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10/03/2024 • 19 min de leitura
Atualizado em 26/07/2025

Ditadura Militar: A repressão política e a tortura

A Ditadura Militar Brasileira - Compreendendo a Repressão Política e a Tortura

A Ditadura Militar Brasileira, que se estendeu de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985, representa um dos períodos mais sombrios da história do país. Caracterizada por um regime autoritário e pela negação de valores democráticos, a ditadura foi marcada por violações sistemáticas de direitos humanos, incluindo assassinatos, desaparecimentos forçados e a prática da tortura por motivos políticos. Para compreender plenamente esse período e seus impactos duradouros, é fundamental mergulhar nos mecanismos de repressão política e nas atrocidades cometidas pelo Estado.

1. O Aparato Repressivo e a "Legalidade Autoritaria"

O golpe militar de 1964 resultou na imediata revogação de medidas democráticas, na cassação de políticos, no fechamento do Congresso e na indicação de novos ministros para o Supremo Tribunal Federal. A ditadura não operava no vácuo da lei, mas dentro de uma "espécie de legalidade autoritária". Para coibir a oposição – os chamados "subversivos" – não havia limites jurídicos, éticos ou morais.

A violência do regime foi construída por ações que tinham uma "aparência de legalidade". Embora existisse uma Lei de Segurança Nacional que previa a pena de morte, nenhuma das mortes na ditadura brasileira ocorreu dentro dessa lei; todas foram mortes ilegais e clandestinas. Isso porque o Estado declarava o país em "guerra subversiva", dando uma "licença para matar" às polícias e Forças Armadas. A prática da ditadura constitui crimes contra a humanidade, como tortura, ocultação de cadáver, desaparecimento forçado e morte, crimes que não deveriam prescrever.

Modelos Repressivos no Cone Sul: Historiadores e cientistas sociais têm dedicado intenso estudo aos modelos repressivos utilizados pelas ditaduras latino-americanas. Uma das principais conclusões é que práticas de tortura e repressão circularam pelo continente, com o Brasil atuando como principal polo disseminador. No entanto, existiam diferenças estratégicas na aplicação do terror de Estado:

  • Na Argentina, predominou o "poder desaparecedor".

  • No Brasil, prevaleceu o "poder torturador".

Essa distinção é crucial para entender as particularidades da repressão em cada país. A cooperação repressiva no Cone Sul existia inclusive antes da famosa Operação Condor, um dos temas abordados no minicurso "Ditadura e repressão: paralelos e distinções entre Brasil e Argentina" [3c, 4].

2. A Tortura Sistemática: Formas, Agentes e Consequências

A tortura na ditadura brasileira não era um fenômeno isolado, mas uma "política de repressão coordenada pelas Forças Armadas". Segundo o relatório da Anistia Internacional de 1972, a tortura tornou-se um instrumento de poder e preservação do governo, com recursos, centros específicos e pessoal próprio dedicados a ela. Era aplicada de forma "precisa e padronizada", seguindo um sistema estabelecido para todos os agentes.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue em 2014, classificou os tipos de tortura em físicas, psicológicas e sexuais.

2.1. Tortura Física: As Marcas Visíveis e Invisíveis

As sessões de tortura frequentemente combinavam diversas modalidades. Alguns dos métodos mais conhecidos e brutais incluíam:

  • Choques Elétricos: Aplicados em diversas partes do corpo, como vagina, seios, ponta dos dedos, atrás das orelhas, língua, boca, nariz, ouvido e testículos. A vítima Robeni Baptista da Costa relatou que o choque na orelha era o pior, causando a impressão de ter o cérebro no liquidificador.

  • Pau de Arara: Modalidade em que o preso ficava pendurado pelos pés e com os braços amarrados. Marcos Penna de Arruda descreveu ser pendurado e submetido a choques enquanto Roberto Carlos tocava "Jesus Cristo, eu estou aqui" em volume altíssimo. Dirce Machado da Silva testemunhou seu marido sendo pendurado de cabeça para baixo.

  • Palmatórias: Usadas na sola dos pés, costas e cabeça.

  • Cadeira do Dragão: A vítima era molhada para aumentar a condutividade e recebia choques.

  • Geladeira: O preso era confinado em uma caixa de aproximadamente 1,5m de altura, com paredes isolantes para bloquear luz e sons. Um sistema de refrigeração alternava temperaturas baixas e altas. A cela ficava escura na maior parte do tempo, com pequenas luzes coloridas piscando rapidamente no teto e sons altos (gritos, buzinas) emitidos por um alto-falante. A vítima, despida, permanecia lá por horas ou dias, muitas vezes sem comida ou água.

  • Afogamento, Estrangulamento, Asfixia e Sufocamento: Métodos diretos para causar dor e submissão.

  • Espancamento: Chutes, socos e golpes com objetos eram comuns. Dirce Machado da Silva relatou que ela, seu marido e seu irmão foram espancados com chutes e socos, seus rostos ficaram desfigurados e o nariz de seu marido foi quebrado.

  • Cigarros e Alicates: Toco de cigarro era colocado nas mãos até fazer bolhas, e alicates eram usados para beliscar o corpo.

  • Coroa de Cristo: Uma fita de aço era colocada na cabeça do detido e apertada com uma tarraxa.

  • Uso de Animais: Presos eram expostos a cachorros, ratos, jacarés, cobras, baratas, que eram lançados contra o torturado ou introduzidos em alguma parte do corpo.

Em muitas situações, a tortura levou à morte de presos políticos, como no caso de Aurora Maria Nascimento Furtado.

2.2. Tortura Psicológica: Agressão à Mente e Espírito

A tortura psicológica visava provocar sofrimento psíquico ou moral, muitas vezes deixando danos psicológicos duradouros, mesmo sem agressão física visível. Raramente vinha isolada de agressão física; a mera possibilidade do início da tortura física já causava imenso pavor.

  • Ameaças: As ameaças ao indivíduo e a seus familiares e amigos eram a forma mais comum de tortura psicológica. Dirce Machado da Silva foi forçada a assistir ao espancamento de seu marido e irmão, com ameaças de que seriam mortos se ela não falasse. Izabel Fávero e seu marido eram torturados um na frente do outro, com os agressores dizendo "olhe, sua vadia, ó ele está apanhando por culpa sua que você não quer colaborar".

  • Esperar pela Tortura: A ex-presidente Dilma Rousseff, vítima da ditadura, testemunhou que "a pior coisa é esperar por tortura".

  • Privação Sensorial e Ruído Constante: A "geladeira" combinava privação de luz e som com ruídos ensurdecedores e luzes intermitentes. Marcos Penna de Arruda desenvolveu trauma de barulho devido à música altíssima durante a tortura.

  • Isolamento e Vazio: Raul Ellwanger descreveu o "vazio do exílio" e a "quebra e perda das relações pessoais e afetivas". Lúcia do Amaral Lopes falou sobre a "lei do silêncio" que se instalou, dificultando o reconhecimento e a fala sobre o trauma vivido.

  • Ouvir a Tortura de Outros: Raul Ellwanger, enquanto preso, era mantido em vigilância durante a noite para ouvir os sons dos presos comuns sendo torturados, pois não podiam fazê-lo de dia quando havia imprensa.

2.3. Violência Sexual: Uma Arma de Dominação

A violência sexual foi um capítulo específico no relatório da CNV.

  • Estupros: Eram práticas comuns, especialmente contra as mulheres. Izabel Fávero relatou que, durante sua tortura, foi ofendida como mulher, chamada de "vadia" e "puta", e que as torturas, incluindo choques nos órgãos genitais e seios, provavelmente a fizeram abortar aos dois meses de gravidez.

  • Agressões nos Órgãos Genitais: Homens também relataram ter sofrido agressões e choques elétricos nos órgãos genitais.

  • Violência Verbal: Militares frequentemente violentavam verbalmente as presas, rotulando-as de "prostitutas" e, portanto, "merecedoras de violações de natureza sexual".

2.4. Quem Eram os Agentes da Repressão?

O relatório da Comissão Nacional da Verdade apontou 377 pessoas como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos durante a ditadura militar. Desses, 196 estavam vivos na época da conclusão do relatório em 2014, com uma média de idade de 82 anos.

A lista da CNV foi a primeira do gênero realizada pelo Estado brasileiro. Para identificar a autoria, foram utilizados documentos, depoimentos de vítimas e de agentes públicos que participaram da repressão. O documento concluiu que as violações de direitos humanos ocorreram de forma planejada e sistemática, não como condutas individualizadas ou excepcionais. Os responsáveis foram divididos em três níveis:

  1. Político-institucional: Os cinco presidentes-militares da ditadura e os principais ideólogos do regime.

  2. Gestão da repressão: Militares responsáveis pela gestão de centros de repressão como os DOI-Codi.

  3. Agentes diretamente envolvidos: Aqueles que participaram diretamente em mortes e torturas.

Alguns dos agentes com mais denúncias do Ministério Público Federal (MPF) incluem:

  • Harry Shibata: Médico-legista, 11 denúncias, acusado de laudos fraudulentos (ex: Vladimir Herzog).

  • Audir Santos Maciel: Ex-coronel, chefe do DOI-CODI, 8 denúncias.

  • Sebastião Curió Rodrigues de Moura: Ex-coronel, atuou na Guerrilha do Araguaia, 7 denúncias.

  • Abeylard de Queiroz Orsini: Médico-legista, 6 denúncias, registro profissional cassado por fraude e conivência com tortura.

  • Dirceu Gravina: Ex-delegado do DOI-CODI, 6 denúncias.

  • Alcides Singillo: Ex-delegado do Dops/SP, 4 denúncias.

  • Aparecido Laertes Calandra: Ex-delegado do Dops/SP, 4 denúncias.

  • Cláudio Antônio Guerra: Ex-delegado do Dops/ES, 4 denúncias, confessou atuação criminosa.

  • Antônio Waneir: Soldado da "Casa da Morte" de Petrópolis, 3 denúncias.

  • Pérsio José Ribeiro Carneiro: Médico-legista do IML/SP, 3 denúncias, registro cassado por laudos fraudulentos.

Apesar das denúncias e do relatório da CNV, a impunidade prevalece no Brasil. Todos os processos movidos pelo MPF contra ex-agentes repressores foram rejeitados ou engavetados pela Justiça brasileira. Este quadro contrasta com o que se configurou em outros países da América Latina, como a Argentina, onde diversos processos e instrumentos de apuração dos fatos e responsabilidades estão em curso.

3. Vítimas e a Luta pela Resistência

A ditadura militar perseguiu e violentou uma ampla gama de indivíduos e grupos que ousaram lutar contra o regime. Estes incluíam:

  • Políticos e Parlamentares: Cassados e perseguidos.

  • Estudantes: Militantes de movimentos como a UNE. Robeni Baptista da Costa foi presa na sala de aula em 1969. Leslie Denise Beloque foi presa no CRUSP em 1968, durante o cerco do Exército.

  • Camponeses: Como Dirce Machado da Silva, militante do Partido Comunista e seu marido, que lutavam por um pedaço de terra.

  • Militares Opositores: Como Adir Figueira, que foi preso após um incidente com um ministro e cujo pai era de esquerda.

  • Professores: Como Izabel Fávero, cuja família foi torturada em sua fazenda.

  • Operários: Como Marcos Penna de Arruda, preso enquanto tentava ajudar uma companheira.

  • Artistas e Jornalistas: Sujeitos à censura e perseguição. Raul Ellwanger, músico, foi perseguido por cantar músicas de protesto. Vladimir Herzog, jornalista, foi torturado e assassinado.

  • Militantes de Organizações Clandestinas: Como Gilney Viana da Ação Libertadora Nacional (ALN), que ficou quase 8 anos preso e foi torturado por 30 dias. Lúcia do Amaral Lopes e Leslie Denise Beloque também se envolveram com grupos como a ALN e VAR-Palmares após o endurecimento da repressão.

A resistência à ditadura se manifestou de diversas formas:

  • Luta Armada: Grupos como ALN e VAR-Palmares, formados principalmente após o endurecimento do regime com o AI-5.

  • Movimentos Sociais e Estudantis: Ações e manifestações contra o regime.

  • Pressão da Sociedade Civil: O protagonismo das vítimas e sobreviventes foi crucial na resistência à ditadura [3d]. Organizações como o Movimento Feminino pela Anistia (1975) e o Comitê Brasileiro pela Anistia (1978), com representações em diversos estados e até em Paris, fizeram intensa pressão social pela redemocratização.

  • Atos Simbólicos: No velório de João Goulart em 1976, seu caixão foi envolto em uma bandeira com a palavra "anistia". Em jogos de futebol, torcedores erguiam faixas com a frase "anistia geral, ampla e irrestrita".

  • Greves de Fome: Presos políticos realizaram greves de fome em diversos presídios, pressionando por uma anistia sem restrições.

Esses movimentos e a persistência das vítimas e seus familiares foram fundamentais para manter viva a demanda por verdade e justiça, mesmo em face da repressão brutal.

4. A Controvérsia da Lei da Anistia de 1979: Perdão Restritivo e Autoanistia

A Lei da Anistia (Lei nº 6.683), sancionada em 28 de agosto de 1979 pelo presidente João Baptista Figueiredo, foi um marco na transição para a redemocratização. Ela concedeu perdão aos perseguidos políticos, permitindo o retorno de exilados e banidos, a libertação de presos, e a anulação de processos em tribunais militares.

No entanto, a Lei da Anistia é um tema de intensa discussão e uma exceção importante para concursos públicos devido às suas características e consequências.

4.1. Contexto de Criação: Não Espontânea, Mas Pressionada

A anistia não foi uma decisão espontânea da ditadura. Começou a ser gestada pelo antecessor de Figueiredo, General Ernesto Geisel, como parte de sua política de "lenta, gradativa e segura distensão" em 1974. A pressão social de organizações como o Movimento Feminino pela Anistia e o Comitê Brasileiro pela Anistia, apoiadas por entidades influentes como a OAB, ABI e CNBB, foi crucial.

4.2. Os Dois Problemas Graves da Lei da Anistia: Restrição e Impunidade

Desde sua origem, a lei foi alvo de fortes críticas, especialmente do MDB (o único partido de oposição na época) e de organizações civis e religiosas.

  • 1. Anistia Restritiva aos "Terroristas":

    • A lei negava o perdão aos "terroristas" que tivessem sido condenados de forma definitiva por crimes como homicídio e sequestro em ataques ao regime. Contraditoriamente, aqueles que respondiam a processos semelhantes, mas ainda com possibilidade de recurso, seriam anistiados.

    • O slogan popularizado na época, "anistia ampla, geral e irrestrita", era a demanda da oposição, que apresentou inúmeras emendas para derrubar essa exclusão.

    • O presidente Figueiredo justificou a exclusão alegando que os crimes desses indivíduos não eram "estritamente políticos", mas "contra a humanidade, repelidos pela comunidade universal".

    • Presos políticos fizeram greve de fome em protesto contra essa exclusão.

  • 2. A "Autoanistia" dos Torturadores (Crimes Conexos):

    • Este é o ponto mais controverso e prioritário para concursos. A lei concedeu perdão aos militares que cometeram abusos, incluindo tortura e execução de adversários da ditadura, garantindo que jamais seriam punidos ou sentariam no banco dos réus.

    • A lei era intencionalmente obscura, sem citar explicitamente os militares, mas anistiando todos que tivessem cometido "crimes conexos", definidos como "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política". Assim, os agentes da repressão ficaram amparados por esse amplo guarda-chuva.

    • Parlamentares do MDB denunciaram que a lei pretendia que "mortes, choques elétricos, lesões corporais, as mais variadas torturas fossem esquecidas". Eles argumentavam que torturadores "não atuam por valores relevantes, mas sim por servilismo ou para satisfazer instintos" e que seus atos eram "crimes contra a humanidade", não políticos, e portanto, não dignos de anistia.

    • A historiadora Vanessa Dorneles Schinke explica que a oposição aceitou a lei, apesar de suas falhas, porque era a "anistia possível" no contexto político da época, e não ter anistia nenhuma.

    • O historiador Carlos Fico sugere que a exclusão dos "terroristas condenados" pode ter sido uma "cortina de fumaça" para encobrir o verdadeiro desejo da ditadura: a autoanistia. Enquanto o debate se focava na inclusão dos condenados por "crimes de sangue", o perdão aos torturadores foi aprovado com facilidade.

4.3. Consequências da Lei da Anistia

Apesar das críticas, a lei foi aprovada como o governo queria, devido à maioria do partido governista (ARENA) no Congresso. A anistia marcou o fim do "ciclo punitivo da Revolução de 64". A volta dos exilados, como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes e Paulo Freire, foi uma consequência direta. O governo também usou isso como estratégia para pulverizar e enfraquecer a oposição, permitindo a criação de novos partidos e mantendo o controle sobre a abertura política.

5. Justiça de Transição no Brasil: Avanços, Desafios e Impunidade Persistente

A "justiça de transição" é um campo de estudo e ação que busca enfrentar os legados repressivos de um passado violento. É um conjunto de "processos e mecanismos" ou "abordagens e estratégias" utilizadas em períodos de mudança política para lidar com violações massivas de direitos humanos, visando garantir a responsabilização, promover a justiça e alcançar a reconciliação. Não há uma receita pronta, e cada país deve adaptar o processo à sua realidade.

5.1. A Particularidade da Justiça de Transição Brasileira: Atraso e Fragilidade

A experiência brasileira de justiça de transição é "excepcionalmente tardia" em comparação com outros países da América do Sul.

  • Na Argentina, a comissão da verdade (Conadep) foi instalada no mesmo ano em que as eleições diretas foram restabelecidas (1983), em grande parte devido à desmoralização do regime militar após a derrota na Guerra das Malvinas. Isso permitiu que a maior parte dos líderes da ditadura argentina, incluindo o último presidente, fosse condenada à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

  • O Brasil, ao contrário, só começou a estabelecer seus primeiros mecanismos de justiça de transição na segunda metade da década de 1990, quase uma década após a transição política, e sem que houvesse responsabilização criminal ou cível dos perpetradores.

Essa lentidão e a fragilidade na recuperação factual e punição dos responsáveis pelas torturas, assassinatos ou desaparecimentos forçados no Brasil contrastam fortemente com a Argentina.

5.2. Principais Mecanismos de Justiça de Transição no Brasil

Apesar do atraso, o ritmo da justiça de transição brasileira se acelerou nos anos recentes com a criação de importantes ferramentas:

  • Lei da Anistia (1979) e a Constituição de 1988:

    • Como visto, a Lei de Anistia foi o primeiro passo, mas controversa.

    • A Constituição Federal de 1988 trouxe um avanço inegável, especialmente o Art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que ampliou o leque de destinatários da anistia, incluindo aqueles que pegaram em armas, e serve de fundamento para a maioria das ações de reparação tomadas pelo governo brasileiro.

  • Lei nº 9.140/1995 (Reconhecimento de Mortos e Desaparecidos):

    • Marcos importante, pois o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade no desaparecimento forçado e assassinato de opositores políticos entre 1961 e 1979 (período depois estendido até 1988).

    • Isso teve significativa importância moral e financeira para as famílias, afirmando as vítimas e viabilizando pensões e indenizações.

  • Reparações (Lei nº 10.559/2002):

    • Regulamentou o Art. 8º do ADCT, estabelecendo o "Regime do anistiado político".

    • Inclui reparação econômica de caráter indenizatório e reparação moral ou simbólica, como o pedido de desculpas oficial do Estado brasileiro, além da recuperação de posições jurídicas (retomada de cursos, reintegração de servidores).

  • Centro de Referência Memórias Reveladas (Criado em 2009):

    • Uma iniciativa federal voltada para a proteção e difusão do patrimônio documental brasileiro do período da ditadura militar.

    • Seu objetivo é aprimorar a democracia brasileira, facilitando o acesso a documentos sobre o regime militar. É análogo ao Archivo Nacional de la Memoria da Argentina.

    • O Brasil detém o maior acervo documental sul-americano sobre a repressão política da segunda metade do século XX, estimado em aproximadamente 28 milhões de páginas de documentos textuais, além de acervo audiovisual e iconográfico.

    • Em 2011, acervos do Sistema Nacional de Informações e Contrainformação (Sisni) foram reconhecidos como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO, no programa Memória do Mundo (MoW), destacando a importância da documentação para a promoção dos direitos humanos e para a não repetição das atrocidades.

    • O Memórias Reveladas articula uma rede de mais de noventa instituições parceiras, promovendo a cooperação e difusão de boas práticas.

    • Desafios: Apesar dos avanços, ainda existem desafios, como o "desaparecimento" de acervos importantes (CIE, Cenimar, Cisa) e a falta de tratamento arquivístico adequado para muitos documentos localizados, que permanecem inacessíveis. Além disso, o Centro não possui orçamento próprio, o que levanta questões sobre a continuidade de suas atividades.

  • Lei de Acesso à Informação (LAI) – Lei nº 12.527/2011:

    • Promulgada em 18 de novembro de 2011, no mesmo dia da lei que criou a CNV.

    • Disciplinou adequadamente o acesso a informações públicas de proveniência federal.

    • Antes da LAI, o acesso era restrito; agora, permite o acesso integral a documentos referentes aos órgãos de repressão política no período de 1964-1985 para qualquer pessoa, sem necessidade de declinar razões.

    • No Arquivo Nacional, é possível acessar presencialmente cerca de 12 milhões de documentos digitalizados.

  • Comissão Nacional da Verdade (CNV) – Lei nº 12.528/2011:

    • Criada em 18 de novembro de 2011 e funcionou entre 2012 e 2014.

    • Sua atribuição era esclarecer a autoria dos casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres ocorridos durante a ditadura.

    • O relatório final, com 4.328 páginas, consolidou o trabalho da comissão, identificando 377 responsáveis por crimes na ditadura. Desses, 196 estavam vivos.

    • A CNV recomendou a responsabilização criminal, civil e administrativa desses 196 indivíduos.

    • Também recomendou a revisão do trecho da Lei da Anistia que estende o benefício para agentes da ditadura.

    • Apesar dos esforços da CNV, a fragilidade da recuperação factual e da punição dos responsáveis no Brasil ainda é uma preocupação, contrastando com outros países da América Latina.

5.3. O Sombrio Legado e a Necessidade de Memória e Justiça

Apesar dos avanços na criação de mecanismos de justiça de transição, a transição democrática no Brasil ainda é considerada incompleta, especialmente no que diz respeito à justiça. A não responsabilização dos perpetradores de violações de direitos humanos tem impactos diretos, evidenciados pelo fato de que a polícia brasileira, em certos aspectos, mata mais e comete mais abusos hoje do que no período da ditadura.

A adoção de políticas de memória específicas, como as iniciativas do Memórias Reveladas, busca combater as "políticas de esquecimento" – tanto as ações para apagar a história quanto a mera ausência de políticas de memória. Os acervos da ditadura são fundamentais para:

  • Determinar responsabilidades por injustiças e crimes no presente.

  • Identificar as estruturas e contextos que permitiram a ditadura e sua manutenção por mais de duas décadas.

  • Reforçar o entendimento coletivo de que o conhecimento do passado é crucial para enfrentar os desafios da democracia atual e garantir que as atrocidades não se repitam.

O direito à memória e à verdade é um direito transindividual que alcança diversos grupos da sociedade, independentemente de legislação estatal. O que foi feito deve ser conhecido para que se possa prosseguir na construção da democracia brasileira. Milhões de documentos ainda aguardam digitalização e difusão, e há um patrimônio documental produzido pelo Estado que permanece desaparecido. A luta pela verdade e justiça é uma luta permanente que deve focar na educação dos mais jovens.

Um Passado Que Ainda Ecoa no Presente

A Ditadura Militar Brasileira e sua brutal repressão política deixaram cicatrizes profundas na sociedade. A tortura sistemática, os desaparecimentos forçados e a violência generalizada foram a tônica de um regime que se blindou com uma Lei da Anistia controversa, garantindo a impunidade dos torturadores e perpetuando a dor das vítimas e seus familiares.

Embora mecanismos de justiça de transição, como a Comissão Nacional da Verdade, o Memórias Reveladas e a Lei de Acesso à Informação, representem importantes avanços na busca pela verdade e reparação, a justiça completa, no sentido de responsabilização criminal dos perpetradores, ainda é uma dívida do Estado brasileiro.

Compreender este período é mais do que um exercício histórico; é um dever cívico para fortalecer a democracia, combater a impunidade e assegurar que os horrores do passado jamais se repitam. A memória é um bem público, um pilar fundamental para a construção da identidade de um país. A luta por memória, verdade e justiça continua sendo uma bandeira essencial para o futuro do Brasil.


Questões de Múltipla Escolha:

  1. Qual era o objetivo principal da repressão política e da tortura durante a Ditadura Militar no Brasil?

a) Garantir liberdade de expressão.
b) Silenciar e controlar a oposição ao regime autoritário.
c) Promover o diálogo entre diferentes grupos políticos.
d) Estimular a participação democrática.

  1. Qual foi um dos exemplos citados de medidas de repressão política durante a Ditadura Militar?

a) Liberdade de imprensa.
b) Perseguição a artistas e intelectuais.
c) Incentivo à diversidade ideológica.
d) Fortalecimento dos movimentos sociais.

  1. Como a sociedade brasileira reagiu à repressão política e à tortura durante o regime militar?

a) Aumentando a censura à imprensa.
b) Mobilizando-se pela defesa dos direitos humanos e pela redemocratização.
c) Apoiando abertamente o regime autoritário.
d) Ignorando as violações aos direitos humanos.

Gabarito:

  1. b) Silenciar e controlar a oposição ao regime autoritário.

  2. b) Perseguição a artistas e intelectuais.

  3. b) Mobilizando-se pela defesa dos direitos humanos e pela redemocratização.