As funções da linguagem são as diversas maneiras de utilizar a linguagem conforme a intenção do falante ou produtor da mensagem. Todo ato comunicativo tem um objetivo.
Elas foram classificadas em seis tipos pelo linguista Roman Jakobson, e cada uma delas está intrinsecamente ligada a um dos seis elementos fundamentais do processo de comunicação.
Embora um texto possa conter múltiplas funções da linguagem, há sempre uma que se predomina (a função dominante). Identificar essa dominância é fundamental em exames e concursos.
Para entender as funções, é necessário primeiro conhecer os elementos da comunicação, pois cada função se centra em um desses componentes:
Emissor (ou Locutor): Quem envia ou fala a mensagem (o remetente).
Receptor (ou Destinatário): Quem recebe a mensagem (o interlocutor).
Mensagem: O objeto físico da comunicação, aquilo que é transmitido.
Referente (ou Contexto): O assunto, o objeto ou a situação a que a mensagem se refere.
Canal (ou Contato): O meio físico ou psíquico que permite a transmissão da mensagem (ex: o ar, a internet).
Código: O sistema de signos que é compartilhado pelos interlocutores para que a mensagem seja compreendida (ex: a Língua Portuguesa).
Elemento Central | Função Dominante | Intenção Principal |
Emissor | Emotiva | Transmitir sentimentos e subjetividade |
Mensagem | Poética | Preocupação com a forma e a estética |
Receptor | Conativa | Convencer ou influenciar |
Referente/Contexto | Referencial | Informar objetivamente |
Canal/Contato | Fática | Estabelecer, manter ou interromper a comunicação |
Código | Metalinguística | Explicar a própria linguagem |
A Função Emotiva, também chamada de Função Expressiva, é aquela cujo discurso está centrado no Emissor.
Foco Principal: Expressar as emoções, sentimentos, sensações e a subjetividade do locutor/escritor.
Marca Gramatical: Uso da primeira pessoa (eu/nós) na conjugação verbal e em pronomes, demarcando o posicionamento pessoal. Exemplos: "Eu me encho de esperança"; "Talvez eu goste ainda mais de nós".
Recursos Expressivos: É comum o uso de interjeições, adjetivos que qualificam emoções, figuras de linguagem para auxiliar a expressar sentimentos, e pontuação expressiva, como o ponto de exclamação (!) ou reticências (...). O ponto de exclamação, por exemplo, intensifica a expressão emocional.
A função emotiva é recorrente em gêneros textuais que naturalmente favorecem a expressão pessoal:
Textos líricos e poéticos.
Diários, relatos pessoais, blogs e vlogs.
Cartas pessoais ou narrativas memorialistas.
Críticas subjetivas (teatral ou cinematográfica).
Embora a função emotiva seja característica de textos subjetivos, ela pode ocorrer em trechos pontuais de textos mais objetivos.
Exemplo de Concurso: A carta de reclamação. Embora possua um caráter argumentativo que pressupõe fatos (Função Referencial), é o gênero textual no qual é mais aceitável a presença de expressividade subjetiva. O autor pode relatar um prejuízo ou constrangimento pessoal, utilizando a função emotiva para transferir o impacto emocional ao interlocutor.
A Função Poética é aquela que se concentra na Mensagem. Sua essência é a preocupação com a forma do discurso e o modo como a mensagem é transmitida.
O objetivo primordial da função poética é afirmar e reafirmar sua própria beleza, buscando despertar no leitor o prazer estético e a surpresa.
Foco Principal: A mensagem em si, através da manipulação da linguagem.
Linguagem Conotativa: Uso de palavras em sentido figurado ou conotativo, quebrando velhos significados e explorando a combinação de sentidos.
Recursos Estilísticos (Figuras de Linguagem): Utiliza intensamente recursos como rimas, aliteração (repetição de consoantes), assonância (repetição de vogais), paronomásia, e recorrências rítmicas.
Elaboração Inovadora: A mensagem é manipulada de forma inovadora e imprevista, visando o maior grau de originalidade possível.
Jakobson definiu o que faz uma mensagem ser uma obra de arte: é a dominância da função poética, que ocorre quando a mensagem se debruça sobre si mesma.
O conceito-chave para concursos e estudos avançados é:
"A função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação".
A linguagem se constrói por dois mecanismos elementares:
Seleção (Eixo Paradigmático): O falante escolhe vocábulos virtuais com base na equivalência (semelhança, dessemelhança, sinonímia).
Combinação (Eixo Sintagmático): O falante combina os vocábulos na cadeia verbal com base no princípio de contiguidade.
Na função poética, o princípio da seleção se sobrepõe ao da combinação. Isso significa que equivalências sonoras que são selecionadas para a mensagem implicam, artificialmente, em equivalências semânticas. Este mecanismo é chamado de paralelismo.
Exemplo (Paronomásia): Na canção "A Rita", de Chico Buarque, a aproximação fônica de vocábulos como retrato, trapo e prato (plano da expressão) força uma confluência semântica no plano do conteúdo (isotopia de perda), mesmo que as palavras tenham sentidos diferentes.
A confusão entre Função Poética e Função Emotiva é comum, especialmente em textos líricos onde o emissor expressa sentimentos (Função Emotiva) utilizando uma forma elaborada (Função Poética).
A principal diferença é o Foco:
Função | Elemento Focado | O que ela Prioriza |
Emotiva | Emissor | O sentimento do locutor, seu interior, sua experiência subjetiva (1ª pessoa). |
Poética | Mensagem | A construção da mensagem, a manipulação estética da forma, o jogo de significantes e significados. |
Como decidir a Predominância em um Texto Misto (Exame):
Para identificar a função predominante, deve-se verificar a intenção principal:
Se o texto é focado em questionamentos ou angústias que são únicas do indivíduo (o foco está no "eu" e suas vivências internas), a função Emotiva tende a dominar.
Se a preocupação maior reside na sonoridade, na forma, no efeito estético, na estrutura complexa ou na escolha lexical inusitada, a função Poética domina, mesmo que o tema seja emocional.
No poema "A flor e a náusea", de Carlos Drummond de Andrade (frequentemente citado em concursos), por exemplo, o examinador deve analisar se o eu lírico está apenas despejando suas angústias (Emotiva) ou se ele está utilizando a linguagem de forma a gerar uma complexa relação entre som e sentido, chamando atenção para o estilo e a construção (Poética).
A Função Poética não se limita a poemas. Ela é facilmente encontrada na publicidade.
No texto publicitário, a função predominante é geralmente a Conativa (ou Apelativa), cujo foco é o Receptor e o objetivo é persuadir o destinatário (induzi-lo à compra).
No entanto, a Função Poética atua como um recurso persuasivo a serviço da função Conativa.
A publicidade busca o "novo", o diferente e o criativo. A mensagem deve ser elaborada e causar surpresa (estesia).
Ao utilizar a função poética (recursos fônicos, ópticos, de escolha lexical, sintáticos e semânticos), a mensagem se torna mais elaborada, sedutora e com maior poder de envolvimento.
Persuasão vs. Convicção: O discurso publicitário visa persuadir (atingir a vontade e o sentimento do interlocutor através de argumentos subjetivos e emotivos, dirigidos à emoção), e não apenas convencer (dirigido à razão e provas lógicas). A função poética contribui para este apelo emocional.
Exemplo na Publicidade (Filtro Melita): Na publicidade do filtro de café Melita, a função poética se manifesta através de:
Recursos Fônicos (Assonância e Aliteração): A repetição de vogais /o/ e /u/ para sugerir a cor preta do café ou a forma arredondada dos furos. A aliteração do fonema /f/ para sugerir a leveza do papel. O uso de consoantes nasais (/m/, /n/, /nh/) para imitar o som de satisfação ("hum! Hum!").
Recursos Ópticos e Metalinguagem: O alongamento da vogal "o" na palavra gostosoooooo transforma a letra no formato do filtro anunciado. A própria letra "o" (código) passa a representar os furos do filtro (objeto). A função poética age, portanto, como um auxílio à função conativa para aumentar a persuasão.
Para uma compreensão completa da natureza da função poética, especialmente em provas que exigem semiótica literária (Greimas, Jakobson, Hjelmslev), é necessário analisar a estrutura profunda do signo poético.
A semiótica, partindo de Saussure e Hjelmslev, estabelece que a linguagem é composta por dois planos distintos e solidários:
Plano de Expressão (Significante): O som material (substância) e o conjunto de fonemas (forma).
Plano de Conteúdo (Significado): O sentido geral/massa do pensamento (substância) e o conjunto de traços sêmicos que a organizam (forma).
A função semiótica é uma solidariedade: a expressão só é expressão porque é a expressão de um conteúdo, e vice-versa.
O Signo Poético: O signo poético é considerado um signo complexo. No sistema da poética, a substância da expressão (a materialidade fônica, os sons físicos) que é geralmente excluída do objeto de estudo da linguística, torna-se fundamental e detentora de sentido.
O fundamento do signo linguístico, na acepção saussureana, é a arbitrariedade da relação entre o significante e o significado. Não há vínculo natural entre eles.
Em contraste, o símbolo (como a balança para a justiça) mantém um grau de motivação natural.
O texto poético é constituído por signos linguísticos, mas são manipulados para criar artificialmente a impressão de motivação. Entre o signo (arbitrário) e o símbolo (motivado) está o semissímbolo.
O semissímbolo é o signo por excelência da expressão artística, introduzindo uma parcela de motivação na relação que, de outra forma, seria arbitrária. Essa motivação não é natural, mas forjada pelo poeta no momento da manifestação (semiose), por meio de procedimentos da poética, como o paralelismo.
O conceito de Isomorfismo (identidade formal de estruturas em planos diferentes) corresponde, em grande medida, ao conceito de Paralelismo de Jakobson.
No isomorfismo, categorias do plano de expressão e do plano de conteúdo são homologadas (equiparadas).
Exemplo Clínico (Iconicidade): O isomorfismo pode resultar em iconicidade, um procedimento que busca produzir um efeito de sentido de 'realidade' ou ilusão referencial. Na canção "Cajuína" de Caetano Veloso, a recorrência sonora do fonema /i/ (vogal alta, fechada, de timbre agudo e grafismo longilíneo) no plano da expressão, homologa-se à substância do conteúdo (a fragilidade da existência, a vida que se sustém por um fio), mimetizando a sensação de estreitamento associada à angústia.
A poética, por meio do isomorfismo/semissimbolismo, recodifica o sistema da língua, fazendo com que a forma e a substância da expressão se articulem diretamente com o conteúdo, permitindo a leitura do texto poético em várias direções isotópicas.
Aspecto | Função Emotiva (Foco no Emissor) | Função Poética (Foco na Mensagem) |
Elemento Central | Emissor | Mensagem |
Objetivo | Expressar o estado interior e a subjetividade | Estilizar o conteúdo e chamar atenção para a forma |
Marcas Linguísticas | 1ª pessoa, interjeições, pontuação expressiva (exclamação, reticências) | Conotação, figuras de linguagem (metáfora, rima, aliteração, paronomásia), paralelismo |
Gêneros Típicos | Diários, autobiografias, relatos pessoais | Poemas, letras de música, cordéis |
Exceções Cobradas | Pode ocorrer em textos objetivos (e.g., carta de reclamação) | Comum em publicidade, atuando a serviço da Função Conativa |