A Idade Média, muitas vezes equivocadamente rotulada como um período de "trevas intelectuais", foi, na verdade, um caldeirão de efervescência filosófica e teológica. Dentro desse contexto, surge a Escolástica, um dos movimentos mais influentes e duradouros da Filosofia Medieval.
Aqui, desvendaremos a Escolástica de forma clara e didática, abordando suas características, fases, os principais pensadores e os debates que moldaram o pensamento ocidental. Nosso objetivo é que, ao final da leitura, você tenha uma compreensão sólida e articulada sobre o tema, respondendo a todas as suas perguntas e destacando os pontos mais cobrados em provas.
Para iniciarmos nossa jornada, é crucial entender o que é a Escolástica em sua essência.
A Escolástica foi um método de pensamento crítico e de aprendizagem que se desenvolveu nas escolas monásticas cristãs e, posteriormente, nas universidades medievais, conciliando a fé cristã com um sistema de pensamento racional, especialmente a filosofia grega, com grande influência de Aristóteles e Platão. Mais do que uma simples corrente filosófica, a Escolástica é um método de aprendizado que enfatizava a dialética para expandir o conhecimento por inferência e resolver contradições.
O termo "Escolástica" deriva do latim scholasticus, que significa "pertence à escola", "instruído" ou "sábio". Esse nome é uma referência direta ao fato de que esse pensamento surgiu e se desenvolveu nas escolas e universidades criadas pela Igreja Católica na Idade Média. A necessidade de formação em larga escala de sacerdotes e a forte implicação cultural e educacional da fé católica impulsionaram a criação dessas instituições.
A Escolástica é geralmente situada entre os séculos IX e XVI. Ela foi o método crítico dominante no ensino das universidades medievais europeias.
A Escolástica não nasceu do nada; ela foi uma resposta às necessidades e ao contexto de sua época:
Consolidação do Cristianismo: Após a Patrística (que veremos a seguir), o cristianismo já estava consolidado como a religião predominante na Europa, especialmente sob o domínio católico.
Renascimento Cultural e Urbano: O período feudal via uma reorganização urbana e comercial, o que impulsionou o desenvolvimento de centros de saber.
Criação de Escolas e Universidades: A Igreja, como guardiã dos valores espirituais e morais, investiu na educação para formar seus clérigos e pensadores. Essas instituições tornaram-se o ambiente para a discussão e construção do conhecimento. As primeiras universidades, como Paris e Bolonha, surgiram nos séculos XII e XIII, legitimadas pelo Papado.
Redescoberta dos Clássicos Gregos: Um fator crucial foi o contato com o mundo árabe (principalmente durante as Cruzadas) e o mundo bizantino. Os árabes, como Averróis e Avicena, foram fundamentais ao preservar e traduzir as obras de Aristóteles, que, até então, eram pouco conhecidas no Ocidente. Essa redescoberta revolucionou o pensamento medieval, introduzindo novas bases científicas e lógicas.
A questão-chave que atravessou todo o pensamento escolástico foi a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. Enquanto a fé era a base do cristianismo e vinha da revelação divina, a razão, inspirada na filosofia grega, era vista como um instrumento para aprofundar e defender essa fé. O objetivo era mostrar a racionalidade da fé cristã e construir uma doutrina teológica coerente e sistemática.
Para compreender a Escolástica, é fundamental conhecer o movimento filosófico e teológico que a precedeu e a influenciou: a Patrística.
A Patrística foi um movimento que surgiu na transição da Antiguidade para a Idade Média, estendendo-se do século I ao século VIII. Seu nome alude aos "Padres da Igreja Católica", os primeiros pensadores cristãos que se dedicaram a defender e expandir a aceitação do cristianismo, especialmente diante das perseguições iniciais.
Defesa da Fé Cristã: Os pensadores patrísticos utilizaram a filosofia e a razão para justificar e defender a fé cristã contra críticas e heresias, desenvolvendo uma base apologética.
Influência de Platão e Neoplatonismo: A Patrística teve uma forte influência da filosofia de Platão e do Neoplatonismo, utilizando suas ideias sobre metafísica e ética para evidenciar a visão cristã, especialmente em conceitos abstratos como Deus, alma, bem e mal, e o conceito do "Uno".
Subordinação da Razão à Fé: Pensadores como Santo Agostinho (seu principal representante) defendiam uma subordinação maior da razão à fé, acreditando que a fé restaurava a condição decaída da razão humana.
Enquanto a Patrística se concentrava na consolidação e defesa inicial da fé, a Escolástica buscou uma sistematização e um aprofundamento do conhecimento teológico e filosófico, com uma abordagem mais otimista sobre o papel da razão.
A Escolástica é didaticamente dividida em três períodos distintos, cada um com suas características e pensadores marcantes:
Esta fase foi o início da sistematização da teologia cristã. A influência neoplatônica da Patrística ainda era muito forte. Os pensadores desse período buscavam primordialmente esclarecer a fé a partir da razão, mas de forma mais incipiente e exploratória.
Pensadores Marcantes:
João Escoto Erígena (800-877): Introduziu a filosofia na pesquisa teológica, destacando o papel indispensável do intelecto para explicar e esclarecer a religião.
Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109): Um dos principais pensadores da Escolástica Inicial. Anselmo é altamente cobrado em concursos devido ao seu famoso Argumento Ontológico para a existência de Deus.
Argumento Ontológico de Santo Anselmo (MUITO COBRADO EM CONCURSOS): Este argumento não se baseia na experiência sensível, mas puramente no raciocínio. A ideia central é:
Imagine algo tão grandioso que não se possa imaginar nada maior [114a].
Se este algo tão grandioso existe apenas em nossa imaginação, ele não é tão grande assim, pois o que existe fora do intelecto é maior [114b].
Portanto, se você consegue imaginar algo tão grande (que não possa existir algo maior que isso), este algo deve existir tanto em sua mente quanto na realidade [114c].
Este algo imenso, que existe na sua imaginação e fora dela, e que de tão grandioso não existe nada maior, é Deus [114d].
Anselmo é associado à frase "Creio para compreender" (Credo ut intelligam), que resume sua abordagem de que a fé precede e ilumina a compreensão racional.
Considerada a "idade de ouro" da filosofia escolástica, esta fase marcou a ascensão e o florescimento da Escolástica nas universidades europeias. A característica mais marcante foi a incorporação da filosofia aristotélica de forma profunda.
O Impacto de Aristóteles: Graças às traduções de obras árabes de filósofos como Avicena e, principalmente, Averróis, os pensadores medievais ocidentais tiveram acesso à vasta obra de Aristóteles. Isso trouxe uma nova base para o pensamento teológico, impulsionando o uso da lógica e do método dialético para resolver debates filosóficos complexos.
Pensadores Chave:
Pedro Abelardo (1079-1142): Figura de grande prestígio do século XII. Sua obra deu uma nova face à lógica de Aristóteles e Boécio. Abelardo é central na querela dos universais, posicionando-se contra seu mestre Guillaume de Champeaux e retomando a definição de Aristóteles. Ele defendia a necessidade de observar uma ordem específica no estudo da lógica: termos simples, proposições e argumentações, assim como Aristóteles fez no Organon.
Alberto Magno (c. 1200-1280): Mestre de Tomás de Aquino. Ele foi fundamental na introdução e valorização de Aristóteles no pensamento escolástico.
São Boaventura (1217-1274): Um importante teólogo e filósofo franciscano, conhecido como "Doctor Seraphicus". Embora influenciado por Aristóteles, ele teve uma forte inclinação para a mística franciscana e Santo Agostinho. Boaventura buscou a união da razão e da fé, defendendo que a verdadeira sabedoria é alcançada pela experiência espiritual e revelação divina, culminando na contemplação de Deus (Itinerarium Mentis in Deum). Suas obras são testemunhas da ligação mútua entre Teologia e Filosofia no período escolástico.
São Tomás de Aquino (1225-1274): O MAIOR EXPOENTE DA ESCOLÁSTICA.
Esta fase é caracterizada pelo início da decadência da Escolástica. A rigidez e o poder exacerbado da Igreja Católica, que tentava controlar todos os aspectos da vida intelectual e cultural, contribuíram para seu declínio. No entanto, esse período também serviu como preparação para o Renascimento.
Pensador Chave:
Guilherme de Ockham (c. 1285-1349): Considerado o último grande expoente da Escolástica, mas também o que iniciou sua crise e fim.
Ruptura entre Fé e Razão (MUITO COBRADO): Ockham introduziu uma radical dicotomia entre o âmbito da Lógica e o da realidade, entre o conceitual e o real. Para ele, as verdades da fé não são evidentes nem prováveis pela razão humana, tornando-as inacessíveis a ela. Essa separação foi um afastamento significativo das reflexões de outros medievais, contribuindo para a crise da Escolástica.
"Navalha de Ockham": Embora o texto não utilize explicitamente esse termo, o princípio de parcimônia ou simplicidade ("pluralidade não deve ser postulada sem necessidade") está implícito na sua abordagem. Sua lógica visava "dar à lógica estatuto autônomo e mais rigoroso", tratando termos como "puros símbolos" e usando uma "análise linguística rigorosa", o que o leva a simplificar explicações e eliminar entidades metafísicas desnecessárias.
Para entender a Escolástica em profundidade, é essencial dominar alguns de seus conceitos e debates centrais.
A querela dos universais foi uma das discussões mais importantes e complexas da Escolástica, gerando intensos debates. O problema, deixado em aberto por Porfírio (c. 232-304), questionava o modo de existência dos universais (conceitos gerais como "homem", "beleza", "branco"): existem na realidade ou apenas no pensamento? Se existem na realidade, são corporais ou incorporais? Estão separados das coisas sensíveis ou dentro delas?.
Dessa discussão, surgiram duas grandes posições, e uma terceira intermediária:
Realistas: Defendiam a existência factual dos universais como instâncias metafísicas, independentes dos objetos particulares. Para eles, a ideia universal de "brancura" existiria em si mesma, mesmo que não houvesse objetos brancos no mundo. Essa "brancura" seria uma essência anterior à experiência sensível, permitindo que se identificasse algo como branco. Guillaume de Champeaux foi um expoente dessa visão.
Nominalistas: Defendiam que os universais eram apenas nomes (flatus vocis - "sopros de voz") ou palavras criadas por convenção humana para representar e agrupar objetos com características comuns. Não haveria uma existência metafísica real para esses conceitos gerais. Roscelin de Compiègne foi um dos primeiros nominalistas, e Guilherme de Ockham mais tarde radicalizou essa posição, o que contribuiu para a separação da lógica da metafísica e do real.
Conceptualistas (Posição de Abelardo): Pedro Abelardo buscou uma solução intermediária. Para ele, os universais não seriam meros "sopros de voz" nem realidades subsistentes independentes das coisas. Eles seriam conceitos na mente humana, formados a partir da observação das semelhanças entre as coisas particulares, mas não existiriam como entidades separadas fora da mente ou nos objetos em si. Ele retomou a definição de Aristóteles de universal como "o que se predica de muitos", opondo-o ao singular.
Os debates sobre os universais eram frequentemente realizados através da Quaestio Disputata (questões disputadas), um método de debate público nas universidades que promovia o estudo da metafísica, lógica e retórica.
A Lógica, sistematizada por Aristóteles na coletânea do Organon, foi fundamental para a Escolástica. Muitos pensadores pós-aristotélicos a adotaram, desenvolveram ou criticaram.
Boécio (470-525): Considerado quase a única fonte do aristotelismo antes do século XIII e o fundador da tradição europeia da lógica. Boécio traduziu e comentou as obras lógicas de Aristóteles (Categorias e Da Interpretação), que se tornaram base de estudo obrigatório por séculos. Sua lógica, embora não muito original, era refinada e introduziu a lógica antiga na Idade Média. Ele também discutiu se a lógica era parte da filosofia ou um instrumento, concluindo que era ambos.
Estóicos: Pensadores da Estoa (período pré-medieval) dividiam a lógica em retórica (discursos contínuos) e dialética (discursos de perguntas e respostas). O objeto de estudo incluía representações, proposições, raciocínios e sofismas. Eles formalizaram a lógica herdada de Aristóteles em seu viés proposicional, utilizando números no lugar de letras e distinguindo proposições simples e não-simples. Essa abordagem influenciou os lógicos medievais.
Pedro Abelardo: Estruturou seus estudos lógicos seguindo a ordem aristotélica: termos simples, proposições e argumentações.
Tomás de Aquino: Para Aquino, a Lógica era o "vestíbulo da filosofia", o instrumento para trilhar corretamente na razão e obter o conhecimento da verdade. Ele a via como a ciência da razão, que "ensina a pensar ordenadamente, facilmente e sem erros" e fornece instrumentos como silogismos e definições. Aquino seguia a estrutura do Organon de Aristóteles, tratando das operações do intelecto: a simples apreensão (no Categorias), as enunciações afirmativas e negativas (no Da Interpretação), e o silogismo e argumentações (no Primeiros e Segundos Analíticos).
Guilherme de Ockham: Considerava a lógica indispensável para o desenvolvimento do conhecimento, fornecendo segurança para as demais ciências. Ele buscou dar à lógica um "estatuto autônomo e mais rigoroso", o que levou a uma radical dicotomia entre o conceitual (lógico) e o real.
A relação entre fé e razão é, sem dúvida, o tema central e mais emblemático da Escolástica, gerando diferentes abordagens entre os pensadores.
São Tomás de Aquino (A Visão Dominante): Tomás de Aquino foi o grande defensor da complementaridade entre fé e razão. Para ele, a razão humana, embora limitada, pode chegar ao conhecimento de Deus, mas a verdadeira sabedoria e as verdades mais profundas só são alcançadas por meio da experiência espiritual e da revelação divina. Ele expressou essa relação na máxima "a filosofia é serva da teologia" (philosophia ancilla theologiae est), significando que a filosofia fornece as ferramentas lógicas e argumentativas para a compreensão e defesa das verdades da fé, sem, contudo, substituí-la. A razão pode, inclusive, provar a existência de Deus (como nas Cinco Vias), mas a plena compreensão de Deus exige a fé.
Guilherme de Ockham (A Ruptura): Diferentemente de Tomás, Ockham promoveu uma ruptura significativa entre fé e razão. Para ele, as verdades da fé (como a existência de Deus, a Trindade) não são evidentes nem demonstráveis pela razão humana. Elas são objetos de fé pura, inacessíveis à lógica e à filosofia. Essa separação foi um marco, preparando o terreno para o desenvolvimento autônomo da ciência e da filosofia na Modernidade, desvinculadas das amarras teológicas.
O ensino escolástico estava estruturado em torno das artes liberais, que eram a base da educação na Idade Média. Elas eram divididas em dois grupos:
Trivium: Artes voltadas para a linguagem:
Gramática: Estudo da língua e da escrita correta.
Retórica: Arte de persuadir e argumentar.
Lógica: Estudo do raciocínio e da argumentação válida.
Quadrivium: Artes voltadas para as ciências exatas e suas aplicações naturais:
Aritmética: Teoria dos números.
Geometria: Estudo das formas e espaços.
Astronomia: Estudo dos corpos celestes.
Música: Teoria musical.
Dominar essas artes era pré-requisito para ingressar nos estudos universitários de áreas como Direito, Medicina e Teologia.
Conhecer os principais pensadores da Escolástica é fundamental para compreender a diversidade e profundidade desse movimento.
Período: Escolástica Inicial.
Contribuição Principal: É amplamente conhecido por sua formulação do Argumento Ontológico para a existência de Deus, que tenta provar a existência de Deus a partir da própria ideia de Deus na mente (como detalhado acima). Sua abordagem "Creio para compreender" ressalta a primazia da fé, que, no entanto, busca a compreensão racional.
Período: Escolástica Alta.
Contribuições: Importante nome ligado à trajetória da lógica aristotélica no período medieval.
Querela dos Universais: Como vimos, ele apresentou uma posição intermediária (conceptualista), defendendo que os universais são conceitos na mente.
Dúvida e Crítica: Abelardo defendeu a dúvida e a crítica como ponto de partida para alcançar um conhecimento acessível à razão humana, mas que não fosse contrário às Sagradas Escrituras.
Curiosidade: Suas ideias, embora influentes, foram combatidas e ele foi perseguido por Bernardo de Claraval, sendo condenado pelo Concílio de Sens em 1140.
Período: Escolástica Alta.
Filosofia e Teologia: Foi um importante teólogo e filósofo franciscano, conhecido como "Doctor Seraphicus". Sua formação teológica combinava razão e fé, mas com uma forte inclinação para a mística.
Mística e Contemplação: Acreditava que a verdadeira sabedoria só pode ser encontrada pela experiência direta de Deus, através da contemplação e da união espiritual. Sua obra mais famosa, "Itinerarium Mentis in Deum" (O Itinerário da Mente para Deus), descreve esse caminho espiritual em direção a Deus, da criação do mundo à contemplação divina.
Legado: Sua influência perdura na teologia franciscana e na mística cristã.
Santo Tomás de Aquino foi, sem dúvida, o maior pensador escolástico e um dos mais influentes filósofos e teólogos da história ocidental. Ele é conhecido como "Doctor Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis".
Síntese Aristotélica e Cristã (Tomismo Aristotélico): Aquino foi o grande responsável por sintetizar a filosofia de Aristóteles com os princípios do cristianismo. Ele se referia a Aristóteles simplesmente como "o Filósofo". Embora tenha incorporado grande parte do pensamento aristotélico, Tomás de Aquino o adaptou à teologia cristã, como na ideia de um Deus criador (diferente do "Primeiro Motor Imóvel" de Aristóteles, que não conhece o mundo nem o dirige).
As Cinco Vias para a Existência de Deus (MUITO COBRADO EM CONCURSOS): Tomás de Aquino, buscando comprovar a existência de Deus de forma racional em um mundo que começava a se secularizar, elaborou cinco argumentos conhecidos como "quinque viae". Partindo de realidades observáveis (a posteriori), ele chega à necessidade de um ser primeiro:
A Via do Movimento (Primeiro Motor Imóvel): Observa-se que tudo no universo está em movimento. Tudo o que se move é movido por algo. Não se pode retroceder infinitamente em uma cadeia de moventes. Logo, deve haver um Primeiro Motor que não é movido por nada, e esse é Deus.
A Via da Causa Eficiente (Primeira Causa Eficiente): Tudo tem uma causa, e nada é causa de si mesmo. Assim como no movimento, uma cadeia infinita de causas é impossível. Portanto, deve existir uma Primeira Causa Eficiente, não causada por nada, e essa é Deus.
A Via do Ser Necessário e Seres Possíveis: Observamos seres que existem, mas que são contingentes (podem existir ou não). Se tudo fosse contingente, em algum momento nada existiria. Portanto, deve haver um Ser Necessário, que existe por si mesmo e é a causa da existência de todos os outros seres possíveis, e esse é Deus.
A Via dos Graus de Perfeição: Existem diferentes graus de perfeição nas coisas (algumas são mais boas, verdadeiras, nobres que outras). Essa gradação implica a existência de um Ser Sumamente Perfeito, que é a causa de toda perfeição nas demais coisas, e esse é Deus.
A Via da Finalidade ou Governo Supremo (Tendências Ordenadas da Natureza): Observamos que seres sem inteligência agem com um propósito e tendem a um fim (por exemplo, uma semente cresce e se torna uma árvore). Isso indica que são dirigidos por algo inteligente. Logo, deve haver uma Suprema Inteligência que ordena todas as coisas para seus fins, e essa é Deus.
Conceito de Lei (MUITO COBRADO EM CONCURSOS): Aquino distinguiu quatro tipos de lei que governam os atos humanos, formando uma corrente onde um elo leva ao outro:
Lei Eterna (Lex Aeterna): É a razão divina que governa todo o universo, o decreto divino que rege toda a criação. É imutável e eterna.
Lei Natural (Lex Naturalis): É a participação da razão humana na lei eterna. É o conhecimento inato do homem sobre o bem e o mal ("o bem deve ser feito e promovido e o mal, evitado"), baseada na sua natureza racional fornecida pelo Criador.
Lei Humana (Lex Humana): É a lei positiva, criada pela razão humana a partir dos princípios gerais da lei natural para casos concretos da sociedade. Deve derivar da lei natural e ser promulgada por uma autoridade para o bem comum.
Lei Divina (Lex Divina): É a lei revelada por Deus nas Escrituras (Antigo e Novo Testamento), necessária para dirigir o comportamento humano além do que a razão natural pode alcançar.
Obras Principais: Sua obra-prima é a "Suma Teológica" (Summa Theologiae), uma vasta síntese do conhecimento teológico e filosófico, considerada o exemplo maior da Escolástica. Outra obra importante é a "Suma contra os Gentios" (Summa contra Gentiles).
Período: Escolástica Tardia.
Contribuição Principal: Ockham é crucial por ser o "último grande expoente" da Escolástica, mas também por iniciar o processo de declínio através de sua radical separação entre fé e razão.
Verdades da Fé vs. Razão: Para Ockham, as verdades da fé são inacessíveis à razão e devem ser aceitas pela fé pura. A razão, por si só, não pode provar a existência de Deus ou outros dogmas religiosos.
Autonomia da Lógica e da Ciência: Essa dicotomia entre fé e razão abriu caminho para que a lógica e as ciências se desenvolvessem de forma mais autônoma, sem a necessidade de subordinação à teologia. Ele buscou dar à lógica um estatuto autônomo e mais rigoroso.
Nominalismo: Sua posição nominalista na querela dos universais foi um dos pontos que reforçou essa separação, tratando os termos como "puros símbolos".
"Navalha de Ockham": Embora não explicitamente no texto-fonte, seu princípio de parcimônia — que a explicação mais simples é geralmente a melhor, e que não se devem multiplicar entidades sem necessidade — está subjacente à sua filosofia e contribuiu para o rigor da lógica e a simplificação de conceitos metafísicos.
Obra Principal: Sua obra lógica mais importante é a "Summa totius logicae", que trata dos termos, proposições e silogismos.
A lógica, após Aristóteles, não ficou estagnada. Ela foi objeto de recepção, crítica e desenvolvimento pelos pensadores pós-aristotélicos, sendo essencial para a Escolástica.
Fundamentos Lógicos: A lógica dos estoicos, por exemplo, embora rival da aristotélica na Antiguidade, era considerada precursora de desenvolvimentos modernos no cálculo proposicional, o que influenciou os lógicos medievais.
Transmissão e Comentários: Boécio foi vital na transmissão do conhecimento lógico aristotélico para a Idade Média, com suas traduções e comentários sobre o Organon. Seus escritos transmitiram a teoria das inferências e dos silogismos.
Instrumento do Conhecimento: Pensadores como Tomás de Aquino viam a lógica como a "ciência da razão", um instrumento indispensável para o homem trilhar corretamente na razão e obter o conhecimento da verdade. Ela "fornece à especulação seus instrumentos, isto é, os silogismos, definições e similares, dos quais necessitamos nas ciências especulativas".
Inovação e Rigor: Ockham, por sua vez, procurou dar à lógica um "estatuto autônomo e mais rigoroso", buscando uma dicotomia entre o que era lógico (conceitual) e o que era real. Ele utilizou um método de interpretação rigorosamente fundado na argumentação lógica e na análise linguística.
A Escolástica, apesar de seu apogeu, entrou em declínio, mas seu legado é imenso e fundamental para a compreensão da filosofia e da ciência modernas.
O declínio da Escolástica foi um processo multifacetado, com causas internas e externas, que se acelerou a partir do século XIV:
Rigidez da Igreja: O controle excessivo e a rigidez da Igreja Católica sobre a vida intelectual e cultural foram fatores importantes. O Concílio de Sens (1140), que condenou Abelardo, e a Condenação de 1277 em Paris, que atingiu proposições de Tomás de Aquino, mostram essa tentativa de controle, que, no fim, sufocou a liberdade intelectual.
Crescimento do Nominalismo: A radical separação entre fé e razão proposta por Guilherme de Ockham e o nominalismo fragilizaram a síntese escolástica. Se a razão não pode alcançar as verdades da fé, a filosofia perde sua função de "serva da teologia", abrindo caminho para que cada domínio (fé, razão, ciência) siga seu próprio curso.
Ascensão de Novos Métodos Filosóficos e Científicos:
Críticas de Bacon e Descartes: Francis Bacon (1561-1626) se opôs veementemente ao método dedutivo aristotélico, propondo o método indutivo experimental em seu Novum Organum. René Descartes (1596-1650), por sua vez, embora defensor da dedução, criticou a lógica escolástica por ser estéril para a invenção científica e por focar em discussões sem fim. Ambos contribuíram para uma ruptura entre a razão pura (dedutiva) e os dados empíricos.
Surgimento de Novas Ciências: Galileu Galilei (1564-1642) propôs um método indutivo-dedutivo, exemplificando a nova abordagem científica que se distanciava do formalismo lógico aristotélico.
Reforma Protestante e Calvinismo: O crescimento de grupos protestantes, especialmente o calvinismo, atacou a base católica da Escolástica. Eles enfatizavam a fé pura na revelação divina e na vontade arbitrária de Deus, considerando a razão humana como "pecaminosa e corrupta" e, portanto, inadequada para derivar a ética ou a filosofia política. Essa visão se chocou com a ênfase tomista na razão e na lei natural, contribuindo para o declínio da influência escolástica.
Desenvolvimento das Línguas Vernáculas e da Imprensa: A substituição do latim pelas línguas vernáculas e a invenção da imprensa por Gutenberg (c. 1398-1468) democratizaram o acesso ao conhecimento, descentralizando a produção intelectual das universidades (que eram centros escolásticos) e permitindo que novos autores, não necessariamente professores, pudessem publicar suas ideias.
Iluminismo: Embora tenha florescido após o declínio da Escolástica, o Iluminismo (século XVIII) consolidou a ênfase na razão desvinculada da tradição medieval, o que levou a um "esvaziamento" da filosofia escolástica na academia.
Apesar de seu declínio, a Escolástica deixou um legado indelével para o pensamento ocidental:
Fundação das Universidades: As universidades, como instituições de ensino e pesquisa, surgiram e se desenvolveram sob a égide da Escolástica. Elas criaram um modelo de debate (disputatio) e sistematização do conhecimento que perdura até hoje.
Desenvolvimento da Lógica: A Escolástica refinou e aplicou a lógica aristotélica de maneiras complexas, preparando o terreno para desenvolvimentos lógicos posteriores.
Sistematização do Conhecimento: A Escolástica ensinou a pensar ordenadamente, facilitando a organização do conhecimento e a construção de teorias coerentes, o que foi fundamental para o surgimento da ciência moderna.
Influência no Direito e Economia: Pensadores escolásticos tardios, como Leonardo Léssio e Juan de Lugo (Escola de Salamanca), fizeram contribuições significativas para o pensamento econômico e jurídico, discutindo conceitos como preço justo, oferta e demanda, juros e o valor subjetivo da moeda, que anteciparam ideias da Escola Austríaca de Economia.
Base para Debates Posteriores: A Escolástica levantou questões filosóficas e teológicas que continuam a ser debatidas até hoje, como a relação entre fé e razão, a natureza dos universais e a ética.
Neoescolástica/Neotomismo: No final do século XIX, houve uma revitalização da filosofia escolástica, especialmente do tomismo de Tomás de Aquino, conhecida como Neoescolástica ou Neotomismo. O Papa Leão XIII, com sua encíclica Aeterni Patris (1879), incentivou o retorno à doutrina tomista como base da filosofia cristã, mostrando a relevância contínua do pensamento de Aquino.
É importante notar que, apesar de sua importância, a Escolástica e o pensamento tomista não foram imunes a críticas, tanto em seu tempo quanto posteriormente:
Críticas à Estagnação e Inutilidade: Pierre de la Ramée (século XVI) criticou a lógica escolástica por não levar a "resultado útil algum". Descartes também a considerava ineficiente para a invenção científica e útil apenas para "discussões sem fim".
"Deus dos Filósofos": Algumas das "provas da existência de Deus" de Tomás foram chamadas de "Deus dos Filósofos", um termo usado para designar abstrações muito distantes da realidade e da revelação, com críticos como Lorenz Puntel as considerando um "enfoque superficial".
Críticas de Bertrand Russell: O filósofo Bertrand Russell (século XX) criticou Tomás de Aquino por partir de conclusões pré-determinadas pela fé católica, o que, para ele, não seria verdadeira filosofia, mas sim uma "súplica especial". Russell também apontou falhas lógicas em algumas das Cinco Vias, como a suposta impossibilidade de uma série não ter um primeiro termo, algo que matemáticos sabem não ser uma impossibilidade.
A Escolástica, longe de ser apenas um capítulo "antigo" da história da filosofia, é uma pedra angular do pensamento ocidental. Para o estudante de hoje, especialmente aqueles que se preparam para concursos e vestibulares, compreendê-la é crucial por diversos motivos:
Base do Pensamento Ocidental: A Escolástica lançou as bases para grande parte do desenvolvimento intelectual, científico, jurídico e econômico que viria nos séculos seguintes. Ela é a ponte entre a Antiguidade e a Modernidade.
Entendimento de Debates Atuais: As questões de fé e razão, ética, metafísica e lógica que a Escolástica explorou continuam a ser relevantes e a fundamentar muitos debates contemporâneos.
Formação Crítica: O método escolástico de argumentação dialética e aprofundamento do conhecimento são exercícios valiosos para o desenvolvimento do raciocínio crítico.
Conteúdo Cobrado em Provas: Como demonstrado ao longo deste guia, diversos conceitos, pensadores e debates da Escolástica são frequentemente cobrados em provas de filosofia, história e outras áreas do conhecimento. Dominá-los é um diferencial.
Esperamos que este guia completo tenha iluminado o caminho da Escolástica para você, tornando este período da Filosofia Medieval não apenas compreensível, mas também fascinante e proveitoso para seus estudos. Lembre-se: o conhecimento é uma jornada, e cada período histórico oferece suas próprias e valiosas lições.