duas mãos". Busca a integração e a solidariedade. |
Eu igual ao Mundo | Fase posterior (Maturidade) | Ocorre o equilíbrio e a interpenetração dialética entre sujeito e objeto. |
Em Sentimento do Mundo, o eu-lírico reconhece seu pertencimento ao todo e, ao invés de buscar a solidão, busca a coesão, afirmando que "o presente é tão grande, não nos afastemos".
A cidade natal do poeta, Itabira (MG), é um tema recorrente e fundamental. Ela é atribuída a responsabilidade pela formação do caráter de Drummond. A Itabira aparece como uma herança que molda a personalidade do poeta, associada ao minério de ferro:
"Principalmente nasci em Itabira. / Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro."
Esta mineiridade é marcada pelo isolamento geográfico e social, e o poeta lamenta que Itabira tenha se transformado em "uma fotografia na parede. / Mas como dói!". A decadência do passado ruralista ("Tive ouro, tive gado, tive fazendas") contrasta com a realidade do Drummond adulto ("Hoje sou funcionário público").
Esta seção foca nos poemas mais emblemáticos e nos recursos estilísticos de alta complexidade.
O poema que dá título ao livro sintetiza a visão pessimista e a nova postura do poeta.
Limitação do Eu-Lírico: O poeta expressa sua impotência e limitação diante da vastidão e da dor coletiva: "Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo".
A Presença da Dor Coletiva: O eu-lírico, embora limitado, carrega o peso das injustiças: "mas estou cheio de escravos / minhas lembranças escorrem".
Poesia como Arma: O poema pode ser interpretado como uma reflexão sobre o próprio fazer literário (metalinguagem), onde os poemas ("escravos") surgem como armas para trazer "fogo e alimento".
Considerado um dos poemas mais emblemáticos, "Mãos Dadas" é o manifesto desta fase social, definindo o novo eixo poético de Drummond.
O Eixo Central: O compromisso com o tempo presente e com o outro (solidariedade).
Negação do Futurismo/Passadismo: O poeta nega ser o "poeta de um mundo caduco" (passado alienado) e também não cantará o "mundo futuro". Sua matéria é a realidade presente: "O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente".
O Gesto Fraterno: O convite "Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas" é um chamado à união, mostrando que somente unidos os homens conseguiriam modificar o mundo. Este é um gesto afetivo que simboliza a libertação do egocentrismo.
Este poema em prosa é fundamental para entender a poesia engajada de Drummond e a crítica à idealização.
Personagem Central: O operário é uma figura idealizada pelo movimento socialista e aparece como um Cristo ("Agora está caminhando no mar"), rompendo a barreira do real com imagens surrealistas.
Crítica à Literatura Militante: Drummond desmascara o discurso panfletário que reduzia o operário a clichês ("blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas"). O operário, no poema, é um "homem comum" que carrega "desígnios e segredos".
Distanciamento de Classe: O poeta assume o distanciamento irremeável de classe: "Eu em terra firme, ele no meio do mar". O sorriso úmido do operário é o único e precário agente de ligação.
Esperança Mínima: O sorriso do operário atravessa as massas líquidas e traz ao poeta uma esperança de compreensão.
Uma elegia é uma poesia triste e melancólica. Este poema, com forte cunho individualista e cético, é crucial para concursos que cobram a crítica ao capitalismo.
Crítica ao Mundo Caduco: O poema se dirige ao "tu" (o próprio eu-lírico desdobrado ou o homem moderno) que "Trabalhas sem alegria para um mundo caduco".
A Inação e o Capital: O clímax pessimista e de autoanálise se encontra no final, onde a impotência diante da realidade injusta é aceita: "Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição / porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan". Manhattan simboliza o centro do capitalismo injusto.
O Maquinário Moderno: A realidade é dominada pela Grande Máquina (ou maquinário moderno), que oprime e esmaga o indivíduo, forçando-o a praticar "gestos universais" (necessidades básicas como fome, frio, desejo sexual, opostas à racionalização).
Este poema trabalha a ideia do peso da responsabilidade histórica e social.
Fardo do Indivíduo: O eu-lírico sente o peso da existência e da história sobre seus ombros.
O Peso Inesperado: A comparação é paradoxal: o peso do mundo não é "mais que a mão de uma criança". Isso sugere que a dimensão do sofrimento, embora vasta (guerras, fomes, discussões), torna-se suportável (ou inevitável).
Ordem da Vida: A conclusão é crua e existencialista: "Chegou um tempo em que não adianta morrer / Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas sem mistificação".
Este nível aprofunda a compreensão estética da obra, cobrindo aspectos avançados para análises detalhadas e discursivas.
A imagem das mãos é um motivo central e altamente recorrente em Sentimento do Mundo, presente em onze dos 27 poemas da primeira edição. O estudo detalhado das mãos revela a poética gestual e a tensão entre limitação e solidariedade:
Poema | Significado da Mão | Sentido Literário |
Sentimento do Mundo | "Apenas duas mãos" | Limitação material, fragilidade do poeta diante do mundo vasto. |
Poema da Necessidade | "Mãos pálidas" | Fragilidade que constata o fim do mundo. |
O Operário no Mar | Peixes escorrem de suas mãos | Negação das "mãos grossas" do clichê panfletário; simboliza a figura surrealista e religiosa do operário-Cristo. |
Mãos Dadas | "Vamos de mãos dadas" | Fraternidade, solidariedade e união com os companheiros. |
Os Ombros Suportam o Mundo | "Mão de uma criança" | O mundo não pesa mais que a mão de uma criança; peso suportável, mas constante. |
Carta a Stalingrado (A Rosa do Povo) | "Mãos soltas" | A mão como fragmento do corpo desmembrado da cidade em guerra, mas que aponta para a humanidade. |
A recorrência das mãos mostra a busca por uma poética da materialidade do tempo presente, valorizando o gesto físico e humano em contraste com o mundo abstrato e ideológico.
Drummond critica a ideologia do trabalho abstrato e alienado. Em Elegia 1938, o eu-lírico pratica "laboriosamente os gestos universais". Estes gestos (fome, frio, desejo) são a essência material e elementar do ser humano, anteriores a qualquer concepção de trabalho abstrato para um "mundo caduco". A crítica de Drummond não é a todo esforço, mas ao trabalho que perde o sentido na sociedade capitalista.
A crítica reconhece a singularidade de Drummond em conciliar a subjetividade lírica com a política, criando uma "poesia lírica de alto teor político".
Universalidade na Individualização: Segundo Adorno, a referência ao social na lírica deve levar o leitor mais fundo na obra. O poema lírico eleva-se ao universal através do mergulho no individuado. A inadaptação de Drummond deixa de ser particular quando reflete a angústia comum de sua época.
Adesão em Chave de Lirismo: Antonio Candido notou que a "adesão ao socialismo e a negação do sistema capitalista" se fazem "em chave de lirismo, como alguma coisa que vem de dentro e existe antes de mais nada enquanto modo de ser".
Embora o livro represente uma guinada social, a ironia e o pessimismo drummondiano permanecem.
Linguagem: As palavras de Drummond têm o "cheiro do dia-a-dia", com imagens concretas e verdadeiras. A métrica é dissolvida num "coquetel rítmico".
Dicotomias e Paradoxos: A obra é marcada por dicotomias (eu/mundo, Itabira/Rio de Janeiro, noite/luz, passado/futuro). O uso de adjetivos surpreendentes próximos a substantivos usuais, como "violenta ternura" ou "gravidade simples", costura o significado do livro.
Para provas de alto nível, os seguintes tópicos são frequentemente cobrados para distinguir candidatos:
Em concursos, é comum a comparação de Drummond com outros autores sociais:
Contraste com Autores Socialistas: A professora Cristine Barros sugere relacionar Sentimento do Mundo (forte cunho social e tendências de esquerda) a obras de Jorge Amado (Capitães de Areia) e Graciliano Ramos (Vidas Secas), autores que também trabalhavam questões sociais.
Dúvida sobre a Poesia: Uma exceção crucial é a persistente dúvida sobre a eficácia do fazer poético. Em "Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro", Drummond questiona: "...mas haverá lugar para a poesia?". Essa autoconsciência crítica e a desconfiança em relação à legitimidade do fazer poético são características distintivas e altamente cobradas.
É vital que o estudante saiba diferenciar a postura do eu-lírico em Sentimento do Mundo (Eu menor que o Mundo) do sarcasmo egocêntrico presente em Alguma Poesia (Eu maior que o Mundo). A diminuição do eu-lírico e o reconhecimento da incapacidade de, sozinho, resolver a crise leva-o à busca pela solidariedade.
Embora fosse solidário às ideias socialistas e se preocupasse com as causas sociais, Drummond não era um poeta militante por excelência e recusava a poesia de caráter puramente político.
Afastamento Governamental: Drummond trabalhou no Ministério da Educação e Saúde Pública durante o Estado Novo, mas enfatizava que sua relação era burocrática, não política. Ele se afastou das tendências governistas e se aproximou das ideias socialistas, mas pediu demissão do cargo ministerial.
Divergências com o Partido: Ele trabalhou no jornal Tribuna Popular, mas saiu por divergências de opinião: queriam que ele escrevesse apenas poemas de caráter politicamente militante, o que ele não aceitou.
É a consciência aguda do poeta sobre as fragilidades e angústias humanas em um momento de crise histórica (Guerras, Nazi-fascismo, Estado Novo). É a absorção das dores e cores de todo o mundo, transformando a dor individual em um sofrimento coletivo.
Gauché significa desajustado ou esquerdo. Drummond se autodenomina assim, referindo-se ao seu drama existencial e à sua inadaptação à sociedade moderna. Em Sentimento do Mundo, o poeta gauche se torna um indivíduo "conflagrado totalmente para a realidade", lutando contra o mundo torto.
Itabira é a origem do poeta e a responsável pela formação de seu caráter. É a fonte de sua tristeza e orgulho, descritas como sendo "de ferro". Itabira, no entanto, é vista como uma lembrança nostálgica e decadente, contrastando com a metrópole (Rio de Janeiro), mas igualmente ligada ao sofrimento do mundo.
Não. Embora a visão seja predominantemente sombria e pessimista, o livro não é tão negativo quanto Brejo das Almas. Existem momentos de esperança e luz, especialmente na busca pela união ("mãos dadas") e pela transformação da humanidade. A esperança está sempre projetada no futuro, como uma possibilidade a ser criada.
Os poemas mais recorrentes e que definem o livro são:
"Sentimento do Mundo" (Abertura, limitação do eu).
"Mãos Dadas" (Manifesto da poesia social, compromisso com o presente).
"Elegia 1938" (Crítica ao capitalismo, inação).
"O Operário no Mar" (Poesia em prosa, solidariedade de classe).
"Confidência do Itabirano" (Relação com Itabira, o eu de ferro).
"Os Ombros Suportam o Mundo" (O fardo da vida).
Sentimento do Mundo solidifica a voz de Carlos Drummond de Andrade como um dos maiores poetas brasileiros. A obra é notável por sua capacidade de se aprofundar na condição humana dentro da sociedade moderna, tornando a linguagem subjetiva da lírica uma arma potente e objetiva de análise social.
Ao se solidarizar com seus iguais, o poeta gauche convida à revolução potética, um grito que não é apenas de dor, mas de esperança na união. A obra de 1940, ao captar a realidade de um mundo triste e marcado pelo medo, torna-se atemporal, comunicando uma consciência crítica que ressoa até os dias atuais. O poeta transforma-se, assim, de solitário em solidário, utilizando a poesia para alertar o leitor sobre as distopias de um sistema social injusto.