Resumo: O Realismo surge em meados do século XIX na Europa (França, 1857), principalmente como uma reação direta e objetiva contra a visão idealizada e subjetiva do Romantismo. Enquanto o Romantismo celebrava o sentimento e a fantasia, o Realismo impunha a anatomia do caráter e a crítica social, pintando a realidade aos nossos próprios olhos, para condenar o que havia de mau na sociedade. Este guia detalha essa transição fundamental na literatura brasileira e portuguesa, focando nas nuances e autores essenciais.
O movimento realista, que floresceu em meados do século XIX, representou uma revolta contra os usos tradicionais e as concepções idealizadas da vida que dominavam o Romantismo.
O Realismo pode ser definido como:
A anatomia do caráter: O foco principal não é mais a ação heroica ou a fuga, mas sim a análise aprofundada da mente humana e dos traços de personalidade.
Crítica do homem e da sociedade: A arte é usada para descrever costumes e expor os problemas sociais e o comportamento da elite, buscando questionar os princípios e padrões burgueses.
Objetividade: Diferentemente do subjetivismo romântico, o Realismo busca descrever as coisas de modo preciso e objetivo, muitas vezes enfatizando o homem comum.
O Realismo não nasce no vácuo; ele é impulsionado por um período de grandes transformações, marcado pela Segunda Revolução Industrial e pela intensificação do modelo capitalista.
Este cenário histórico forneceu o solo fértil para a nova estética:
Transformações Sociais: A ascensão da classe burguesa ao poder, o aprofundamento das desigualdades sociais e o crescimento da urbanização trouxeram novos problemas urbanos (como poluição). A literatura realista escolheu, portanto, os problemas concretos do seu tempo.
Racionalismo e Cientificismo: O Realismo foi impulsionado pelo racionalismo da segunda metade do século XIX. O desenvolvimento científico, especialmente na biologia, incentivou uma postura de observação e análise da realidade.
Grandes Teorias: O pensamento da época foi profundamente influenciado por correntes filosóficas e científicas que buscavam interpretar e explicar o mundo:
Positivismo (Augusto Comte): O pai do positivismo propunha o abandono de especulações para o estudo da vida do homem em sociedade.
Evolucionismo (Darwin).
Socialismo (Marx e Engels).
Determinismo (Taine, que entendia que o ser humano era determinado pelo meio).
A principal dúvida em concursos públicos reside no contraste claro entre as duas escolas. O Realismo é essencialmente uma reação ao Romantismo.
Característica | Romantismo (Idealização) | Realismo (Objetividade) |
Visão do Homem | Idealizada | Real, com defeitos e qualidades |
Foco Narrativo | Subjetivismo, Culto do eu | Objetivismo, Universalismo |
Personagens | Previsíveis, Herói íntegro, Perfeito | Trabalhadas psicologicamente, Problemáticas, Hipócritas, Cínicas |
Linguagem | Metafórica, evasiva, redundante, teatral | Culta, direta, clara, equilibrada, com foco na realidade e análise |
Mulher | Idealizada, angelical, pura, submissa | Real, autônoma, teimosa, áspera, menos idealizada |
Amor/Casamento | Puro, sublime, relacionamento amoroso | Subordinado a interesses sociais e dinheiro; casamento é contrato falido |
Propósito | Entretenimento (folhetinesco), escapismo | Crítica social, denúncia, análise psicológica |
Embora frequentemente estudados juntos, o Realismo e o Naturalismo não são idênticos, sendo este último um aprofundamento ou uma vertente do Realismo.
O Realismo, em sentido lato, abrange o Naturalismo. Contudo, as nuances são importantes:
Característica | Realismo | Naturalismo (Vertente do Realismo) |
Foco | Observa e analisa a realidade e os costumes; foco na psique e no caráter | Aprofunda o Realismo; foco na patologia social e biológica |
Visão do Homem | Anatomia do caráter | Visão patológica, exploração do homem pelo homem; animalesco e sensual |
Estilo | Linguagem culta e direta, detalhamento preciso | Linguagem simplificada, ênfase nos aspectos grotescos e repulsivos da vida |
Exemplo de Obra | Madame Bovary (Gustave Flaubert), Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) | O Mulato (Aluísio Azevedo), Germinal (Émile Zola) |
Dúvida Comum: O Realismo e o Naturalismo possuem a mesma base, mas não são movimentos idênticos. O Naturalismo aplica um rigor científico extremo, tratando o ser humano como um produto do meio e da biologia (determinismo).
O Realismo em Portugal tem seus antecedentes ligados diretamente a um episódio conhecido como a Questão Coimbrã.
O Início do Confronto: Em 1865, a Questão Coimbrã marcou o primeiro sinal do movimento realista em Portugal. Este movimento era formado por um grupo de jovens escritores e estudantes da Universidade de Coimbra, adeptos de novas ideias de vanguarda.
Oposição: O grupo se opôs ao academicismo e ao formalismo predominantes na época, rejeitando o que consideravam "literatura de passadistas". Eles apontavam novos caminhos, apoiados no Evolucionismo, Positivismo, e Socialismo.
O Embate: O conflito se acirrou quando Feliciano de Castilho, um romântico, criticou duramente autores da nova geração (como Antero de Quental), acusando-os de falta de "bom senso e bom gosto". Antero de Quental respondeu com a obra Bom senso e bom gosto (1865), tornando-a um marco da literatura realista portuguesa.
A Relação Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós (Exceção/Explicitação do Conflito): A transição foi marcada por embates literários entre o mestre do Romantismo português, Camilo Castelo Branco, e o principal representante do Realismo, Eça de Queirós. Camilo, representando a tradição, via em Eça (a modernidade) uma ameaça. Camilo criticava a nova estética, chegando a acusar Eça de erros gramaticais em O Crime do Padre Amaro. Eça de Queirós, por sua vez, foi essencial para a consolidação do Realismo em Portugal, com obras como O Crime do Padre Amaro (1875) e O Primo Basílio (1878).
No Brasil, o Realismo surge durante o Segundo Reinado, como uma forma de criticar a sociedade burguesa e monárquica, expondo contradições e desigualdades sociais.
O Marco Inicial (Data crucial para concursos): O movimento realista brasileiro é formalmente marcado pela publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 1881.
Machado de Assis (O Realismo Psicológico/Microrrealismo): Considerado o maior representante do movimento nacional, Machado de Assis se destaca por seu realismo psicológico (ou microrrealismo). Sua narrativa prefere a descrição psicológica das personagens em detrimento da ênfase na ação ou no enredo. O que motiva seus livros é a análise da mente humana, a partir dos mínimos detalhes de uma atitude qualquer. Machado utiliza a ironia e o humor para analisar a realidade.
Obras e Autores Realistas Brasileiros de Destaque:
Machado de Assis (1839-1908): Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899).
Raul Pompeia (1863-1895): O Ateneu (1888).
Aluísio Azevedo (Naturalismo - Lançamento da vertente no Brasil): O Mulato (1881).
O tratamento dado à figura feminina é um dos temas mais didáticos e recorrentes para ilustrar a ruptura entre Romantismo e Realismo, refletindo a lenta mudança da sociedade patriarcalista do século XIX.
No Romantismo, a mulher era geralmente representada como idealizada, angelical, pura e submissa ao patriarcalismo. Ela não interferia na sociedade e prezava o amor dos contos de fadas.
O Caso de Aurélia (Senhora, 1875): O romance de José de Alencar, embora tardio no Romantismo e apresentando toques mais humanos e críticos, cumpre o papel de entreter a burguesia leitora. Aurélia, a protagonista, parece inicialmente uma personagem de quebra de paradigma por governar sua casa e entender de assuntos "masculinos" como contabilidade.
A "Busca Antifeminina": Contudo, Aurélia é caracterizada como antifeminina (no sentido teórico de se modelar pela busca do herói masculino), pois ela usa seu potencial, sua herança e seu conhecimento financeiro em função do amor e da vingança contra Fernando Seixas.
Casamento por Interesse vs. Amor Idealizado: Senhora faz uma crítica à comercialização do amor e do casamento nas classes altas. O casamento entre Aurélia e Seixas é um "mercado", mas o desfecho volta ao clichê folhetinesco: homem e mulher felizes para sempre após o dinheiro corromperem-se, mantendo a sociedade enraizada no patriarcalismo.
Com o Realismo, a mulher idealizada deu lugar à mulher real: teimosa, imperiosa, áspera, que tinha suas próprias vontades e se preocupava com a própria imagem social.
Realismo Psicológico e Complexidade: Machado de Assis descreve a mulher com complexidade psicológica. A mulher realista é menos comportada, profundamente vaidosa e ambiciosa, e pode ser oblíqua e dissimulada.
O Adultério como Tema Central: Machado abordou de forma realista o adultério, que era comum, mas que a idealização romântica não permitia relatar.
Em Singular Ocorrência, o adultério é retratado realisticamente, sem final moralizante.
Em Mariana, o adultério é lúcido e aceito pela mulher, que afirma não sentir remorso: "Podias supor que eu os tinha; mas não os tenho, nem os terei jamais".
O Caso de Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881): Virgília é um exemplo de crítica ao ideal romântico. Ela é vaidosa e ambiciosa e, apesar de amar Brás Cubas, escolhe casar-se com Lobo Neves por razões de status social e político. Ela é ousada e astuta por manter um relacionamento extraconjugal, sendo uma das mulheres mais independentes e autênticas em suas decisões na obra. Ela é uma personagem burguesa com instinto animal apurado, esquecendo-se das regras sociais.
No Naturalismo, a visão da mulher intensifica-se para o lado sensual e, por vezes, patológico.
Sensualidade Animalesca: Em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, Rita Baiana é descrita em sua sensualidade intensa. O narrador a descreve com requebros luxuriosos, tremendo "como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite".
Determinismo Biológico/Ambiental: Rita Baiana é vista através de uma ótica do erótico e animalesco. Sua sensualidade é descrita como um "veneno" e "açúcar gostoso", uma "cobra verde e traiçoeira". Seu enlace amoroso com Jerônimo é desejado com intensidade, levando a uma descrição de agonia extrema e sobrenatural, em que o instinto fala mais alto que a moral.
P: Qual é o marco inicial do Realismo na literatura mundial e quem o escreveu? R: O marco inicial é o romance Madame Bovary, escrito por Gustave Flaubert, publicado na França em 1857. Flaubert inovou ao expor um casamento infeliz, adultério e suicídio, questionando a idealização romântica.
P: O que é o "microrrealismo" de Machado de Assis? R: O microrrealismo, ou realismo psicológico, é o estilo de Machado de Assis caracterizado pela preferência pela descrição psicológica das personagens e a análise minuciosa da mente humana, em detrimento da ênfase no enredo ou na ação.
P: Por que o Realismo critica o casamento? R: O Realismo via o casamento como uma instituição falida, ou um contrato de interesses e conveniências, subordinado aos interesses sociais e financeiros da burguesia. Exemplos clássicos são Senhora, onde o marido é comprado, e a escolha de Virgília em Memórias Póstumas, que prioriza o status social.
P: Quem são os principais autores do Realismo em Portugal e no Brasil? R: Em Portugal, Eça de Queirós (O Crime do Padre Amaro) é o nome central. No Brasil, Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas) é o maior expoente.
P: Em que ano o Realismo começou no Brasil? R: O Realismo começou no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 1881.