Fernando Pessoa (1888-1935) é amplamente considerado um poeta singular da literatura mundial, cuja importância é inquestionável, sendo reverenciado pela crítica até hoje. Nascido em Lisboa em 13 de junho de 1888, é o principal nome do Modernismo em Portugal.
Pessoa não se define como um só; ele foi muitos, utilizando o pretexto da heteronímia. Além de sua carreira literária, ele também atuou como publicitário, astrólogo, tradutor e empresário.
O Modernismo português iniciou-se em 1915 com a publicação da revista “Orpheu”, um movimento que buscava revolucionar e renovar a literatura e as artes, trazendo tendências de vanguarda, inconformismo, e um desejo de renovação cultural. Fernando Pessoa fez parte da primeira fase modernista (o Orfeísmo) e contribuiu para a fundação e difusão da revista.
Heterônimos são personalidades literárias criadas por Fernando Pessoa que, diferentemente dos pseudônimos (meros nomes falsos), possuem biografias, características pessoais, estilos de escrita e gostos distintos e particulares.
Estudos indicam que Pessoa assinou textos com cerca de 70 nomes diferentes. No entanto, ele criou biografias completas para apenas três deles, considerados os principais: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Exceção e Nuance (Semi-Heterônimo): Bernardo Soares é classificado como um semi-heterônimo. Essa classificação se deve ao fato de que ele possui características muito semelhantes às do próprio Fernando Pessoa ortônimo. O próprio Pessoa o descreveu como sendo "não diferente da minha [personalidade], mas uma simples mutilação dela" — ou seja, ele seria Pessoa "menos o raciocínio e afetividade".
Fernando Pessoa é o ortônimo quando assina textos como “ele mesmo”. Curiosamente, a poesia ortônima pode ser vista como a máscara atrás da qual o homem Fernando Pessoa se oculta.
A única obra em língua portuguesa que Fernando Pessoa publicou em vida foi o livro de poesia Mensagem, lançado em 1934, um ano antes de sua morte.
Natureza e Características da Obra:
Gênero: Não é um romance, mas sim um livro de poesia.
Temática: A obra é profundamente ligada à valorização da pátria portuguesa e exalta o nacionalismo. É uma poesia de cunho Épico e Lírico.
Forma: Apesar de ser modernista, os versos de Mensagem são Regulares, apresentando métrica e rima, e têm um caráter histórico.
Narrativa Histórica: O livro faz um tour histórico de Portugal, desde a fundação de Lisboa (mencionando Ulisses) até a profecia do Quinto Império.
A obra é dividida em três partes principais, cada uma explorando um aspecto da glória portuguesa:
Parte | Título | Tema Central | Destaque e Figuras Históricas |
Primeira Parte | Brasão | Conquistas heróicas e fundação de Portugal. | D. Sebastião é um nome relevante. |
Segunda Parte | Mar Português | Conquistas por meio das navegações e exaltação do poderio marítimo. | O mar é personificado. Eu-lírico enaltece nomes como D. João II, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães e Vasco da Gama, além de reconhecer a dor de personagens anônimos. |
Terceira Parte | O Encoberto | Consolidação da crença mística do Sebastianismo e a esperança do Quinto Império. | O eu-lírico presta homenagem a Padre Antônio Vieira. |
Conceito-Chave: Sebastianismo (Máxima Cobrança)
O Sebastianismo é um dos temas centrais de Mensagem. Refere-se à crença mística de que o Rei D. Sebastião — que desapareceu após a derrota na Batalha de Alcácer-Quibir (embora seu túmulo exista em Lisboa, sua morte nunca foi confirmada) — retornaria em um momento de névoa para salvar a pátria e restaurar Portugal a um patamar de glória. A obra retrata a crença de que Portugal se tornaria o Quinto Império (o último império) com o regresso de D. Sebastião.
Os três principais heterônimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, e Álvaro de Campos) formam um complexo tecido heteronímico. Para entendê-los, é necessário analisar suas biografias, estilos e, crucialmente, suas filosofias.
Caeiro é considerado o mestre dos heterônimos, tendo influenciado diretamente Reis e Campos.
Nascimento e Morte: Nasceu em Lisboa em 1889 e morreu em 1915, vítima de tuberculose.
Vida: Viveu grande parte da vida no campo com uma tia-avó. Não teve profissão e recebeu apenas formação primária.
Obra Principal: O Guardador de Rebanhos.
O estilo de Caeiro é marcado pela simplicidade, utilizando linguagem e vocabulário simples, com versos livres. Sua poesia é a da "anti-poesia", que questiona conceitos e ideologias.
Anti-Intelectualismo: Caeiro defende que é mais importante sentir do que pensar. Ele "pensa com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca". O essencial é "saber ver sem estar a pensar". A única inocência é não pensar.
Objetividade (O Real é o que é): Valoriza as coisas como elas são. Para ele, a realidade "simplesmente era e valia por si mesma". Ele compreendeu que "as coisas são reais e todas diferentes umas das outras" com os olhos, e não com o pensamento.
Paganismo Natural: É um poeta pagão e o único poeta da Natureza. Sua poesia expressa o "locus amoenus" (lugar ameno).
A "Ciência de Não-Ser": Apesar de sua aparente simplicidade, seu estilo esconde reflexões profundas. Ele está assentado em um paradoxo axial: a todo momento ele pensa que não deve pensar e afirma que nunca afirma.
Ricardo Reis é o heterônimo neoclassicista, caracterizado pela racionalidade extrema e pela busca por um refúgio na Antiguidade Clássica.
Nascimento: Nasceu em 1887 no Porto ou Lisboa.
Formação: Estudou em colégio de jesuítas e se formou em Medicina.
Contexto Político (Exceção): Era monarquista e, por isso, mudou-se para o Brasil em 1919, após a instauração da república em Portugal.
Reis se distingue pelo seu rigor formal.
Neoclassicismo/Horaciano: É definido por Pessoa como o "Horácio grego que escreve em português". Suas poesias são majoritariamente odes (à moda horaciana).
Linguagem Culta: Utiliza um vocabulário erudito e uma sintaxe latinizada que abusa do hipérbato.
Métrica: Adere absolutamente ao verso branco (metrificado, mas sem rima). Ele emprega a forma fixa, geralmente alternando decassílabos e hexassílabos.
Tom Pedagógico: Faz uso constante de verbos no imperativo (ex: "Segue o teu destino"), dando um tom sentencioso e moralizante.
A obra de Reis é um esforço "lúcido e disciplinado" para obter uma calma, fundamentada nas filosofias helênicas do Epicurismo e do Estoicismo.
I. Epicurismo (Carpe Diem e Prazer Moderado):
Brevidade da Vida (Memento Mori): O tema da efemeridade da vida é constante. Esta consciência da morte inevitável (e o medo que ela causa) gera o desejo de aproveitar o momento presente: o Carpe Diem horaciano.
Prazer Modesto (Aurea Mediocritas): Reis busca o prazer comedido, avaliado pela razão. Ele defende a Aurea Mediocritas (mediania de ouro), repelindo a riqueza e a glória excessivas. O sábio é aquele que se contenta com o mínimo, como "o reflexo do sol ido na água".
II. Estoicismo (Ataraxia e Apatia):
Aceitação do Fado: Reis defende a aceitação passiva do destino (Fado), pois o homem pouco pode contra a vida externa.
Imperturbabilidade (Ataraxia): Seu objetivo é a Ataraxia (imperturbabilidade da alma) para atingir a Eudaimonia (felicidade).
Extirpação das Paixões (Apatia): A busca pela tranquilidade exige a Apatia (extirpação das paixões). Por isso, Reis cultiva um amor platônico e contemplativo com suas musas (Lídia, Cloe, Neera, nomes emprestados de Horácio). Ele prefere não amar carnalmente para que a paixão não lhe perturbe a alma.
III. Neopaganismo:
Reis adere ao Neopaganismo, aprendido com Caeiro. Ele vê Cristo como um deus "triste" (o deus do sofrimento), enquanto as divindades pagãs (como Ceres, Pã e Diana) guardam resquícios de humanidade e são mais próximas.
Álvaro de Campos representa o lado vanguardista e a modernidade, com uma personalidade literária elaborada.
Nascimento: Nasceu em Tavira em 15 de outubro de 1890.
Formação: Formou-se em Engenharia Mecânica e Naval na Universidade de Glasgow, na Escócia.
Traços Físicos: Magro, moreno, usava monóculo.
Campos é modernista e futurista.
Sensacionismo: É adepto do sensacionismo, mas o aceita como um excesso das sensações. Ele se excede ao expressar seus sentimentos e percepções, revelando uma acentuada emoção.
Forma: Sua forma é marcada por versos livres e irregulares. Os versos são longos, dando um caráter descritivo que se assemelha à prosa.
Temática: Valoriza a modernidade, a máquina, a velocidade e a temática urbana. Contudo, é também um pessimista, angustiado pelo tempo presente, e revela melancolia e desencanto diante da modernidade.
Sua escrita é didaticamente dividida em três fases que marcam a evolução de seu estilo e visão:
Fase | Características Principais | Temas e Estilo | Obra de Destaque / Exemplo |
1ª Fase: Decadentista | Visão pessimista, tédio, busca por novas experiências. Próxima ao Romantismo e Simbolismo. | A inadaptação à realidade e a busca por refúgio. | Opiário: O eu lírico busca o ópio como fuga da realidade, revelando tédio e melancolia. |
2ª Fase: Futurista / Progressista | Fascínio pela civilização, máquinas, progresso, velocidade, força. Linguagem febril, agressiva. | Exaltação do urbano, da eletricidade e da dinâmica moderna. | Ode Triunfal: Exaltação da fábrica, das engrenagens, dos grandes ruídos modernos. O eu lírico ama o progresso "carnivoramente". |
3ª Fase: Intimista / Pessimista | Introspecção, solidão interior, nostalgia da infância, frustração, angústia e incapacidade de amar. | O sentimento de nulidade e a desilusão com o mundo. | Tabacaria: Expressa o sentimento de não ser nada ("Não sou nada. Nunca serei nada.") e a tragédia do sonho. |
Embora não seja um dos três heterônimos principais, Bernardo Soares e o Livro do Desassossego são frequentemente cobrados em exames, dada a sua importância crítica e literária.
Bernardo Soares é um semi-heterônimo que, em sua biografia fictícia, era magro, solitário, e trabalhava como ajudante de guarda-livros em Lisboa.
Esta é considerada uma das maiores obras de Fernando Pessoa.
Estrutura e Publicação: O livro é fragmentário e permaneceu inacabado. A primeira edição organizada só foi publicada postumamente, em 1982.
Estilo: Sua prosa é fragmentada, possuindo teor confessional, caráter niilista e profundamente reflexivo.
Interpretações Críticas: A natureza fragmentária do livro levou a interpretações díspares: alguns estudiosos, como Teresa Sobral Cunha, sugerem que existam dois autores na obra (Vicente Guedes e Bernardo Soares); outros, como António Quadros, atribuem a primeira fase a Pessoa e a segunda, mais pessoal, a Soares.
O sistema heteronímico de Pessoa revela uma mente complexa que buscava a expressão através da fragmentação do eu.
O drama da criação pessoana reside na busca impossível por uma unidade essencial implícita na diversidade heteronímica. Essa unidade, segundo a crítica, reside no tédio proveniente da especulação abstrata e na busca aflitiva pelo absoluto diante do implacável ceticismo.
A heteronímia é a forma de Pessoa objetivar sua desintegração subjetiva, transformando a dramaticidade não em ação, mas em transposição lírica para os heterônimos.
Aspecto | Ricardo Reis | Álvaro de Campos |
Polo no Sistema | Ocupa o polo clássico, tradicional, disciplinado. | Ocupa o polo moderno, futurista, excessivo. |
Estilo | Linguagem erudita, rigor formal, ode horaciana, versos regulares e métricos. | Versos livres, longos (próximos da prosa), linguagem agressiva e febril. |
Relação com o Tempo | Busca escapar do tempo fugaz pelo Carpe Diem e pela disciplina estoica. | Sente angústia e tédio diante do tempo presente e da modernidade. |
Sentimento/Conhecimento | Nega a vontade de se conhecer, alegando que "Ignorar que vivemos / Cumpre bastante a vida". Tenta equilibrar dor e prazer. | Busca o autoconhecimento, encontrando a "vaguidão de seu universo" e a não-existência. Excede-se na dor e expressão. |
Sensacionismo | Herda o sensacionismo de Caeiro como meio de descobrir o mundo. | Aceita o sensacionismo como um excesso das sensações e da expressão. |
Convergência Chave: Apesar de Reis e Campos parecerem polos opostos, ambos são discípulos de Alberto Caeiro e ambos constroem uma obra permeada pela subjetividade e objetividade, que se entrecruzam, embora cada um escolha a medida de sua aplicação. Ambos buscam, a partir da temática da vida ou autoconhecimento, traçar ideias que, transformadas em versos, revelam suas personalidades.
Para consolidar o aprendizado e sanar dúvidas comuns de vestibulandos:
R: Fernando Pessoa assinou textos com cerca de 70 nomes diferentes. Estudos mais recentes apontam a existência de 127 pseudo-autores, incluindo pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos e poetas mediúnicos. Contudo, os principais e com biografias mais detalhadas são apenas três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
R: O pseudônimo é apenas um nome falso usado por um autor para assinar sua obra. O heterônimo é uma personalidade completa e fictícia, com biografia, estilo, opiniões e características próprias, que assina as obras como se fosse um autor real e distinto de seu criador.
R: A única obra em língua portuguesa publicada em vida foi o livro de poesia Mensagem, em 1934.
R: Alberto Caeiro é o mestre porque é tido como o inspirador e revelador do paganismo para Ricardo Reis e é considerado o mestre dos heterônimos, sendo Ricardo Reis e Álvaro de Campos seus discípulos. Ele representa a base do sensacionismo primitivo, o "ver sem pensar".
R: Ricardo Reis foi influenciado pelo Epicurismo (busca pelo prazer moderado, carpe diem) e pelo Estoicismo (aceitação do destino, busca pela ataraxia ou imperturbabilidade da alma, e apatia ou ausência de paixões).
R: É assinado pelo semi-heterônimo Bernardo Soares, que era ajudante de guarda-livros. O livro é importante por ser uma obra fragmentária, de prosa moderna, confessional e reflexiva, sendo uma das maiores obras de Pessoa.
Referências de Apoio e Sugestões de Estudo Aprofundado (Concursos):
Para estudos mais aprofundados sobre a fortuna crítica pessoana, especialmente o conceito de heteronímia e o Livro do Desassossego, sugere-se a leitura de:
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e unidade em Fernando Pessoa.
João Gaspar Simões, Vida e obra de Fernando Pessoa (marco biográfico fundamental, embora criticado pelo psicologismo causalista).
Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa revisitado: leitura estruturante do drama em gente (interpretação sofisticada da heteronímia).
José Augusto Seabra, Fernando Pessoa ou o poetodrama (aborda a teia intertextual da obra).
Leyla Perrone-Moisés, Fernando Pessoa – aquém do eu, além do outro (aborda a noção do "sujeito vazio" na base da heteronímia).
Robert Bréchon, Estranho estrangeiro: uma biografia de Fernando Pessoa (considerado um dos textos mais agradáveis e ágeis sobre o poeta).