A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é um instrumento de investigação temporário realizado pelo Poder Legislativo, que tem como finalidade primordial a fiscalização da administração pública. Essas comissões são essenciais para a defesa dos direitos e interesses da população, aprimorando a atividade legislativa e servindo como um braço do Parlamento na proteção do interesse público.
O objetivo principal de uma CPI é investigar fatos de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do país. Elas funcionam como um importante mecanismo de fiscalização dos atos da administração pública, garantindo a ética e a moralidade, defendendo o Estado Democrático de Direito, aprimorando o processo legislativo e informando a sociedade.
As CPIs não são criadas para simplesmente investigar crimes, como se fossem órgãos policiais, nem para julgar ou aplicar penas. Sua investigação está diretamente ligada ao exercício do poder de fiscalização e controle do Poder Legislativo. Após o final dos trabalhos, suas conclusões, se for o caso, são encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilização civil ou criminal dos infratores.
A existência e o funcionamento das CPIs no Brasil são previstos e regulamentados em diversos níveis legais:
Constituição Federal (CF/88): O Art. 58, § 3º, da Constituição Federal estabelece que as CPIs terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas. Devem ser criadas pela Câmara dos Deputados e/ou pelo Senado Federal, de forma conjunta ou separada, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo.
Leis Específicas: A Lei nº 1.579/1952, por exemplo, regula as Comissões Parlamentares de Inquérito e prevê sua ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação. Outras leis como 10.001/2000 e 10.679/2003 também são mencionadas.
Regimentos Internos: Os Regimentos Internos do Senado Federal (Arts. 145 a 153) e da Câmara dos Deputados (Arts. 35 a 37) detalham a criação e o funcionamento dessas comissões. O Regimento Comum (Art. 21) trata das Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMI).
As CPIs, ou grupos com funções semelhantes, têm uma longa história, com raízes na Grã-Bretanha entre os séculos XIV e XVII. No Brasil, um primeiro esboço surgiu na época do Império, em 1867, com o Senador Silveira da Mota propondo a investigação de gastos da Guerra do Paraguai, embora a proposta tenha sido arquivada.
Constituição de 1934: Foi a primeira a consagrar legalmente a CPI, mas apenas para a Câmara dos Deputados.
Constituição de 1937: Decretada por Getúlio Vargas, foi omissa sobre as CPIs, interrompendo sua vida breve.
Redemocratização (1945-1964): As CPIs retornaram com a Constituição de 1946, pela primeira vez com previsão para as duas Casas Legislativas (Câmara e Senado). Este período foi efervescente, com muitas comissões investigando temas econômicos e de administração pública.
Ditadura Militar (1964-1985): O regime militar inibiu as investigações parlamentares, com o Congresso sendo fechado em 1966. A Constituição de 1967 previu CPIs mistas (senadores e deputados) e com prazo determinado, mas as regras demoraram a ser aplicadas. As investigações voltaram timidamente em 1973.
Constituição de 1988: Com a redemocratização, a CF/88 valorizou a investigação parlamentar, concedendo às CPIs poderes próprios de autoridades judiciais, como a quebra de sigilos bancários, fiscais e telefônicos. Isso marcou um ponto de inflexão, tornando as CPIs ferramentas poderosas e de grande visibilidade política.
Diversas CPIs tiveram grande impacto na política brasileira, levando à cassação de mandatos, prisões e até processos de impeachment.
CPI do PC Farias (1992): A primeira CPI de grande relevância desde a redemocratização, investigou esquema de corrupção envolvendo o tesoureiro da campanha do então presidente Fernando Collor. As denúncias levaram ao pedido de impeachment de Collor, que renunciou antes de ser condenado.
CPI dos Anões do Orçamento (1993): Investigou desvio de dinheiro do Orçamento da União, manipulando emendas parlamentares. Resultou na cassação de seis parlamentares, com outros renunciando para evitar a cassação.
CPI do Judiciário (1999): Revelou esquema de desvio de verbas públicas para obras do TRT de São Paulo, levando à condenação do juiz Nicolau dos Santos Neves (Lalau) e à cassação do senador Luiz Estevão.
CPI do Banestado (2003): Apurou o envio ilegal de até R$ 150 bilhões ao exterior entre 1996 e 2002. Requisitou a quebra de mais de 1.700 sigilos bancários e pediu 91 indiciamentos, mas o relatório final nunca foi votado.
CPI dos Correios (2005): Inicialmente criada para investigar corrupção nos Correios, desdobrou-se na apuração do escândalo do Mensalão, um esquema de compra de apoio parlamentar.
CPI dos Bingos (2006): Começou investigando a relação entre o bicheiro Carlos Cachoeira e um assessor ministerial, mas expandiu-se para outros temas, incluindo caixa dois do PT e assassinatos de prefeitos. O depoimento do caseiro Francenildo Costa, que acusou o então ministro Antonio Palocci de frequentar uma mansão de lobistas, foi um momento crucial. O relatório final pediu o indiciamento de 48 pessoas.
CPI dos Sanguessugas (2006): Envolveu muitos parlamentares (69 deputados e 3 senadores no pedido de processo disciplinar) em desvios de recursos da saúde para compra de ambulâncias. Nenhum parlamentar foi punido pelos colegas.
CPIs da Petrobras (2009-2015): Várias comissões investigaram desvios de recursos na Petrobras, que culminaram na Operação Lava Jato. As denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a estatal, que se estenderam de 2005 a 2015, citaram diversos partidos (PT, PMDB, PP, PSDB, SDD, PTB) e políticos, muitos deles baseados em acordos de delação premiada de ex-diretores e doleiros.
Para a criação de uma CPI, são necessários requisitos específicos:
A criação de uma CPI (ou CPMI) exige o requerimento de pelo menos um terço do total de membros da Casa Legislativa.
CPI da Câmara dos Deputados: Necessita da assinatura de um terço dos deputados federais.
CPI do Senado Federal: Necessita da assinatura de um terço dos senadores.
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI): Para uma comissão conjunta de Câmara e Senado, é preciso a subscrição de um terço dos membros de cada Casa legislativa (ou seja, um terço dos deputados E um terço dos senadores).
O requerimento deve especificar um fato determinado. Isso significa um acontecimento de relevante interesse público, devidamente caracterizado. Não se pode requerer a investigação de uma situação genérica, mas sim de uma irregularidade concreta. É importante notar que, embora o objeto inicial seja determinado, a comissão pode ampliar o leque de investigação se descobrir outros fatos conexos durante os trabalhos, mediante aditamento do objeto inicial.
As CPIs têm caráter temporário e são criadas por prazo certo.
Câmara dos Deputados: O prazo é de 120 dias, prorrogável por até metade (60 dias), mediante deliberação do Plenário.
Senado Federal: O prazo é determinado no requerimento de criação e pode ser prorrogado sucessivas vezes, tendo como limite a legislatura em que foi criada.
Após o recebimento e publicação do requerimento, os líderes partidários indicam os membros da CPI. A composição, tanto de titulares quanto de suplentes, deve seguir, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares. A instalação da CPI é efetivada após a designação dos membros. Em seguida, é eleita a mesa diretora (presidente e vice-presidente) e o relator é designado pelo presidente, obedecendo à proporcionalidade partidária.
Ponto importante para concursos e diferenças recentes:
Regra anterior (Constituição de 1967 e Emenda nº 1/69): Limitava a cinco CPIs simultâneas, salvo decisão contrária da maioria da respectiva Câmara.
Regra atual (Câmara dos Deputados): Se houver cinco CPIs em funcionamento ao mesmo tempo na Câmara, a criação de uma nova só pode ocorrer mediante projeto de resolução com o quórum de um terço dos membros, e não por simples requerimento. Caso contrário, o requerimento aguardará na fila.
Senado Federal e Regimento Comum (CPMI): Não há previsão de tal exigência de limite de cinco CPIs em funcionamento.
As CPIs possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, o que as torna ferramentas potentes. Isso significa que, nos atos processuais, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal.
Realizar diligências e sindicâncias: A CPI pode determinar as diligências que julgar necessárias e incumbir seus membros ou funcionários para realizá-las.
Convocação e oitiva: Podem convocar Ministros de Estado, tomar depoimento de qualquer autoridade (federal, estadual, municipal), inquirir testemunhas sob compromisso e ouvir investigados/indiciados.
Requisição de informações e documentos: A comissão pode requisitar de órgãos públicos e entidades da administração informações ou documentos de qualquer natureza, inclusive sigilosos.
Quebra de sigilos (bancário, fiscal, de dados e telefônico): As CPIs podem decretar a quebra desses sigilos, desde que haja interesse público, decisão fundamentada e demonstração da necessidade como meio de prova.
Requerer auditorias ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Deslocamento territorial: Podem se deslocar a qualquer ponto do território nacional para investigações e audiências públicas.
Estipular prazos: Para o atendimento de providências ou realização de diligências, sob as penas da lei, exceto quando da alçada de autoridade judiciária.
Busca e apreensão (em locais não-domiciliares): As CPIs possuem o poder genérico de determinar às autoridades policiais e administrativas a realização de buscas e apreensões de documentos necessários, com mandado assinado pelos membros da comissão.
Apesar de seus amplos poderes, as CPIs não são ilimitadas e estão sujeitas a controles e restrições constitucionais e legais. É um tema muito cobrado em concursos públicos.
Os poderes das CPIs não são idênticos aos dos magistrados, pois alguns são reservados pela Constituição exclusivamente ao Poder Judiciário.
Decretar indisponibilidade de bens.
Decretar prisão preventiva ou temporária: A CPI só pode decretar prisão em flagrante delito, em casos de crimes cometidos durante suas reuniões (ex: falso testemunho, desobediência, desacato).
Determinar afastamento de cargo ou função pública durante a investigação.
Decretar busca e apreensão domiciliar: A inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI) exige determinação judicial. A CPI carece de competência para isso.
Decretar interceptação telefônica (grampo): A Constituição (art. 5º, XII) exige ordem judicial para a interceptação de comunicações telefônicas. A CPI pode quebrar o sigilo de dados telefônicos (identificação de chamadas), mas não o conteúdo das conversas.
Proibir ou restringir a assistência jurídica aos investigados: O direito à defesa e as prerrogativas dos advogados são garantidos constitucionalmente.
Invadir a privacidade e a intimidade de indivíduos sem nexo causal com a gestão pública.
Investigar matérias pertinentes à Câmara dos Deputados, Poder Judiciário ou Estados, se a CPI for do Senado e vice-versa, devido ao princípio federativo. As CPIs devem absoluto respeito à autonomia dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, cujas gestões devem ser fiscalizadas pelos legislativos locais.
A atuação das CPIs é vinculante ao pleno respeito aos direitos humanos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Decisões da CPI devem ser fundamentadas.
Obrigação de Comparecimento: Quando convocada, a testemunha é obrigada a comparecer.
Compromisso e Falso Testemunho: A testemunha presta compromisso de dizer a verdade e é advertida das penas por falso testemunho (Art. 342 do Código Penal). Atrapalhar o trabalho da comissão ou prestar falso testemunho é crime.
Crime de Desobediência: Se a testemunha, regularmente intimada, deixar de comparecer sem justificativa ou se recusar a depor (salvo as exceções legais), a comissão pode requisitar sua condução coercitiva pela autoridade policial, e o ato configura crime de desobediência (Art. 330 do Código Penal).
Acareação: Em caso de informações conflitantes entre testemunhas, a comissão pode realizar acareação.
Direito ao Silêncio e Não Autoincriminação: O investigado ou acusado tem a prerrogativa constitucional do direito ao silêncio para não se autoincriminar. Isso significa que não pode ser preso em flagrante por exercer essa prerrogativa, sob pretexto de desobediência ou falso testemunho.
Autoridades com foro especial (Presidente, Vice-Presidente, membros do Judiciário, etc.): Serão inquiridas em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e a comissão.
Presidente e Vice-Presidente da República, Presidentes do Senado, Câmara e STF: Podem optar por prestar depoimento por escrito.
Senadores e Deputados Federais: Não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas no exercício da função (Art. 53, § 5º, CF).
Os trabalhos da CPI culminam na apresentação de um relatório circunstanciado, que deve ser discutido e votado pela comissão.
O relatório final não é uma proposição legislativa (como projeto de lei, emenda, etc.). Ele expõe os resultados e conclusões das atividades investigatórias da comissão, e por isso não admite emendas. A função do relator é sistematizar as conclusões da maioria dos membros da comissão em um texto escrito, que será votado.
As conclusões da CPI e o relatório aprovado são remetidos a diversas instâncias para que as providências cabíveis sejam tomadas.
Mesa Diretora da Casa Legislativa: Para providências de alçada desta ou do Plenário, podendo oferecer projetos de lei, de decreto legislativo ou de resolução, ou indicações.
Ministério Público (MP): As conclusões e o relatório são remetidos ao MP (Ministério Público Federal – MPF, no caso de CPI federal), quando necessário, para que promova a responsabilização civil e criminal dos infratores e adote outras medidas decorrentes de suas funções institucionais. O MP atua nos casos de ameaça a direitos previstos na Constituição e nas leis, de ofício ou após ser acionado por qualquer cidadão. Importante: O Ministério Público é uma instituição independente, não integrando nenhum dos Poderes da República.
Poder Executivo: Para adotar providências saneadoras de caráter disciplinar e administrativo. A CPI pode fazer sugestões ou recomendações ao Executivo, que, em muitos casos, são acatadas.
Comissão Permanente: A que tenha maior pertinência com a matéria, para fiscalizar o atendimento das providências.
Comissão Mista Permanente (Art. 166, § 1º, CF) e Tribunal de Contas da União (TCU): Para as providências previstas no Art. 71 da CF. O Ministério Público junto ao TCU tem função de observar o cumprimento das leis pertinentes às finanças públicas.
Uma CPI, sendo um órgão do Poder Legislativo, está sujeita ao controle de sua Casa de origem (Câmara ou Senado) ou do Congresso Nacional (em caso de CPMI). Além do controle político, há o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário.
Supremo Tribunal Federal (STF): O STF exerce, originariamente, o controle jurisdicional sobre os atos das CPIs que envolvam ilegalidade ou ofensa a direito individual. Compete ao STF processar e julgar habeas corpus e mandado de segurança contra atos da CPI. Isso é crucial para garantir que as CPIs não cometam arbitrariedades e respeitem a Constituição.
Desde a Constituição de 1988, as CPIs se tornaram um poderoso meio de controle e fiscalização da administração pública. Elas cumprem as funções de ouvidoria, porta-voz e fiscal, representando os interesses do povo e defendendo seus direitos. Contribuem para a consolidação da democracia, permitindo a participação popular direta e indireta no controle do Poder Público.
Apesar de sua importância, as CPIs ainda enfrentam incertezas quanto à abrangência de sua atuação e seus limites. A busca por um equilíbrio entre o interesse público da investigação e a preservação das garantias constitucionais, como a dignidade humana e a privacidade, é um desafio constante.
As discussões sobre a necessidade de modificações na legislação e nos regimentos internos continuam, visando o aperfeiçoamento dos procedimentos investigatórios e a garantia da efetividade da justiça sem abusos. A Operação Lava Jato, que se desdobrou de investigações da CPI da Petrobras, e mais recentemente a CPI da COVID-19 (2021) e a CPMI do 8 de Janeiro (2023), mostram que as CPIs continuam a ser um mecanismo vital de escrutínio no cenário político brasileiro.