O Arcadismo é uma escola literária que se desenvolveu na Europa no século XVIII, período também conhecido como o Século das Luzes.
O Arcadismo surge como uma reação forte ao Barroco. Os árcades buscavam o bom gosto, o equilíbrio e a sobriedade, condenando o excesso, o rebuscamento formal e o estilo extravagante que, segundo eles, "desmantela os moldes clássico-renascentistas".
A difusão do Arcadismo ocorreu através da disseminação de Arcádias, que eram espécies de Academias (ou academias literárias) que reuniam escritores.
O termo Arcadismo remete à Arcádia, uma região campestre da Grécia antiga. Segundo a lenda, essa região era um local idílico habitado por pastores que viviam de modo simples, celebrando o amor e o prazer.
O século XVIII, o Século das Luzes, foi marcado por importantes transformações culturais na Europa. A burguesia ascendeu, dominando economicamente e politicamente, e a influência do pensamento Iluminista se espalhou.
Os ideais que sustentam o Arcadismo são diretamente ligados ao Iluminismo e ao Liberalismo. O movimento valoriza:
A Razão: Contra as "trevas medievais". A razão era vista como o maior valor humano.
A Crença no Progresso Social: Entendia-se que o bem-estar coletivo advinha da razão.
O Direito Natural: Busca pela liberdade do indivíduo e afirmação de direitos e deveres.
A linguagem do Arcadismo é simples e clara, adotando uma convenção de linguagem típica do pensamento clássico.
A seguir, apresentamos os preceitos latinos — altamente cobrados em provas — que definem o estilo árcade:
Significado: Mutilar/cortar inutilidades.
Aplicação: Este é um princípio estético que se refere à amputação do supérfluo e do excesso (ornatos) da poesia barroca. Para os árcades, era necessário erradicar os exageros e rebuscamentos para retornar a uma literatura simples.
Significado: Fuga do ambiente urbano; fugir da cidade.
Aplicação: A cidade era vista como um local de sofrimento, corrupção, vaidades burguesas e vícios que molestam o homem. O árcade buscava o retiro pacato e quase anônimo, denunciando a necessidade urgente de independência da lógica urbana.
Significado: Local ameno, agradável ou refúgio ameno.
Aplicação: Associado ao fugere urbem, este é o espaço lírico ideal, que precisa dar lugar a um campo, a uma vida campesina, um cenário perfeito e aprazível. Esse ambiente bucólico simboliza a utopia da vida feliz, pacata e simples.
Significado: Equilíbrio de ouro; moderação de ouro.
Aplicação: Valoriza a vida simples, mediana e modesta, longe das vaidades burguesas e do luxo. A felicidade, para o árcade, é alcançada pelo homem mediano que evita o perigo do excesso e das paixões que perturbam a alma.
Significado: Desfrutar o dia; aproveitar o momento.
Aplicação: Dada a efemeridade da vida e a incerteza do amanhã, o árcade quer viver intensamente o dia de hoje. É um convite à vivência plena do amor e da felicidade no presente.
Pastoralismo e Bucolismo: O poeta árcade adota um nome literário-fictício de pastor de ovelhas, no chamado fingimento poético. A amada é frequentemente idealizada como uma pastora.
Idealização da Mulher: A mulher amada é idealizada, sendo esta uma característica que perdurará no Romantismo.
Uso de Pseudônimos: Para serem coerentes com a simplicidade e o pastoralismo, os árcades usavam pseudônimos de pastores gregos ou latinos.
Mitologia Pagã: Retorno aos modelos clássicos da Antiguidade greco-latina, utilizando referências mitológicas.
A distinção clara entre Barroco e Arcadismo é fundamental para concursos, pois marca a mudança de mentalidade do século XVII para o XVIII.
Característica | Barroco (Século XVII) | Arcadismo (Século XVIII) |
Contexto | Contrarreforma, tensões Fé x Razão. | Iluminismo, Racionalismo, Neoclassicismo. |
Visão de Mundo | Pessimista, angustiada, conflito entre opostos (Sagrado e Profano). | Otimista, racional, busca pelo equilíbrio e tranquilidade. |
Linguagem | Rebuscada, ornamentada, excessiva, uso de antíteses e paradoxos. | Simples, clara, objetiva, valorização da ordem lógica e corte do inútil (Inutilia Truncat). |
Natureza | Cenário de conflitos interiores ou reflexo de contradições. | Idealizada (Locus Amoenus), refúgio e símbolo de paz e simplicidade. |
Valores | Busca por conciliação entre opostos, introspecção. | Razão, equilíbrio, retorno à vida natural (Fugere Urbem). |
O movimento em Portugal iniciou-se oficialmente em 1756 com a fundação da Arcádia Lusitânia em Lisboa. O fim do Arcadismo Português é datado em 1825, com a publicação do poema Camões, de Almeida Garrett, que inaugura o Romantismo.
Embora o maior destaque na produção árcade portuguesa sejam os poemas, os principais nomes incluem:
Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805): Considerado o maior representante do Arcadismo em Portugal. Suas obras incluem "Morte de D. Ignez de Castro" e "Elegia". Sua poesia, assim como a de Tomás Antônio Gonzaga, já demonstrava indícios de Pré-Romantismo (emocionalismo).
António Dinis da Cruz e Silva (1731-1799): Fundador da Arcádia Lusitânia e autor da frase Inutilia truncat no Estatuto da Arcádia.
Outros nomes: Pedro António Correia Garção, Marquesa de Alorna, Francisco José Freire, Domingos dos Reis Quita e Nicolau Tolentino de Almeida.
O Arcadismo no Brasil ocorreu na segunda metade do século XVIII. O marco inicial é 1768 (publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa) e o término é 1836 (início do Romantismo).
O movimento no Brasil esteve fortemente ligado a Minas Gerais, concentrando-se em Vila Rica (hoje Ouro Preto) e no Rio de Janeiro. A descoberta do ouro fez dessa região o centro econômico e cultural da colônia.
Os ideais iluministas eram trazidos por uma burguesia letrada (juristas formados em Coimbra, padres, militares). Em Vila Rica, formou-se uma sociedade urbana com intensa circulação de ideias.
O marco institucional brasileiro é a fundação da Arcádia Ultramarina em Vila Rica, em 1768.
Enquanto os poetas árcades europeus seguiam as convenções neoclassicistas, o Arcadismo brasileiro adquiriu particularidades que prenunciavam o Romantismo:
Temas Nacionais: Inserção de paisagens tropicais, elementos da flora e fauna do Brasil.
O Índio como Tema: O índio é introduzido como tema literário e herói (embora coadjuvante do homem branco). Essa figura do índio (o "bom selvagem" de Rousseau) deu origem ao Nativismo na colônia.
Poesia Épica: Aborda episódios da história do país e da colônia.
A característica mais singular e complexa do Arcadismo brasileiro é sua profunda ligação com o projeto liberal e político da época.
O Arcadismo brasileiro re(a)presenta poeticamente o ideário da Inconfidência Mineira. O pensamento árcade, numa profunda ligação com o Liberalismo, precisava ser trabalhado veladamente devido à opressão, censura e permanência de paradigmas absolutistas (o Controle do Imaginário).
O Arcadismo se torna, então, a cifra do APELO por liberdade.
O que é a Cifra? É uma codificação da linguagem, feita para ocultar um significado subversivo.
A Subversão: Por trás da cifra bucólica ou conformista, esconde-se um protesto veemente. O bucolismo e a fuga para o campo (fugere urbem), na verdade, metaforizavam o desejo de largar a colônia e abraçar a independência.
O Utopos: A cidade (o topos) representa a sociedade real e opressora, enquanto o campo é o utopos (lugar por fazer, ideal) que se confunde com o pensamento liberal e o projeto de libertação.
A ideologia libertária desses poetas (Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga) planejada durante a Inconfidência Mineira, confirma o teor revolucionário cifrado em suas obras, a tal ponto de levarem à prisão e ao degredo.
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) é considerado o introdutor do Arcadismo no Brasil. Advogado renomado e minerador, estudou Direito em Coimbra e usou o pseudônimo de Glauceste Saturnino (ou Glauceste Satúrnio).
Obras Poéticas (1768): Marco inaugural do Arcadismo no Brasil. Sua obra lírica é composta principalmente por éclogas e sonetos.
Vila Rica (1773): Poema épico que trata da história do Brasil Colonial.
Poeta de Transição: Embora árcade, sua poesia ainda apresenta laços com o cultismo barroco em vários aspectos, ligando-o à tradição de Camões.
Cláudio Manuel da Costa foi uma das vítimas da Inconfidência Mineira. Ele participou do movimento, e foi preso em maio de 1789. Sua morte, em julho de 1789, é um ponto de grande debate:
Suicídio (Tese Oficial): A versão oficial e a que consta nos autos da Devassa afirma que ele se enforcou na prisão usando os cadarços do calção.
Assassinato (Tese Priorizada por Estudiosos): Há uma forte hipótese de que ele tenha sido assassinado no cárcere. Muitos estudiosos contestam a autenticidade do laudo pericial, que descreve uma forma "impossível" de enforcamento (usando um braço e um joelho para forçar o laço em uma prateleira). Ele foi sepultado em chão profano e sem formalidades religiosas, o que era proibido para suicidas.
O soneto V de Cláudio Manuel da Costa ilustra o ideário árcade, comparando a vida urbana (metáfora da tirania monárquica) com a vida campestre (metáfora da utopia iluminista/o locus amoenus).
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) é o autor da obra poética de maior relevância do século XVIII do Brasil e do Neoclassicismo em língua portuguesa.
Origem e Carreira: Português de nascimento, estudou em Coimbra e se mudou para Vila Rica em 1782 para atuar como ouvidor-geral.
O Romance: Apaixonou-se por Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, de 17 anos, quando ele tinha 40.
Inconfidência e Exílio: Foi preso em 1789 por participar da Inconfidência Mineira. Condenado, foi degredado para Moçambique, onde casou-se com a filha de um comerciante de escravos e faleceu. Maria Doroteia o esperou até o fim da vida, sem saber de seu casamento e morte.
Marília de Dirceu (Publicada a partir de 1792):
Estrutura: Dividida em três partes.
1ª Parte: Escrita antes da prisão. Predomínio do lirismo amoroso, do bucolismo e da idealização da pastora Marília (Maria Doroteia) pelo pastor Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga).
2ª Parte (Exceção/Pré-Romantismo): Escrita na prisão (Ilha das Cobras). O equilíbrio neoclássico é rompido. O tom é melancólico e pessimista, traduzindo a solidão do poeta. Este emocionalismo já prenuncia o Romantismo.
3ª Parte: Sua autenticidade é contestada por alguns críticos.
A Cifra Libertária em Marília de Dirceu: Fragmentos libertários e ideais de fraternidade (liberalismo) estão escondidos sob a significação ordinária do lirismo amoroso. A traição amorosa mencionada no canto 4, por exemplo, pode ser lida como uma traição política. A paz e o projeto utópico são alcançados através do amor (Mitsein e Cura), a "arma que derruba torres e muros, sem violência".
Cartas Chilenas (Publicadas postumamente, 1863):
É uma sátira política. A obra denuncia o autoritarismo e a desonestidade do Fanfarrão Minésio (pseudônimo que se acredita referir-se ao Visconde de Barbacena, o governador).
A poesia épica trouxe inovações ao Arcadismo, introduzindo temas da história colonial e a figura do índio como herói, o que ajudou a delinear uma literatura nacionalista.
José Basílio da Gama (Termindo Sipílio): Autor de O Uraguai (1769). O poema trata da guerra movida por Portugal contra os índios das missões do Rio Grande do Sul (Sete Povos das Missões). A morte da índia Moema é um trecho famoso. Basílio da Gama foi admitido na Arcádia Romana.
José de Santa Rita Durão: Autor de Caramuru (1781). O poema épico tem como tema o Descobrimento da Bahia e a figura de Diogo Álvares Correia.
O fingimento poético é a convenção em que o poeta árcade, mesmo sendo um intelectual burguês que vivia nos centros urbanos, adota um nome fictício de pastor (pastoralismo) e descreve uma vida bucólica e simples no campo. Essa adoção era uma posição ideológica e política, pois criticava a opressão urbana do Antigo Regime.
É chamado de Neoclassicismo (ou Setecentismo) porque os autores buscavam o "novo clássico". Eles retornavam aos modelos da Antiguidade greco-latina e aos renascentistas (a cultura clássica). Essa valorização dos modelos antigos, buscando equilíbrio e sobriedade, é a essência neoclássica.
O Pré-Romantismo é uma exceção ou traço de transição que aparece principalmente na obra lírica de Tomás Antônio Gonzaga (na segunda parte de Marília de Dirceu) e, em Portugal, em Bocage. Caracteriza-se pela manifestação pungente da crise amorosa, da solidão, do emocionalismo e do pessimismo confessional, rompendo com o equilíbrio e a objetividade que o Arcadismo, como escola, pregava.
A Inconfidência Mineira (movimento de libertação de Minas Gerais) é o principal acontecimento político que confere ao Arcadismo brasileiro seu caráter revolucionário. Os poetas árcades mineiros (como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga) estavam envolvidos na Conjuração. A poesia, através da codificação cifrada, servia como um veículo velado para manifestar o ideário liberal e o apelo por liberdade, usando o bucolismo como metáfora para a utopia de uma pátria independente.