
Ao falar de Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, é comum que esses termos sejam mal interpretados ou confundidos com outras ideias, como o simples crescimento econômico, eles representam realidades socioeconômicas e históricas distintas que são cruciais para entender a posição dos países no cenário global.
A importância de estudar esses conceitos reside na capacidade de analisar criticamente as desigualdades internacionais e as estratégias adotadas (ou não) para superá-las. Historicamente, o conceito de desenvolvimento ganhou força a partir de meados do século XX, configurando-se rapidamente como um vocabulário-chave nas ciências sociais aplicadas.
Uma das primeiras e mais importantes distinções a serem feitas é entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico. Embora frequentemente usados como sinônimos, eles não são a mesma coisa e entender essa diferença é vital para evitar equívocos.
O crescimento econômico está diretamente relacionado à produção de bens e serviços de um país, sendo frequentemente medido pelo Produto Interno Bruto (PIB) e pela produtividade. O PIB refere-se ao valor agregado de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico de um país, independentemente da nacionalidade dos proprietários das unidades produtoras.
A hegemonia do PIB como indicador de desenvolvimento ocorreu principalmente a partir de 1950, quando crescimento econômico e desenvolvimento foram tidos como sinônimos. Nesse contexto, o desenvolvimento era visto como um conjunto de processos interdependentes que transformariam uma sociedade tradicional em uma moderna, com ênfase na industrialização e urbanização.
O desenvolvimento econômico, por sua vez, vai muito além do simples aumento do PIB. Ele representa a aplicação das riquezas de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas em diversos aspectos, como:
Saúde
Educação
Alimentação e nutrição
Habitação
Acesso a serviços básicos e infraestrutura
Redução da pobreza e das desigualdades sociais
Direitos humanos e bem-estar geral
Para Celso Furtado, o desenvolvimento é uma superação do crescimento econômico, uma mudança qualitativa na economia que beneficia não apenas as elites. Luiz Carlos Bresser-Pereira (2008) complementa que o desenvolvimento é o processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico que leva ao aumento da produtividade, dos salários e do padrão médio de vida da população, acompanhado por mudanças em instituições, cultura e estruturas sociais.
É perfeitamente possível que um país experimente altos índices de crescimento econômico sem que isso se reverta em melhoria da qualidade de vida para sua população. Um exemplo clássico é o "milagre brasileiro" na década de 1970. Apesar do crescimento do PIB, a repressão a sindicatos e movimentos sociais limitou a melhoria de salários e condições de trabalho, resultando em um crescimento que não gerou desenvolvimento social. Isso levou à constatação de que o crescimento econômico, por si só, não é sinônimo de desenvolvimento.
As limitações do PIB como único indicador de desenvolvimento se tornaram evidentes na década de 1970, impulsionando a busca por medições mais abrangentes.
Limitações do PIB:
Discrepâncias de Dados: Organizações internacionais podem apresentar dados discrepantes sobre o PIB dos países sem justificativa clara.
Subestimação da Economia de Subsistência e Informal: O PIB desconsidera relações fora do mercado e subestima a capacidade de sobrevivência de grupos marginalizados, onde a economia de subsistência e o setor informal são significativos e frequentemente envolvem mais pessoas do que o setor formal.
Distorção do Poder de Compra: A renda per capita oficial não reflete o verdadeiro poder de compra, que pode ser muito diferente em países pobres versus desenvolvidos.
Valorização do Custo vs. Bem de Uso: O cálculo do PIB valoriza mais bens de troca (como uma TV colorida) do que bens de uso que atendem necessidades básicas (como 1.000 lousas), discriminando atividades para a população carente.
Ignorância do Bem-Estar Social e Custos Ecológicos: Estatísticas baseadas no PIB desconsideram elementos de bem-estar social, direitos individuais e os custos ambientais do crescimento, como a degradação e a monocultura intensiva.
Ocultação de Desigualdades: A renda per capita média esconde grandes diferenciações de renda entre regiões, camadas sociais, áreas urbanas e rurais, e entre homens e mulheres. O chamado Terceiro Mundo é uma mistura "quase obscena" de riqueza de minorias e miséria de maiorias.
Unidimensionalidade Cultural: A unidimensionalidade das estatísticas de renda pode relativizar a riqueza cultural de sociedades menos favorecidas economicamente, medindo mais o "ter" do que o "ser".
Visão do Ser Humano como Meio: Nas teorias de modernização e crescimento econômico, o ser humano é visto como um fator de custo ou um meio para o fim, e não como o sujeito e a razão da atividade econômica.
A Necessidade de Indicadores Sociais: Diante dessas críticas, surgiu a necessidade de complementar os dados econômicos com aspectos sociais, levando ao movimento dos "Indicadores Sociais" (Movimento SI). Um grupo de cientistas sociais da ONU já sugeria, em 1954, a necessidade de atrelar ao PIB indicadores de saúde, educação, ocupação e habitação.
O Papel do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano): Em 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) consolidou uma concepção mais complexa de desenvolvimento ao apresentar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em seu relatório anual. O IDH é composto por indicadores de três elementos essenciais à vida:
Esperança de vida ao nascer (saúde)
Alfabetização e escolarização (educação)
Poder de compra per capita (padrão de vida decente) O IDH varia de 0 a 1, onde valores mais próximos de 1 indicam maior desenvolvimento. Sua importância é inegável, pois desloca o foco de meros dados econômicos para a qualidade de vida das pessoas.
Outros Indicadores Relevantes: Além do IDH, diversos outros indicadores sociais são utilizados para caracterizar o desenvolvimento:
Nutrição: Consumo diário de calorias e proteínas per capita.
Saúde: Relação médicos/habitantes, expectativa média de vida ao nascer, índices e causas de mortalidade (especialmente infantil).
Meio Ambiente: Percentual da população com acesso à água potável e instalações sanitárias (indicadores indiretos), além de esforços para catalogar indicadores de desmatamento, poluição, erosão do solo, etc..
Habitação: Número de habitantes por moradia, acesso a energia elétrica, água e esgoto.
Educação: Percentual de analfabetos ou alfabetizados, índice de escolarização, relação alunos/professor. Organismos como UNICEF e OIT também realizam levantamentos sobre a qualidade de vida das crianças e a justiça social no trabalho, respectivamente.
A compreensão do subdesenvolvimento como um fenômeno histórico-estrutural foi uma das maiores contribuições do pensamento latino-americano, em especial da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Após o colapso do sistema financeiro e do comércio internacional na década de 1930 e a destruição da capacidade produtiva europeia na Segunda Guerra Mundial, surgiu a moderna teoria do desenvolvimento econômico. Neste período, as principais escolas teóricas da Europa e dos EUA, dominadas pelas teorias neoclássica e keynesiana, acreditavam na universalidade de seus modelos para acelerar o crescimento.
O economista Albert Hirschman elaborou uma tipologia das teorias de desenvolvimento, identificando dois postulados básicos:
Tese da Monoeconomia: A teoria econômica é universal, e a realidade dos países em desenvolvimento não exige tratamento especial.
Tese de Reciprocidade de Vantagens: As relações entre países desenvolvidos (centros) e subdesenvolvidos (periferias) beneficiam ambas as partes.
A CEPAL e outros pensadores críticos, no entanto, argumentavam que muitos conceitos dessas teorias eram restritivos e irrelevantes devido às profundas diferenças entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido. A realidade da maioria dos países do Terceiro Mundo, com grande parte da população rural, instituições financeiras precárias, infraestrutura deficiente e altos índices de analfabetismo, indicava que os mercados operavam de maneira distinta do Norte industrializado. A sensação era que as políticas neoclássicas e keynesianas, na melhor das hipóteses, atrasariam o desenvolvimento ou, na pior, reproduziriam continuamente o subdesenvolvimento.
A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) foi criada pela ONU em novembro de 1947, com sede em Santiago, Chile. Seu surgimento foi um marco, pois representou a primeira vez que a América Latina tomou consciência de seus principais problemas estruturais.
O líder revolucionário Ernesto “Che” Guevara descrevia o subdesenvolvimento como um anão de cabeça enorme e barriga inchada, com pernas e braços fracos, desproporcionais ao resto do corpo. Essa imagem poética ilustra a percepção de que o subdesenvolvimento era uma realidade histórica específica, que exigia uma teorização própria ou adaptada. A CEPAL tornou-se o único centro intelectual da América Latina a criar um corpo analítico próprio: o estruturalismo histórico.
Subdesenvolvimento como Realidade Histórica Específica: O método histórico-estruturalista da CEPAL se opunha às teorias etapistas (Stage Theories) que concebiam o desenvolvimento como uma sequência de fases necessárias, como a visão de Walt Rostow. Para o estruturalismo, o subdesenvolvimento não era uma fase a ser superada, mas uma realidade distinta, nova, que exigia interpretações renovadas. Pensadores como Chico de Oliveira e Celso Furtado destacaram que a especificidade do subdesenvolvimento não vinha apenas de contradições internas, mas do cruzamento com o capitalismo mundial, negando o desenvolvimento linear.
O Paradigma Centro-Periferia: A Essência da Teoria Cepalina: A grande virada no debate moderno sobre comércio e desenvolvimento ocorreu quando Raúl Prebisch elaborou sua teoria estruturalista do subdesenvolvimento periférico. O conceito central da teoria da CEPAL é o de centro-periferia, utilizado para descrever a difusão do progresso técnico na economia mundial e a distribuição de seus ganhos.
Revolução Industrial e Difusão Desigual do Progresso Técnico: A dualidade na economia mundial surgiu com a Revolução Industrial nos centros, onde a produtividade aumentou drasticamente. No entanto, a difusão do progresso técnico foi irregular. Países centrais internalizaram novas tecnologias de forma integrada, enquanto economias periféricas se tornaram desarticuladas (pela necessidade de importar tecnologia) e dualistas (pela grande diferença de produtividade entre o setor exportador e o de subsistência). Essa dualidade foi chamada por Aníbal Pinto de "heterogeneidade estrutural".
Setor Pré-Capitalista e Baixos Salários: O setor pré-capitalista na periferia gerava um contínuo excedente de mão-de-obra, que contribuía para manter os salários baixos, impedindo que a periferia retivesse os frutos de seu progresso técnico. Os aumentos de produtividade no setor exportador eram largamente transferidos para o centro devido à tendência de deterioração dos termos de troca.
Furtado e a Visão do Subdesenvolvimento como Subproduto do Desenvolvimento Clássico: Celso Furtado, em "Desenvolvimento e Subdesenvolvimento" (1961), aprofundou a análise, considerando o subdesenvolvimento um subproduto do desenvolvimento clássico, uma estrutura produtiva historicamente determinada pelo desenvolvimento do capitalismo europeu. Assim, o subdesenvolvimento não é uma etapa necessária, mas um processo histórico autônomo.
A CEPAL identificou quatro efeitos do comércio internacional sobre os países subdesenvolvidos que as teorias estáticas do livre comércio não reconheciam:
Esta tese, um dos pilares da teoria cepalina, opera como um elo entre a difusão desigual do progresso técnico e a distribuição desigual de seus benefícios.
Contestação ao Princípio Ricardiano: A CEPAL questionava o princípio ricardiano (teoria das vantagens comparativas), que postulava que os frutos do progresso técnico seriam distribuídos igualmente entre os países pela queda dos preços dos bens industrializados. Prebisch argumentava que essa premissa era desmentida pelos fatos.
Transferência de Ganhos de Produtividade para o Centro: A tese central da deterioração dos termos de troca é que não apenas a transferência de ganhos não ocorre, mas o oposto: as regiões atrasadas transferem seus ganhos de produtividade para as desenvolvidas. Documentos da ONU analisados por Prebisch mostravam que, entre 1870 e 1938, a relação de preços havia se movido constantemente contra a produção primária, indicando que as relações comerciais entre centro e periferia tendiam a reproduzir as condições do subdesenvolvimento.
Dinâmica Cíclica e Disparidade da Demanda: Este fenômeno está ligado ao movimento cíclico da economia capitalista, que começa no centro e impacta diferentemente a periferia. Do lado da demanda, os termos de troca se voltam contra os países periféricos porque a elasticidade-renda da procura por produtos primários é baixa, enquanto a de produtos manufaturados é alta. Ou seja, a demanda dos países desenvolvidos por matérias-primas cresce mais lentamente que sua renda, enquanto as importações de produtos industrializados pela periferia crescem mais rápido que a renda desta. Isso se explica pelo uso de técnicas modernas no centro que diminuem a necessidade de matérias-primas e o aumento do uso de produtos sintéticos.
Rigidez de Preços e Salários no Centro vs. Periferia: O aumento de produtividade na manufatura (no centro) não se traduz em queda de preços porque, em fases de alta, lucros se convertem em aumento de salários, e em fases de baixa, sindicatos e oligopólios mantêm salários e taxas de lucro. Essa resistência no centro desloca a pressão cíclica para a periferia, que é forçada a contrair sua renda de forma mais acentuada devido à estrutura de emprego, excedente de mão-de-obra e fragilidade sindical.
Desemprego: Resultante da demanda inelástica por produtos primários e da incapacidade das atividades exportadoras de absorver o excedente de mão-de-obra.
Desequilíbrio Estrutural do Balanço de Pagamentos: Consequência das exigências de importação de economias em processo de industrialização que se especializaram em poucas atividades exportadoras.
Vulnerabilidade a Ciclos Econômicos: Resultado da especialização em atividades exportadoras.
Diante desse cenário, a industrialização não era apenas uma opção, mas um caminho que se impunha.
Crise de 1929 e Industrialização Espontânea: Desde a crise de 1929, os países latino-americanos adotaram políticas defensivas que, reforçadas durante a Segunda Guerra Mundial, geraram um processo espontâneo de industrialização e maior intervenção do Estado. No pós-guerra, a ideologia industrializante predominava na América Latina, potencializada pelo incremento da atividade industrial e urbanização.
Transição para um Modelo "Para Dentro": A exaustão do modelo primário-exportador (voltado "para fora") provocava uma industrialização espontânea, dinamizada por problemas de desequilíbrio no balanço de pagamentos. Essa transição significava o ingresso da América Latina em uma nova fase de propagação mundial da técnica.
O Desafio da Industrialização em Estruturas Subdesenvolvidas: Embora a industrialização espontânea fosse saudada, era considerada problemática por ocorrer sobre a base de estruturas socioeconômicas subdesenvolvidas. A análise cepalina utilizava o contraste entre o crescimento nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos para identificar os entraves estruturais das economias periféricas.
Especialização e Heterogeneidade Estrutural: As estruturas produtivas subdesenvolvidas eram caracterizadas pela especialização em poucas atividades exportadoras e pela heterogeneidade estrutural (ou tecnológica). A heterogeneidade se manifestava na baixa produtividade de todos os setores, exceto a "ilha de prosperidade" do setor exportador, e um excedente de mão-de-obra que reduzia as perspectivas de poupança e capital.
Consequências da Difusão de Progresso Técnico: A difusão do progresso técnico nessas estruturas provocava três tendências perversas:
Desequilíbrio Estrutural do Balanço de Pagamentos: As exigências de importação das economias em industrialização, com sua pauta de exportação pouco diversificada, levavam a este desequilíbrio. Mesmo a produção interna de bens antes importados não resolvia o problema, apenas mudava a composição das importações, não seu volume.
Inflação: Consequência do desequilíbrio do balanço de pagamentos e de outras rigidezes estruturais (rigidez agrícola, deficiências de infraestrutura) em economias pouco diversificadas.
Desemprego: Resultado da incapacidade do setor exportador e das atividades modernas para o mercado interno de absorver o excedente de mão-de-obra, devido à insuficiência de poupança e capital, ao uso de técnicas capital-intensivas e à baixa capacidade de absorção de mão-de-obra inerente à modernização.
As proposições da CEPAL para a superação do atraso pela via da industrialização eram de caráter reformista e enfrentaram resistência. As principais propostas eram:
A CEPAL racionalizou e justificou a adoção de políticas de Substituição de Importações (ISI). Não se tratava de uma descoberta, pois já era praticada, mas a novidade estava na explicação de que a substituição espontânea tinha alto custo social; um desenvolvimento equilibrado exigia a programação da substituição.
Medidas: Envolvia protecionismo "saudável", alocação adequada de recursos externos, programação da substituição e cautela para não diminuir salários.
Fundamento: A ISI era resultado da interação dinâmica entre o desequilíbrio externo e as novas demandas por importação. Prebisch defendia que era uma "imposição da índole centrípeta do capitalismo", pois os centros não abriam suas portas para manufaturas da periferia, obrigando-a a continuar substituindo importações.
Os Problemas da ISI: Inicialmente, a substituição ocorria em bens finais não duráveis, com tecnologia simples. Contudo, as novas indústrias exigiam a importação de bens intermediários e de capital, renovando continuamente o problema da insuficiência de divisas.
Críticas Posteriores: Teóricos da dependência e neoclássicos criticaram a ISI no final dos anos 60, mas os estruturalistas da CEPAL foram pioneiros em reconhecer seus limites, inclusive publicando críticas à falha em diversificar exportações.
O planejamento era visto como um corolário natural do diagnóstico de problemas estruturais. Tratava-se de conferir racionalidade ao processo de industrialização espontânea. A percepção geral pós-crise de 1929 era que o planejamento era a única alternativa à desorganização econômica.
Fortalecimento do Estado: O planejamento da industrialização pressupunha o fortalecimento das capacidades de regulação e decisão do Estado, implicando controles cambiais e a transferência dos centros de decisão para a periferia.
Celso Furtado e o Planejamento: Celso Furtado foi o primeiro chefe da Divisão de Planejamento da CEPAL e dirigiu a elaboração do primeiro manual de técnica de planejamento das Nações Unidas. Ele via o planejamento como a "grande invenção do capitalismo moderno" e o único caminho para reduzir o atraso.
A CEPAL defendia um protecionismo "saudável", moderado e seletivo. O objetivo era compensar o fechamento relativo e as políticas protecionistas dos centros, garantindo o crescimento interno da renda e incentivando o desenvolvimento industrial. Prebisch, através de um modelo formal, concluiu a favor do protecionismo para a indústria para absorver mão-de-obra excedente em atividades do mercado interno moderno, em vez de atividades exportadoras que poderiam agravar a deterioração dos termos de troca.
No final da década de 1950, a CEPAL incorporou a ideia de integração regional à sua estratégia de industrialização, propondo a formação de mercados comuns latino-americanos (como ALALC e Mercado Centro-Americano). Isso visava superar a estreiteza dos mercados internos, aumentar a escala para investimentos, impulsionar exportações e melhorar a eficiência industrial. Havia também a noção política de que "blocos" aumentariam o poder de negociação dos países latino-americanos frente às nações do centro.
A CEPAL via a contribuição do capital estrangeiro com cautela. Embora reconhecesse sua importância para o aumento da produtividade e como complemento à poupança interna, advertia para a necessidade de uma política seletiva de admissão que impedisse a difusão de padrões de consumo incompatíveis com a acumulação produtiva e orientasse um desenvolvimento com autonomia nacional. Prebisch alertava para o perigo de expandir passivos externos, preferindo o financiamento de agências oficiais.
A tese estruturalista sobre a inflação é um subproduto da teoria do desenvolvimento periférico. Ela surgiu como reação às políticas de estabilização do FMI, consideradas obstrutoras do desenvolvimento.
Inflação como Resposta Estrutural: Para os estruturalistas, a moeda se expande passivamente como resposta a elevações de preços de origem estrutural, e não é a causa da inflação. A solução seria alterar as condições estruturais que a provocam, por meio de um esforço de crescimento econômico contínuo e planejado. Políticas restritivas, ao causarem recessão, reforçariam as tendências inflacionárias estruturais.
Causas Estruturais da Inflação: Três fatores estruturais se destacavam:
Desequilíbrio estrutural da balança de pagamentos: Devido à baixa velocidade de expansão das exportações.
Rigidez da oferta agrícola: Decorrente da atrasada estrutura agrária (latifúndio-minifúndio).
Insuficiência dos serviços de infraestrutura: Consequência de um sistema tributário obsoleto. Essas distorções só poderiam ser enfrentadas com uma política de crescimento envolvendo transformações estruturais, como a intensificação do esforço industrializante, reforma agrária e reforma tributária.
Mecanismos de Propagação: Além das causas básicas, existiam os "mecanismos de propagação" (como déficit fiscal, reajuste salarial e remarcação de preços), que eram a parte visível do processo inflacionário e a causa da inflação na visão monetarista. Alguns estruturalistas interpretavam esses mecanismos em termos sociológicos, como resultado de um conflito de classes pela participação na renda nacional.
Falso Dilema: Prebisch considerava a escolha entre desenvolvimento econômico e estabilização monetária um "falso dilema". Para ele, a compatibilidade desses objetivos exigia ação sobre os entraves da oferta, e não apenas sobre a demanda.
EXCEÇÃO / FOCO PARA CONCURSOS - Furtado e a Inflação no Brasil: Celso Furtado, em uma perspectiva original, argumentou que a inflação no Brasil, nas condições específicas de seu desenvolvimento, foi uma condição necessária para a industrialização. Para ele, a inflação serviu como instrumento para remover obstáculos e garantir a rentabilidade dos investimentos industriais e da substituição de importações. No entanto, a causa última da inflação não estava no desenvolvimento em si, mas na ausência de uma política autêntica de desenvolvimento.
A Teoria da Dependência surgiu na década de 1960 como uma leitura crítica e marxista não-dogmática dos processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo mundial. Ela se contrapunha tanto às posições marxistas convencionais dos partidos comunistas (que atribuíam o atraso a resquícios feudais) quanto à visão da CEPAL.
Intelectuais como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra desenvolveram essa teoria, argumentando que o desenvolvimento econômico não se dava por etapas universais. Para eles, a caracterização dos países como "atrasados" decorria da relação de dependência entre países "centrais" e "periféricos" no capitalismo mundial. A dependência expressava subordinação, e não era forjada por uma condição agrário-exportadora ou herança pré-capitalista, mas sim pelo padrão de desenvolvimento capitalista do país e sua inserção no capitalismo mundial dada pelo imperialismo.
A teoria da dependência criticava o "dualismo estruturalista" da CEPAL e a ideia de "obstáculos externos", afirmando que o desenvolvimento capitalista ocorreria, mas sob a forma do subdesenvolvimento.
A fórmula "desenvolvimento do subdesenvolvimento" capta precisamente a dinâmica em que a industrialização na América Latina, embora possível e necessária ao centro do capitalismo, reforçaria o subdesenvolvimento das economias nacionais, levando à "nova dependência".
Uma das contribuições da Teoria da Dependência é que ela considera que a dependência não é apenas um processo externo, mas também interno, determinado pela luta de classes no plano nacional.
Superexploração do Trabalho: Para compensar sua menor participação na acumulação gerada internamente, a burguesia nacional dos países periféricos recorria a mecanismos extraordinários de exploração da força de trabalho, visando ampliar a mais-valia extraída do trabalho, caracterizando a superexploração do trabalho. Isso explicava a precariedade das condições de trabalho, baixos salários e longas jornadas na América Latina.
A "Nova Dependência": Mesmo com a industrialização, a dependência se realimentava. As atividades econômicas mais dinâmicas passaram para as mãos de empresas transnacionais, determinando a dinâmica interna. A dependência, que antes era marcada pelas trocas desiguais, passou a ser exercida pela dependência de tecnologias, direitos autorais, investimentos diretos externos, endividamento externo, imposição de políticas monetaristas/neoliberais por organismos multilaterais, e fluxos de remessas de lucros e capitais especulativos.
Fernando Henrique Cardoso, uma importante referência da teoria da dependência, em sua obra com Enzo Faletto, "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" (1967), enfatizou o papel dos fatores internos na compreensão dos processos de dependência. Ele negava que a dependência implicasse necessariamente em estagnação econômica e subdesenvolvimento, e que a ruptura socialista fosse a única via possível para a industrialização. Cardoso argumentava que as "análises da dependência" eram estudos no campo do marxismo que buscavam analisar a realidade concreta das sociedades latino-americanas.
Ruy Mauro Marini introduziu a categoria de sub-imperialismo para descrever o processo dinâmico em que o capitalismo nacional de alguns países (como o Brasil) expande seus capitais sobre economias vizinhas, mas sob os limites impostos pelo capital monopólico mundial. O sub-imperialismo surge da necessidade da burguesia dependente de desdobrar sua acumulação para o exterior, uma vez que o mercado interno é atrofiado pela superexploração do trabalho, que limita o espaço de realização da mais-valia. Embora rivalize parcialmente com o país central, o país sub-imperialista não rompe com a dependência, servindo como plataforma de intermediação de capitais e mais-valia.
A Teoria da Dependência entrou em crise no final da década de 1970, sofrendo com o golpe no Chile (1973) e críticas por não ter captado as mudanças subsequentes, como a consolidação do neoliberalismo e a globalização nos anos 80 e 90. Houve uma diminuição da produção autoral e dificuldades dos intelectuais ligados à teoria de se reinserir em universidades e movimentos sociais após a redemocratização.
No entanto, alguns autores da teoria da dependência, como Theotonio dos Santos e André Gunder Frank, transitaram para a Teoria do Sistema-Mundo, buscando uma análise global da acumulação capitalista que fosse além dos limites da teoria da dependência, mas a incorporasse. Isso envolveu a combinação de ciclos de longo prazo (Nikolai Kondratiev) com ciclos históricos (Fernand Braudel).
Diante dos desafios globais como eventos climáticos extremos, crises hídricas e o aumento das desigualdades, o modelo econômico atual necessita de ajustes urgentes. A resposta a essas questões é o conceito de Desenvolvimento Sustentável.
O termo "desenvolvimento sustentável" ganhou destaque global com o relatório "Nosso Futuro Comum" (Relatório Brundtland), publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. A definição mais citada é: "Desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades".
Popularizado por John Elkington em 1994, o conceito de Triple Bottom Line (TBL), ou "tripé da sustentabilidade", propõe que o sucesso de uma sociedade, empresa ou política deve ser medido por seu impacto econômico, social e ambiental. Esses três pilares são interdependentes e devem ser equilibrados:
Econômica: Promover crescimento econômico equitativo, com distribuição de riqueza e acesso a oportunidades.
Social: Garantir justiça social, redução da pobreza, acesso à educação, saúde e direitos humanos.
Ambiental: Preservar ecossistemas, biodiversidade e recursos naturais (água, solo, ar).
A integração harmoniosa desses pilares é fundamental, pois projetos econômicos que extraem sem critérios podem gerar lucro no curto prazo, mas destruir recursos essenciais no longo prazo, causando danos irreversíveis.
O desenvolvimento sustentável enfrenta grandes desafios:
Desmatamento: Ameaça à biodiversidade e ao clima, com causas como expansão agropecuária, mineração ilegal e grilagem de terras, resultando em perda de biodiversidade e emissões de CO2.
Poluição: Problema global e silencioso que afeta o ar (emissões industriais e veiculares) e a água (despejo de esgoto não tratado, plástico nos oceanos).
Desigualdade Social: Barreira fundamental, pois a riqueza global é altamente concentrada, enquanto bilhões vivem na pobreza multidimensional, sem acesso a serviços básicos.
Para avançar, são essenciais soluções como:
Transição para uma economia circular: Reutilizar, reciclar e renovar recursos, reduzindo o desperdício.
Políticas públicas para energias renováveis e tecnologias limpas: Reduzir emissões de gases de efeito estufa.
Educação ambiental e engajamento social: Conscientização e participação ativa dos cidadãos.
Em 2015, a ONU lançou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, um plano de ação global para as pessoas, o planeta e a prosperidade, buscando fortalecer a paz universal com mais liberdade. A Agenda é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas associadas, que são integrados, indivisíveis, globais e universalmente aplicáveis.
Erradicação da Pobreza: A Agenda reconhece a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões como o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.
Dimensões Integradas: Os ODS mesclam, de forma equilibrada, as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.
Universalidade dos ODS: São aplicáveis a todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, levando em conta suas realidades e prioridades nacionais.
Compromisso de Não Deixar Ninguém Para Trás: A Agenda se compromete a não deixar ninguém para trás, focando nos mais pobres e vulneráveis, incluindo crianças, jovens, pessoas com deficiência, povos indígenas, refugiados e migrantes.
Papel de Governos, Empresas e Sociedade:
Governos: Responsáveis por políticas públicas e regulamentações, cumprimento de acordos internacionais e estabilidade social.
Empresas: Agentes centrais na transição, impulsionando inovação, reduzindo riscos e garantindo sobrevivência no mercado.
Sociedade Civil: Beneficiária e agente ativa, buscando qualidade de vida, participação democrática e justiça intergeracional. Todos os países e grupos interessados atuarão em parceria colaborativa para implementar o plano.
A Importância dos Dados e Indicadores para o Monitoramento: A Agenda 2030 enfatiza a necessidade de dados confiáveis, desagregados e de qualidade para aferir o progresso e garantir que ninguém seja deixado para trás. Há um compromisso de desenvolver medidas mais amplas de progresso para complementar o PIB.
Para otimizar seus estudos e preparação para concursos, atente-se aos seguintes pontos, frequentemente cobrados e que encapsulam os conceitos mais importantes:
Diferença Fundamental entre Crescimento e Desenvolvimento: Entender que crescimento é quantitativo (PIB) e desenvolvimento é qualitativo (qualidade de vida, bem-estar social, saúde, educação, distribuição de renda) é crucial. Lembre-se do "Crescimento Sem Desenvolvimento" (ex: Milagre Brasileiro).
A Teoria Centro-Periferia da CEPAL: A ideia de que o mundo é dividido em centros industrializados e periferias produtoras de matérias-primas, com a difusão desigual do progresso técnico e a resultante "heterogeneidade estrutural" na periferia.
A Tese da Deterioração dos Termos de Troca (Prebisch-Singer): A base da crítica cepalina ao livre comércio, que argumenta que os ganhos de produtividade da periferia são transferidos para o centro devido à dinâmica dos preços de produtos primários e manufaturados.
A Industrialização por Substituição de Importações (ISI): Compreender o ISI como uma resposta inevitável aos problemas estruturais da periferia, mas também seus próprios desafios, como a dependência de importação de bens de capital e a insuficiência de divisas.
A Distinção entre a Visão Cepalina e a Teoria da Dependência:
CEPAL: Reformista, busca superar o atraso pela industrialização e planejamento dentro do sistema capitalista, mas criticando suas assimetrias.
Teoria da Dependência: Mais radical, argumenta que o desenvolvimento capitalista na periferia leva ao "desenvolvimento do subdesenvolvimento", necessitando, para alguns, de uma ruptura com o capitalismo para superá-lo.
A Tese Estruturalista da Inflação: A inflação não como fenômeno monetário, mas como resultado de desequilíbrios estruturais (balança de pagamentos, rigidez agrícola, infraestrutura). Destaque para a visão de Celso Furtado de que a inflação, em certos contextos, pode ter impulsionado a industrialização no Brasil.
O Conceito de Subdesenvolvimento como Processo Histórico Autônomo: A ideia de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento, mas um fenômeno único e historicamente determinado pela expansão do capitalismo industrial e a forma como ele "enxertou" em estruturas pré-capitalistas.
Desenvolvimento Sustentável e os ODS: A evolução do conceito para integrar as dimensões econômica, social e ambiental, com a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como o marco mais atual para a busca de um futuro equitativo e resiliente.
Ao dominar esses conceitos e suas interconexões, você estará bem preparado para abordar qualquer questão sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, seja em um debate acadêmico ou em uma prova de concurso.
Questões de Múltipla Escolha:
Qual é uma característica do desenvolvimento econômico?
A) Baixo Produto Interno Bruto (PIB)
C) Melhoria das condições de vida da população
D) Desigualdades socioeconômicas
De acordo com a teoria da dependência econômica, por que os países subdesenvolvidos são explorados?
A) Porque possuem alta renda per capita
B) Devido à adoção de práticas modernas
C) Através do comércio desigual e exploração de recursos naturais
D) Por investimentos estrangeiros diretos
Qual é um exemplo de país desenvolvido mencionado no texto?
A) Haiti
B) Suíça
C) Brasil
D) Nigéria
Gabarito:
C) Melhoria das condições de vida da população
C) Através do comércio desigual e exploração de recursos naturais
B) Suíça