Para cineastas, escritores ou estudantes que se preparam para concursos públicos, dominar os Elementos da Narrativa é fundamental. Eles são responsáveis por moldar como uma história é contada, entregue e recebida pelo público.
Em sua essência, os elementos da narrativa são as formas que ajudam na sucessão de acontecimentos (enredo), na identificação dos agentes da trama (personagens), na descrição do local (espaço) e no contexto da história (tempo).
A Narratologia, o estudo das narrativas de ficção e não-ficção, busca entender exatamente essas estruturas e elementos. Compreender esses componentes vai além de ter uma ideia criativa; trata-se de um domínio profundo de como esses elementos se articulam para serem eficazes e envolventes.
Os cinco elementos básicos procuram responder a perguntas cruciais dentro da narrativa:
O que aconteceu? (o fato, o enredo).
Quando aconteceu? (o tempo).
Onde aconteceu? (o cenário, o espaço).
Como aconteceu? (o enredo).
Quem diz (e como diz) o que aconteceu? (o narrador ou foco narrativo).
Em muitos manuais e aulas, cinco elementos principais formam a base: Personagem, Enredo, Narrador, Tempo e Espaço. Para facilitar a memorização, alguns utilizam a palavra mnemônica "P.E.N.T.E.".
A seguir, apresentamos os elementos da narrativa organizados em uma sequência didática, do conceito mais acessível ao mais subjetivo e cobrado em provas, focando em detalhes e exceções.
(Nível Didático: Essencial. Prioridade Máxima em Concursos Públicos.)
O narrador é a "voz textual" da narração e é o elemento que atribui o foco narrativo, ou seja, o ponto de vista ou ângulo pelo qual o leitor acessa a história. O foco narrativo é a maneira como se narra.
A escolha do ponto de vista altera drasticamente a conexão emocional do espectador com os personagens e como a trama é percebida.
O narrador pode ser classificado em duas categorias fundamentais: em primeira pessoa (participante) ou em terceira pessoa (não participante).
Quando o narrador usa a primeira pessoa, a história é contada sob a ótica dele.
Neste tipo de foco narrativo, a história gira em torno do próprio narrador, que participa ativamente das ações.
Características: Sua visão é subjetiva e parcial. Ele expõe suas opiniões, emoções, sentimentos e pensamentos, estabelecendo uma relação de confissão e proximidade com o leitor.
Exemplo Clássico: Bentinho em Dom Casmurro, cuja narrativa, por ser contada sob sua ótica, demonstra a parcialidade das informações, não havendo espaço para a visão alternativa (de Capitu ou Escobar).
Aqui, o narrador é um coadjuvante que narra os feitos de outro (o protagonista). Ele só viu os fatos e os conta a partir de sua versão.
Características: A narrativa é construída sob o ponto de vista de uma personagem que está próxima da protagonista, conseguindo aproximá-la do leitor. Contudo, há também um fator de parcialidade, pois a testemunha descreve a protagonista a partir de seu olhar (ex: descrevendo-a como sagaz ou inteligente), e o leitor tende a construir a mesma imagem parcial.
Exemplo Clássico: Watson, amigo de Sherlock Holmes.
Neste caso, o narrador não participa da ação, contando a história como alguém que a percebe de fora.
Conta a história de fora, apenas a partir do que ele viu ou do que o personagem disse, não falando sobre o que sabe de modo oculto.
Características: Por estar distante, a relação não é íntima, prevalecendo certa neutralidade. O conhecimento das personagens é mais superficial, e o foco maior é dado aos acontecimentos (enredo). Cabe ao leitor formar sua própria opinião acerca da personagem.
O narrador onisciente tem conhecimento completo de toda a narrativa e de todos os aspectos de cada personagem e situação. Ele sabe o que os personagens sentem e o que vai acontecer. Por possuir acesso ao que é íntimo (emoções e pensamentos), ele sai da superficialidade e provoca maior imersão do leitor.
O onisciente é o narrador mais comum na literatura clássica e se divide em dois tipos cruciais para exames:
Narrador Onisciente Neutro: Conhece intimamente todas as personagens, mas procura agir de forma neutra, sendo imparcial e sem intenção de influenciar o leitor.
Narrador Onisciente Intruso: Conhece as emoções e pensamentos, mas emite opinião e procura induzir o leitor a concordar com ele, prevalecendo, portanto, a parcialidade.
(Nível Didático: Intermediário. O Coração da Narrativa.)
Os personagens são o coração pulsante de qualquer narrativa e são as "criaturinhas de papel e letras que a gente ama". Filmes e histórias que se destacam apresentam personagens complexos que evoluem ao longo do tempo.
Eles são essenciais porque acrescentam o que toda história precisa para funcionar: humanidade e empatia.
Protagonista (ou Herói): É o personagem principal. Ele é o eixo central da história, e toda a narrativa gira em torno dele.
Anti-Herói: É um tipo de protagonista que possui menos qualidades ou é imperfeito, com o qual o público se identifica por suas características humanas e falhas, batalhando e sofrendo.
Antagonista (ou Vilão): Aquele que se opõe ao protagonista. Ele cria o conflito e a tensão na narrativa.
Nota Importante (Exceção/Exame): Nem todo antagonista é vilão. Antagonistas são personagens que se opõem ao protagonista em algum atributo, mas não necessariamente personificam o "Mal". É comum a existência de antagonistas secundários.
Coadjuvantes (ou Secundários): Têm importância, mas pouco participam diretamente do conflito. Funcionam como uma espécie de escada ou suporte para o protagonista e o antagonista.
Par Romântico/Mocinha: Representa o objeto de afeto do protagonista.
Alívio Cômico: Personagens cuja função é predominantemente humorística, como amigos ou ajudantes do protagonista.
O personagem é o elemento mais acessível e expansivo da narrativa. A capacidade de um romance em seduzir o leitor está indubitavelmente ligada à consistência do personagem.
Humanidade do Ficcionista: A chave para a consistência é o ficcionista transpor no papel seu caráter humano. Assis Brasil defende que o personagem deve ser o contrário de um manequim: ele precisa se assemelhar a nós, apresentando um balanço de qualidades e defeitos. Apenas um ser humano pode alcançar outro, e essa é a premissa da sedução na narrativa.
Personagens Planos vs. Esféricos (Dicotomia para Exames): Personagens que se prendem a estereótipos (claramente "bem" ou "mal") são chamados de "planos" (ou "rasos"). Quando a identificação moral é mais complexa, com detalhamentos profundos, diz-se que são "esféricos" (ou "profundos").
A Questão Essencial: O ficcionista deve ter em mente a totalidade do personagem (personalidade, qualidades, defeitos) antes de escrever, especialmente sua questão essencial. A questão essencial são os conflitos internos da personagem, suas dúvidas e o que a movimenta a agir. Quanto mais universal for essa questão, mais facilmente atingirá um maior número de leitores, permitindo a identificação. O conflito pode se resolver, mas a questão essencial, que torna o personagem quem é, permanece.
(Nível Didático: Básico.)
O espaço corresponde ao "onde" da narrativa. Ele é o ambiente onde a história se passa. O cenário tem a função de criar imersão, situando o público no espaço e no tempo.
Físico (ou Concreto): Corresponde ao local materializável, como um país, uma cidade, uma casa ou um quarto. Pode ser realista (na própria realidade do público) ou geoficção (um lugar fictício criado, como a Terra Média).
Psicológico: Acontece na cabeça da personagem, sendo imaterializável. É frequentemente usado em autores modernos, como Clarice Lispector.
(Nível Didático: Intermediário.)
O tempo é o momento em que a história ocorre.
Muitas narrativas não têm apenas um tipo de tempo, mas sim uma alternância entre eles.
Tempo Cronológico: É o tempo do calendário, do relógio, marcado por horas, dias, anos, ou séculos. Geralmente, está presente em narrativas focadas na ação.
Tempo Psicológico: É o tempo da mente, da memória. Envolve flashbacks ou premonições, não sendo linear. Quando o tempo psicológico é utilizado, o foco da história está no personagem e em sua memória, e não propriamente nos fatos.
(Nível Didático: Avançado. Estrutura e Exceções para Exames.)
O enredo, também chamado de trama, intriga ou ação, é o elemento responsável pela construção da sucessão de eventos (os fatos e acontecimentos) dentro do universo narrativo. Ele é a espinha dorsal de qualquer filme. A principal característica do enredo é o conflito, que cria a tensão.
O enredo, em sua forma padrão, é estruturado em quatro partes:
Apresentação (Introdução/Exposição): Onde ocorre a introdução de personagens, tempo e espaço. Ela situa o leitor, oferecendo informações iniciais.
Complicação (Desenvolvimento): Grande parte da história se desenvolve, e um fato ou ação introduz o conflito. O conflito é o motor que impulsiona a história, sendo tudo o que impede um personagem de atingir seu objetivo.
Clímax: O momento mais tenso e emocionante da trama, o ponto alto da história. É o ponto a partir do qual a trama se desfaz e se encaminha à resolução.
Desfecho (Conclusão/Resolução): O encerramento do enredo com a solução do conflito principal. O desfecho pode ser caracterizado como a resolução do conflito, mas, em diversos casos, pode apresentar uma interpretação aberta ou uma amarração para continuidade (recurso muito usado em trilogias).
Esta é uma das formas mais clássicas e práticas de contar uma história, dividindo-a em três partes distintas, mas correlacionadas:
Primeiro Ato (Apresentação): Os personagens principais são apresentados, o espectador conhece as regras do universo e o conflito inicial é estabelecido (ex: Simba, Mufasa e Scar em O Rei Leão).
Segundo Ato (Desenvolvimento): É a maior parte do filme (cerca de 50% do tempo). A liderança enfrenta desafios crescentes. O personagem lida com perdas e nega responsabilidades, fugindo para o exílio (ex: Simba fugindo após a morte de Mufasa).
Terceiro Ato (Resolução): O conflito principal é resolvido, e a história chega ao clímax.
Ocorre quando os fatos não seguem a ordem natural dos acontecimentos. A trama pode começar pelo desfecho e retornar à apresentação.
Exemplo Clássico: Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, onde a narrativa tem início com a morte do protagonista.
É focado em fatos emocionais e interiores aos personagens, nem sempre correspondendo a ações externas. Está diretamente ligado ao uso do Tempo Psicológico.
Exemplo Clássico: O Ovo e a Galinha, de Clarice Lispector.
(Nível Didático: Intermediário/Avançado. O Motor da História.)
O conflito é o que move a história; uma história sem conflito não é uma história. Ele é inegavelmente o motor que impulsiona a narrativa, criando a tensão e o drama necessários para o espectador continuar assistindo ou lendo.
O conflito é um problema, uma perturbação na ordem natural das coisas. Ele pode ser:
Interno (Psicológico): Ocorre dentro do personagem, como a luta contra um vício, a ganância ou a busca incansável por poder (ex: a luta de Jordan Belfort contra o vício em O Lobo de Wall Street).
Externo (Físico ou Social): Envolve outras pessoas, a força da natureza, um sistema (como um governo ou ditadura), ou a pressão de organizações (ex: o FBI pressionando a empresa em O Lobo de Wall Street).
Além dos elementos básicos, a Narratologia, especialmente no cinema e na literatura moderna, considera outros fatores essenciais para a profundidade e o impacto da história.
A temática é a ideia ou mensagem central que a narrativa busca explorar. Ela é o "coração" do filme.
Função: Um tema claro e planejado é fundamental para que a história fique gravada na mente dos leitores, mas não precisa ser explicitado; deve-se criar maneiras inteligentes de fazer o leitor tirar suas próprias conclusões.
Exemplos: Temas universais como amor, vingança, poder, redenção. Em Coringa, o tema central é o impacto da marginalização social e da fragilidade mental.
O diálogo é uma das ferramentas mais diretas para expor a narrativa. Contudo, o que torna a cena interessante é o subtexto, que é o que está por trás das palavras que são ditas.
Exemplo: Em O Poderoso Chefão, quando Michael Corleone fala em "resolver um problema com um concorrente", o subtexto é que ele está falando em matar o rival. A morte é o subtexto; a resolução é a palavra dita.
No cinema, antes de tudo uma arte visual, muitas vezes mostrar é muito mais eficiente do que dizer. Isso significa usar imagens, composições de cena, iluminação e movimento de câmera para contar histórias.
Exemplo: A abertura de 2001: Uma Odisseia no Espaço não tem diálogo, mas as imagens contam a história da evolução humana. Em Mad Max: Estrada da Fúria, a história e emoções são transmitidas por ações e imagens impactantes, com pouquíssimos diálogos.
O ritmo de uma narrativa é crucial para manter o público engajado. Uma história pode alternar entre momentos de alta intensidade e calmaria para criar uma experiência emocionalmente envolvente.
Tipos de Ritmo: Pode ser acelerado (como em Batman: O Cavaleiro das Trevas, mantendo o espectador na ponta do sofá) ou mais contemplativo e poético (como em A Árvore da Vida, convidando à reflexão).
O simbolismo é o uso de imagens ou objetos que representam algo maior do que si mesmos dentro da história.
Exemplo: O farol verde em O Grande Gatsby simboliza os sonhos inalcançáveis de Gatsby — sua busca por riqueza, status e o amor de Daisy. Em Blade Runner, os olhos sintéticos simbolizam o que significa ser humano.
O estilo é a impressão digital do escritor. É o que difere um artista do outro, sendo uma mistura de muitas referências, opiniões e conhecimentos.
Conselho Didático: Um estilo próprio surge com o tempo. Acumular uma bagagem cultural vasta e eclética (livros, filmes, músicas) é a melhor forma de desenvolvê-lo. Não há estilo "bom" ou "ruim"; a apreciação é subjetiva.
A estrutura padrão (Introdução, Complicação, Clímax, Desfecho) descreve a sequência de eventos de forma geral. A Estrutura de Três Atos (Apresentação, Desenvolvimento, Resolução) é um modelo clássico e prático, frequentemente usado no cinema e teatro, que abrange e organiza esses mesmos momentos dentro de "atos" maiores, sendo o segundo ato, o Desenvolvimento/Complicação, o mais longo da narrativa.
O personagem é o elemento que representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor. Ele é considerado o coração da narrativa e o mais acessível e expansivo dos elementos. Muitos críticos e autores defendem que se "perdoam os mais graves defeitos de enredo e de ideia aos grandes criadores de personagens". A capacidade de criar um personagem consistente — que se assemelhe a um ser humano real, com sua complexidade e "questão essencial" — é a chave para o ficcionista cativar o leitor.
Não. Verossimilhança significa parecer real dentro da história, respeitando as regras estabelecidas para aquele universo narrativo. Se a história fosse obrigada a parecer real na nossa realidade palpável, não existiriam histórias de Harry Potter ou sobre bichos que falam. O sentimento de real que o leitor experimenta está na coerência e profundidade da estrutura interna da narrativa e do personagem, e não na semelhança com o mundo externo.
O desafio está em criar um ambiente único e imersivo sem sobrecarregar o leitor com informações desnecessárias (infodump). Muitos autores se apaixonam por seus mundos e acabam inserindo detalhes que não servem à trama, transformando o texto em um "livro didático".
Dominar a narrativa vai além de ter uma boa ideia. Envolve equilibrar todos os elementos de forma harmônica, criando uma história que não apenas entretém, mas que ressoa emocionalmente com o público.
A Narratologia, consolidada por pesquisadores como Roland Barthes e Vladimir Propp, é particularmente útil para a dramaturgia e o roteiro de audiovisual (cinema, TV, jogos).
Modelos estruturais, como o desenvolvido por Vladimir Propp em A Morfologia dos Contos de Fadas, identificam as 7 classes de personagens ("agentes"), 6 estágios de evolução da narrativa e 31 funções narrativas que formam uma linha narrativa fundamental. Propp estabeleceu um paradigma que influenciou mitólogos como Joseph Campbell, que, em O Herói de Mil Faces, introduziu o conceito de monomito (a jornada universal do herói).
Esses modelos foram apropriados pela indústria de Hollywood, resultando em manuais como o de Syd Field (que notou a cronometragem fixa dos plot points em filmes de sucesso) e o Memorando de Vogler (baseado em Campbell, que identificou um modelo específico de estrutura narrativa bem-sucedida para desenhos animados, como os da Disney).
A articulação eficaz de cada escolha narrativa — seja no desenvolvimento dos personagens, na construção dos diálogos, ou na maneira como a câmera captura a cena — influencia diretamente a conexão emocional que o espectador terá com a sua obra.