Søren Kierkegaard: A Profundidade da Existência Humana através da Culpa Paterna e do Amor por Regine Olsen
Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855) não foi apenas um filósofo, mas um escritor que transformou sua própria existência em objeto e método de sua obra. Sua filosofia, que o consagra como fundador do existencialismo, está indissoluvelmente ligada aos dramas, paixões e inquietações de sua vida pessoal.
Para compreender a complexidade de seu pensamento, é essencial mergulhar nos eventos que moldaram sua alma, com destaque para a influência marcante de seu pai e o profundo impacto de seu rompimento com Regine Olsen. Este texto tem como objetivo explorar esses pilares biográficos e conceituais, oferecendo um guia didático e completo sobre Kierkegaard, com foco nos temas mais relevantes para estudantes e em contextos de avaliação.
1. A Vida de Søren Kierkegaard: O Drama Existencial por Trás da Obra
A trajetória de Kierkegaard é uma fonte rica para entender suas reflexões filosóficas, pois ele mesmo afirmava que toda a sua produção literária não era senão uma expressão de sua vida e sua própria educação.
1.1. A Infância e a Sombra Paterna: A Culpa, a Melancolia e o "Grande Terremoto"
A figura central na vida de Søren Kierkegaard foi seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard, um homem que já tinha 56 anos quando Søren nasceu. Michael Pedersen era um comerciante de lãs que enriqueceu após uma infância de extrema pobreza como pastor de ovelhas na Jutlândia, uma região da Dinamarca com uma expressão religiosa marcada por um pietismo triste, culpa e medo da punição. Ele também frequentava a congregação Irmandade Morávia, conhecida por seu pensamento religioso austero que enfatizava a condição pecaminosa da natureza humana.
A melancolia do pai, da qual Kierkegaard se considerava herdeiro, era atribuída a duas culpas profundas que o atormentavam até a velhice:
A Blasfêmia na Infância: Quando jovem e sofrendo de fome e frio, Michael Pedersen amaldiçoou Deus do alto de uma colina. Esse ato, do qual ele nunca conseguiu se perdoar, era um fardo constante.
O Pecado com Betsabéia (Adultério): Poucos meses após a morte de sua primeira esposa, Michael Pedersen teve relações com sua criada, Anne Sørensdatter Lund (que se tornaria a mãe de Kierkegaard), e ela engravidou antes do casamento. Kierkegaard se referia a isso como o "pecado com Betsabéia", uma alusão ao adultério bíblico de Davi.
Kierkegaard acreditava que a morte de cinco de seus sete irmãos e de sua mãe era uma decorrência direta desses pecados paternos, um castigo divino que pesava sobre toda a família. Ele descreveu a descoberta da maldição familiar como um "grande terremoto" que impôs uma nova lei de interpretação a todos os fenômenos de sua vida. Essa angústia o dominava diante do cristianismo, ao qual, paradoxalmente, ele se sentia intensamente atraído.
A educação recebida de seu pai foi rigorosa, mas também estimulante. Michael Pedersen instigava Søren a defender cada afirmação, ensinando-lhe lógica e dialética desde cedo. O pai, que recebia em casa líderes religiosos e políticos da época, cultivou o talento intelectual do filho, com quem fazia "viagens imaginárias" e a quem educou na arte da dialética. Essa influência levou Kierkegaard a se matricular em teologia na Universidade de Copenhague.
Após um período de afastamento e uma fase de vida boêmia, na qual acumulou dívidas e se entregou aos prazeres da vida, Kierkegaard se reconciliou com o pai em 1838, três meses antes de sua morte. Ele interpretou a morte do pai como um "último sacrifício" de amor, um ato de redenção para que ele, Søren, pudesse realizar sua própria missão. A morte do pai, ao invés de ser um fim, marcou o despertar de um fervor cristão em Kierkegaard e o início de sua prolífica carreira como autor, financiando suas publicações com a herança.
1.2. A Relação com Regine Olsen: Um Sacrifício de Amor e Missão Literária
O noivado com Regine Olsen e seu rompimento em 1841 foi um evento crucial e transformador na vida de Kierkegaard, reverberando profundamente em toda a sua obra. Ele a conheceu em 1837 e ficaram noivos em 1840.
Embora os motivos exatos para o rompimento do noivado nunca tenham sido totalmente esclarecidos, diversas interpretações e razões interligadas são apresentadas nas fontes:
Incompatibilidade Espiritual e Religiosa: Kierkegaard acreditava que um casamento exigia uma profunda comunhão espiritual, e Regine não parecia disposta a seguir o caminho religioso com a mesma intensidade que ele. Ele chegou a escrever "discursos edificantes" para ela, buscando direcioná-la espiritualmente.
Sacrifício de Amor para Preservá-la: Uma das explicações mais recorrentes é que Kierkegaard queria preservar Regine da maldição que ele acreditava pairar sobre sua família devido aos pecados de seu pai. Esse ato foi visto como um "sacrifício de amor", onde ele se colocava em uma posição análoga à de Abraão, que deveria sacrificar seu filho Isaque por uma ordem divina. No caso de Kierkegaard, seu "sacrifício" era abrir mão do casamento para cumprir um chamado divino à autoria.
Dedicacação Exclusiva à Missão Filosófica e Teológica: Kierkegaard sentiu que a vida comum e o casamento eram incompatíveis com sua missão extraordinária como escritor e pensador, que exigia liberdade e dedicação irrestrita. Ele queria evitar qualquer coisa que o afastasse da escrita.
O término com Regine não foi "apenas um detalhe sem sentido", mas algo que afetou-o profundamente e energizou seus escritos subsequentes. Ele dedicou todas as suas obras a ela em seu testamento, e lhe deixou todos os seus bens, como um sinal de que eles haviam sido "casados espiritualmente". Regine Olsen se tornou a "min Laeser" (minha leitora/minha leitura), a quem ele direcionava suas reflexões. O rompimento inspirou diretamente obras como Ou-ou (ou Either/Or), Temor e Tremor, O Conceito de Angústia, Estágios no Caminho da Vida, O Diário de um Sedutor, Repetição e Obras do Amor. A culpa de Kierkegaard foi aliviada anos depois, quando Regine se casou com outro homem.
2. Os Pilares do Pensamento Kierkegaardiano (Ordem Didática)
A obra de Kierkegaard é uma exploração da existência humana, marcada por um estilo dialético, irônico e muitas vezes hermético. Ele não construiu um sistema filosófico abstrato, mas se preocupou com a vida humana concreta, a existência e o ser-existente.
2.1. O Indivíduo e a Subjetividade: A Busca da Verdade "Que é Verdadeira para Mim"
No cerne da filosofia de Kierkegaard está a noção do indivíduo singular. Ele atacou os grandes sistemas filosóficos, como o de Hegel, que buscavam uma verdade universal e objetiva através da razão, e que, em sua visão, não conseguiam "engaiolar a existência". Para Kierkegaard, a verdade reside na subjetividade, alcançada pela intensidade do sentimento. Ele buscava uma "verdade que seja verdade para mim, para achar a ideia pela qual vou viver e morrer". Esta é a "verdade subjetiva", que difere da "verdade objetiva" (científica ou coletiva) por estar ligada à vontade e à experiência individual, ao "como" se vive, e não apenas ao "o que" se sabe. A individualidade é o "eixo de tudo". Essa ênfase no indivíduo é uma de suas maiores contribuições para a psicologia, por focar na "irrepetível e insubstituível singularidade" de cada pessoa.
2.2. Os Estágios da Existência: Alternativas ou Tensões Existenciais?
Kierkegaard descreveu três "esferas" ou "estágios" da existência humana: o estético, o ético e o religioso. É crucial entender que esses estágios não são necessariamente etapas lineares ou hierárquicas a serem superadas no sentido hegeliano, mas sim "diferentes possibilidades de existir" ou "estilos de vida" que o indivíduo pode escolher. A transição entre eles é um "salto", uma ruptura, não uma progressão lógica ou psicológica.
Estágio Estético: Caracteriza-se pela busca do prazer imediato e da gratificação pessoal. O esteta vive no "agora", evita obrigações e relacionamentos profundos, e busca constantemente a novidade. É um estágio autocentrado e descompromissado com o outro, onde o indivíduo se ilude pensando que a existência é apenas prazer, ignorando a angústia. Kierkegaard representou este estágio através de pseudônimos como Johannes, o Sedutor, em Diário de um Sedutor, e o "Esteta A" de Ou-ou. Ele próprio viveu uma fase similar na juventude.
Estágio Ético: Baseia-se na responsabilidade, no dever e na adesão a verdades universais, como a moralidade e as expectativas sociais. O homem ético reconhece as consequências de seus atos e valoriza o compromisso, como o casamento. Vive de forma preocupada e pode se iludir, buscando construir uma existência idealizada, sem erros ou imperfeições, o que não abarca toda a subjetividade humana. O Juiz Wilhelm de Ou-ou é o personagem que representa o estágio ético.
Estágio Religioso: Caracteriza-se por uma profunda e pessoal relação com Deus, priorizando o eterno em detrimento do terreno. É o estágio da fé absoluta, que muitas vezes desafia as normas éticas convencionais. Implica um "salto de fé" no absurdo e ininteligível da vontade divina. A humildade é um valor central. No entanto, o homem religioso também pode se iludir, achando que está completamente livre das solicitações do mundo. O livro Temor e Tremor é a obra que explora este estágio, usando a história do sacrifício de Abraão como exemplo da fé que transcende a ética.
2.3. Angústia: A "Vertigem da Liberdade" e o Potencial Criativo
A angústia é um conceito central em Kierkegaard e é considerada a pedra angular da psicologia existencial. Em sua obra O Conceito de Angústia, ele a define como "a realidade da liberdade como puro possível".
Natureza e Universalidade: A angústia está presente em todos os seres humanos, independentemente de sua cultura, e é uma característica "constante e natural". Animais não experimentam angústia porque não possuem a mesma liberdade de escolha.
Liberdade e Escolha: A angústia surge quando o homem confronta sua liberdade e as infinitas possibilidades de escolha. É a ambiguidade que antecede toda escolha.
Angústia do Nada: Um tipo importante de angústia é a "angústia do nada", que surge quando o sujeito se percebe em um vazio entre uma forma de ser (que se reconhece inadequada) e outra (que ainda não se domina). A "realidade inteira do saber projeta-se na angústia como o enorme nada da ignorância".
Aspecto Potencializador: Embora possa ser inicialmente preocupante e paralisante, a angústia é também uma "força criadora da existência" e um "instrumento que torna compreensível a existência e a liberdade humana". Enfrentar a angústia é o caminho para o conhecimento e a autonomia. Ela nos distingue do mundo, nos coloca diante de nós mesmos e de nossas próprias possibilidades.
Angústia e Autoconsciência: A angústia é a "via de acesso à consciência de si" e à sua situação. Ela permite ao homem "moldar e, em certa medida, transformar o seu presente desenvolvimento histórico". Quanto mais consciência, mais angústia, mas também mais capacidade de moldar a si mesmo.
2.4. Desespero: A "Enfermidade Mortal" do Eu
Em sua obra O Desespero Humano (publicada sob o pseudônimo Anti-Climacus), Kierkegaard equipara o desespero ao conceito cristão de pecado e o chama de "a enfermidade mortal".
Natureza do Desespero: O desespero reside no caráter provisório e paradoxal da existência humana. É a impossibilidade de cada um se aceitar como é, uma "discordância interna de uma síntese cuja relação diz respeito a si própria".
Desespero do Eu: Não é o desespero sobre algo externo, mas sim o desespero do próprio "eu". É o conflito entre "querer ser si mesmo" e "não querer ser si mesmo".
Condição Universal: O desespero é uma condição universal do ser humano. A consciência do desespero eleva o homem acima do animal, e o cristão, consciente de seu desespero, é um homem superior. A "perdição" permite a remissão.
2.5. O Salto de Fé e a Suspensão Teleológica do Ético (Conceitos Avançados)
O salto de fé é o movimento decisivo que leva o indivíduo do estágio ético para o religioso. Diferentemente da dialética hegeliana, que busca uma síntese racional, o salto de fé em Kierkegaard é uma ruptura e uma rendição total à vontade de Deus, mesmo que pareça absurda ou ininteligível pela razão.
A suspensão teleológica do ético é um conceito intrinsecamente ligado ao salto de fé no estágio religioso. Kierkegaard exemplifica isso com a história de Abraão e o sacrifício de Isaque em Temor e Tremor. Abraão sabia que matar seu filho era antiético, mas ele decide "suspender" essa obrigação moral, colocando as preocupações éticas em segundo plano, porque tem fé na retidão do fim (telos) que Deus trará. Ele coloca as preocupações religiosas acima das éticas, provando sua fé em Deus. Este ato, ininteligível universalmente, é a expressão de uma fé absoluta.
2.6. Pseudônimos e Comunicação Indireta: A Estratégia do Autor
Kierkegaard utilizou diversos pseudônimos (ou heterônimos) para assinar suas obras, cada um representando uma "filosofia de vida" ou um "modo de existir" diferente. Essa estratégia visava atrair o leitor e convidá-lo a uma reflexão existencial autônoma, sem doutrinação direta.
Motivação: Ele desejava "esconder-se", mas, ao mesmo tempo, queria que fosse óbvio que se tratava de pseudônimos. O objetivo era proporcionar uma "comunicação indireta" que atingisse a subjetividade profunda do leitor, despertando a consciência do existencial, do eterno e do dever.
Contraste com Comunicação Direta: A comunicação direta transmite um saber objetivo. A comunicação indireta, por sua vez, é inquieta e dramática, opondo-se ao saber "conciliador" de Hegel. Ela busca a transformação do indivíduo através da vontade e da ação, não apenas do intelecto.
O "Limpar o Terreno": Kierkegaard via sua missão como "socrática" e "profético-reformadora", buscando "limpar o terreno" para o verdadeiro cristianismo. Ele via o cristianismo de sua época na Dinamarca como uma "ilusão" ou "caricatura", onde as pessoas se diziam cristãs sem um compromisso verdadeiro com a autenticidade religiosa. Um ataque direto apenas faria com que as pessoas se agarrassem ainda mais às suas ilusões.
Ironia Socrática: Ele utilizava a ironia socrática como método para expor a verdade sem expô-la diretamente, assumindo uma postura que, provisoriamente, parecia estar errada ou ignorante.
3. Kierkegaard e o Diálogo com a Psicologia e Psicanálise (Prioridade em Concursos)
Embora não fosse um psicólogo ou psicanalista em termos formais, a obra de Kierkegaard é de enorme relevância e influência para essas áreas, especialmente para as abordagens existenciais e humanistas.
Fundador da Psicologia Existencial: Muitos comentadores e psicólogos, como Rollo May, Martin Buber e outros, associam Kierkegaard às origens e fundamentos da Gestalt-Terapia, da Abordagem Centrada na Pessoa e da Psicologia Existencial. Sua leitura da subjetividade e seu foco no "pensador subjetivo" são considerados sua principal contribuição para a psicologia.
Angústia como Objeto Clínico: O conceito de angústia é um "objeto" por excelência para muitas perspectivas clínicas. Para May, a psicoterapia busca expandir a autoconsciência ao lidar com os conflitos internos que geram angústia. A angústia, ao mesmo tempo que reflete a precariedade da existência, é um potencializador da ação e da liberdade. Professores, por exemplo, ao se depararem com um "nada" de conhecimento novo em formações continuadas, experienciam a angústia que pode impulsionar a busca por novas práticas.
Desespero na Clínica: O desespero, "a enfermidade mortal", também é um tema de aplicação clínica. É a impossibilidade de se aceitar, de ser o "eu" que se ilude ser. Na clínica, isso se manifesta como a tendência de culpar os outros pelas não-realizações.
O Legado para Lacan (Conteúdo Específico e Cobrado): Jacques Lacan, um dos mais influentes psicanalistas do século XX, faz referências diretas e cruciais a Kierkegaard em seus seminários.
Transmissão do Pecado do Pai: Lacan evoca Kierkegaard para abordar os efeitos da "transmissão do pai", afirmando que "a herança do pai... é seu pecado". Para Lacan, Kierkegaard reforça a função limite entre o "real" e a "angústia".
Pecado e Angústia: Kierkegaard relaciona a angústia ao pecado original, afirmando que o pecado não pertence a nenhum campo do saber e que a angústia é a única via de acesso para abordá-lo. Para Kierkegaard, "a angústia seria o pecado original de cada um", pois o pecado "entra no mundo subitamente, quer dizer, mediante um salto", e a angústia o engendra. Lacan usa essa ideia para argumentar que o pecado não é um fato isolado do Gênesis, mas algo que se engendra a partir do próprio pecado, "produzindo uma série".
Para Além do Pai Idealizado: Lacan utiliza a provocação de Kierkegaard para questionar a figura de um pai idealizado (o pai edípico). A partir de Kierkegaard, Lacan argumenta que a culpa recai sobre o filho para demonstrar que a castração do Pai é o seu pecado. O foco não é mais o amor ao Pai, mas o "amor do Pai" e seu gozo, o que significa que o pai existe como um ser entre outros, com sua própria falta e pecado.
4. Perguntas Frequentes e Mitos Comuns sobre Kierkegaard
Para aprofundar a compreensão e desmistificar equívocos, abordaremos algumas questões comuns:
"Quão autobiográfica é a obra de Kierkegaard?"
Relevância Extrema, mas Não Meramente Autobiográfica: A biografia de Kierkegaard é extremamente relevante para entender sua obra. Ele mesmo afirmou que sua produção é "expressão de sua vida" e "sua educação". A coincidência entre vida e obra é, para ele, um "princípio do método existencial".
Mais que um Diário: Contudo, não se trata de uma simples autobiografia. Sua vida é o pano de fundo vivencial e fundamental para sua compreensão de mundo, mas seus livros possuem um conteúdo filosófico autônomo. Estudiosos alertam para o risco de uma leitura "psicanalítica" excessiva, que poderia incorrer em uma "falácia genética" (reduzir a filosofia à biografia), desvalorizando o impacto filosófico das ideias em si. Ele se utilizou da vida como laboratório para suas reflexões existenciais, criando personagens (pseudônimos) que vivenciam as possibilidades da existência.
"As 'etapas' de existência são um caminho rígido?"
Não são Estágios Lineares: Como mencionado, os estágios estético, ético e religioso não são etapas fixas ou teleológicas a serem superadas em uma progressão necessária. Kierkegaard não os concebe como uma escada ascendente onde se abandona um estágio para sempre ao atingir o próximo.
Possibilidades de Existir: Pelo contrário, são "possibilidades de existir" ou "estilos de vida" que podem estar em tensão ou coexistir. O indivíduo pode transitar entre eles por meio de "saltos" (rupturas existenciais), não por transições lógicas. A própria presença de obras estéticas e religiosas ao longo de toda a sua produção demonstra que o estético não é simplesmente abandonado.
"Kierkegaard ignorava a dimensão social da ética cristã?"
Foco na Transformação Qualitativa, Não no Desprezo Social: Kierkegaard foi frequentemente criticado por desconsiderar a dimensão social da ética cristã e por "espiritualizar" o amor ao próximo.
Diferença Qualitativa: No entanto, ele não menosprezava a importância de promover o bem-estar social e material. Seu objetivo era mostrar a "diferença qualitativa" entre a prática do amor cristão e a "expressão política e social de generosidade organizada". O mandamento do amor ao próximo, para ele, erradica a exclusividade egoísta do amor natural (erótico ou amizade), estabelecendo a equidade no amor porque Deus ordena esse amor. Ele visava a profundidade interior e a motivação divina do amor, não sua expressão pública ou institucional.
"O rompimento com Regine Olsen foi apenas um detalhe sem importância?"
Profundamente Significativo: Como já detalhado, a relação e o rompimento com Regine Olsen foram imensamente importantes e profundamente impactantes para Kierkegaard e todos os seus escritos. Longe de ser um "detalhe sem sentido", foi um catalisador para a exploração de temas como o amor, o sacrifício, a fé, a angústia e o dever em suas obras mais célebres. Sua dedicação póstuma de suas obras e bens a ela sublinha essa relevância.
5. O Legado Inquietante de Kierkegaard
Søren Kierkegaard, com sua vida entrelaçada à sua obra, deixou um legado filosófico que ressoa até hoje. Sua insistência na primazia do indivíduo e da subjetividade o colocou na vanguarda do debate existencialista, influenciando gerações de pensadores em filosofia, psicologia e teologia.
Ao desafiar os sistemas racionais de seu tempo, Kierkegaard abriu caminho para uma compreensão mais profunda da existência concreta, do sofrimento humano, da angústia como motor de autoconsciência e do desespero como condição universal. Seu método de comunicação indireta através de pseudônimos foi uma estratégia genial para convocar o leitor a uma decisão existencial autônoma, a um "salto de fé" na paradoxalidade da vida.
A "culpa do pai" e o "amor por Regine Olsen" não são meros episódios biográficos, mas os dramas existenciais que impulsionaram a criação de uma filosofia que convida cada um a se tornar autêntico diante de Deus, do mundo e de si mesmo. O pensamento de Kierkegaard continua a ser um "tônico filosófico" para a angústia religiosa e existencial, revelando que a vida não é um problema a ser resolvido, mas uma realidade a ser vivenciada com paixão, responsabilidade e, acima de tudo, fé. Sua obra, difícil e desafiadora, permanece um convite constante à reflexão sobre o que significa realmente existir.