A Literatura de Cordel é uma das manifestações populares mais ricas da cultura brasileira, sendo especialmente comum nas regiões Norte e Nordeste do país, abrangendo estados como Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e Ceará. Trata-se de um gênero literário elaborado em versos e com linguagem popular, funcionando como uma crônica popular que relata eventos regionais, expressando a cosmovisão da população.
Este nível abrange a definição básica do que é o cordel, a origem do seu nome e o seu status oficial atual.
A Literatura de Cordel é uma expressão poética de resistência e manifestação popular. É uma forma de arte enraizada na oralidade, na memória coletiva e na sensibilidade estética das classes populares. Em sua essência, busca informar os leitores, utilizando recursos alegres, divertidos e uma forte oralidade, distinguindo-se da literatura convencional por ser uma tradição regional.
O cordel mistura narrativa, música e performance, sendo um veículo legítimo para a construção do simbólico e do poético, atuando como ferramenta de crítica, denúncia, humor e encantamento. É, em muitos contextos, considerado o "livro do povo" e a "crônica rimada da vida brasileira".
A expressão "Literatura de Cordel" deriva da forma como os folhetos são tradicionalmente exibidos e vendidos.
Os livretos, geralmente pequenos e com capa de xilogravura, são pendurados em cordas ou cordéis (barbantes) em feiras e locais públicos, como se fossem roupas em um varal.
Essa prática era comum na Espanha e em Portugal.
Embora o termo tenha sido importado de Portugal (onde foi designado por Teófilo Braga no século XVII), é importante notar que a expressão originalmente se referia mais a uma fórmula editorial (edições de baixo custo) do que a um gênero literário específico. No Nordeste brasileiro, o nome mais comum entre os sertanejos é frequentemente “folheto de versos” ou “literatura de folhetos”.
O reconhecimento institucional da Literatura de Cordel como um bem de suma importância cultural é um tema recorrente em exames:
Em setembro de 2018, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconheceu a Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo Conselho Consultivo do IPHAN.
Esse reconhecimento destaca que o gênero é ofício e meio de sobrevivência para inúmeros brasileiros, abrangendo poetas, declamadores, editores, ilustradores, desenhistas, artistas plásticos, xilogravadores e folheteiros (vendedores).
O cordel possui uma estrutura formal reconhecível, que o diferencia de outras formas de poesia popular.
Para os poetas cordelistas, o gênero deve possuir basicamente três elementos, transmitidos por uma longa tradição: métrica, rima e oração.
Métrica: Refere-se à quantidade de sílabas poéticas e versos.
Rima: A repetição do som das últimas palavras em determinados versos.
Oração: Diz respeito à coerência do enredo e sua organização. A história deve se desenrolar de forma clara, com início, desenvolvimento e conclusão, buscando uma narrativa desembaraçada.
A força do cordel reside na sua capacidade de fazer com que a forma sirva à vida.
Linguagem Popular: O vocabulário é direto, informal e coloquial, frequentemente utilizando regionalismos, trocadilhos e expressões locais, sempre com intensa presença de oralidade.
Temática Ampla: O cordel trata de uma vasta gama de assuntos, sendo uma das suas características principais. Aborda temas:
Sociais e Políticos: Crítica social, desigualdade, religiosidade, justiça, eleições, coronelismo, movimentos populares e história.
Folclore e Lendas: Contos, histórias, fábulas, passagens bíblicas.
Cotidiano e Acontecido: Fatos históricos (nacionais e mundiais, como a Grande Guerra), vida e morte de políticos, costumes, seca e migração. O folheto de "acontecido" ou "de época" atua como uma crônica poética ou "jornal do povo".
Tradicionalmente, a capa dos folhetos é ilustrada com xilogravuras.
Definição Técnica: A xilogravura é uma técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz para a reprodução da imagem (semelhante a um carimbo). A figura é entalhada na madeira com instrumentos cortantes (buril, formão, goiva).
A Xilogravura no Cordel: Embora a xilogravura (provavelmente de origem chinesa) tenha chegado ao Brasil no século XIX, ela se enraizou profundamente no Nordeste, transformando a expressão artística regional. A capa em xilogravura se tornou um ícone do cordel.
Estilo: A xilogravura popular brasileira, especialmente a nordestina, possui características estilísticas próprias, marcadas pela simplicidade e expressividade do traço.
A história do cordel no Brasil é marcada por uma apropriação e reinvenção do modelo europeu, um ponto crucial para entender sua singularidade e valorizar sua manifestação nacional.
A Literatura de Cordel, antes de chegar ao Brasil, tinha manifestações antigas na Europa.
Península Ibérica: Era conhecida como “pliegos” e “sueltos” (folhas soltas e volantes), comuns em cidades como Madrid e Barcelona. Em Portugal, era chamada de “literatura de cegos”, devido a uma lei de D. João V que permitia à Irmandade dos Homens Cegos de Lisboa trabalhar publicizando nas calçadas de igrejas.
França: Nos séculos VIII e IX d.C., existiam folhetos chamados “colportage” e “cannards”, além da “biblioteca azul”.
Conteúdo Europeu: Os textos editados no formato de cordel português frequentemente tinham origem na cultura letrada e eram adaptados para o formato popular, abordando temas de cavalaria (como Carlos Magno e os doze pares de França).
Embora o cordel tenha chegado ao Brasil com os colonizadores, ele se enraizou e ganhou identidade própria no Nordeste, especialmente no século XIX, atingindo maior força e popularidade entre as décadas de 1930 e 1960.
O folheto nordestino, ou folheto de versos, não é uma simples continuidade da prática europeia; é uma criação cultural autêntica.
Cordel Português (Matriz Europeia) | Folheto Nordestino (Criação Brasileira) |
Gênero: Fórmulas editoriais variadas (prosa, verso, teatro, novelas, farsas). Não havia uniformidade de gênero. | Gênero: Possui características formais definidas: métrica e rima rígidas (sextilhas, setilhas) e unidade narrativa. |
Conteúdo: Visava a divulgação de textos de origem letrada ou religiosa/moralizante. Temática focada em nobres, reis e heróis. | Conteúdo: Temática calcada na realidade social nordestina (seca, coronelismo, impostos, cangaço). Narrativa de um viés popular. |
Visão Social: Desconsiderava classes sociais; o bem era associado à nobreza e o mal aos salteadores. | Visão Social: Inversão ideológica: o bem era associado à população sofrida do sertão e o mal aos ricos exploradores. |
Métrica: Predominância da quadra. | Métrica: Consolidação das sextilhas (6 versos) e setilhas (7 versos), pois davam mais espaço para o argumento/improviso dos cantadores. |
A Perspectiva Descolonial: O cordel brasileiro alcançou independência estética, ética e epistemológica. Segundo os estudos, o cordel se desprendeu do seu passado europeu. Olhar para o cordel brasileiro a partir da América, e não do espelho eurocêntrico, revela uma imagem mais real e justa de sua produção. O fato de homens pobres, muitas vezes sem instrução formal, terem criado uma forma poética robusta desafia a visão eurocêntrica que associa poder criador apenas aos grandes centros.
Os primeiros mestres surgiram no século XIX, sendo Leandro Gomes de Barros a figura central na profissionalização e consolidação do gênero.
Pioneirismo: É considerado o primeiro grande cordelista do Brasil e o “pai do cordel brasileiro”.
Produção: Foi o mais fecundo de todos os escritores populares, chegando a publicar mais de mil folhetos cordelianos.
Consolidação: Deu uma “cara tupiniquim” à arte europeia. Adaptava as histórias orais ibéricas e europeias à realidade do sertão, usando uma linguagem acessível.
Profissionalização: Foi o primeiro poeta cordelista a publicar cordel em tipografia (em 1902, com A força do amor, a história de Alonso e Marina). Ele conseguiu viver exclusivamente da composição, edição, publicação e venda de folhetos, estabelecendo o mercado consumidor.
Localização: Nasceu na Paraíba (Pombal), mas viveu em Vila do Teixeira (reduto de cantadores) e se fixou no Recife, de onde enviava seus cordéis para o sertão.
Silvino Piruá de Lima (1848–1913): Considerado um dos pioneiros do cordel no Brasil. Foi ele quem, buscando mais espaço para improviso na cantoria, começou a compor na forma de sextilhas (6 versos).
João Martins de Athayde (1880–1959): Poeta e editor. Sua gráfica em Recife foi crucial para a produção e abrangência nacional do cordel. Após a morte de Barros, Athayde comprou os direitos autorais de sua vasta obra (em 1921), sendo fundamental na definição das formas de edição (como o número de páginas ser múltiplo de 4).
Francisco das Chagas Batista (1880-1930): Trabalhou como operário e aprendeu a ler mais tarde. Fundou a Popular Editora em João Pessoa, Paraíba, que se tornou um importante centro de distribuição.
O cordel influenciou notavelmente grandes nomes da literatura brasileira "oficial", o que atesta sua relevância:
Guimarães Rosa (Grande Sertão Veredas).
Ariano Suassuna (O Auto da Compadecida).
João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina).
José Lins do Rego (Riacho Doce).
A estrutura em versos e a rigidez das regras de métrica e rima são elementos diferenciais do cordel, essenciais para sua performance oral e memorização.
A metrificação é a exigência da poesia de contar as Sílabas Poéticas (SP) de cada verso. O cordel é feito para ser declamado ou cantado, e o número exato de SP garante que o conteúdo "caiba" no ritmo ou melodia.
Regras Cruciais (Diferença entre Sílaba Gramatical e Poética):
Contagem Final: Só se contam as Sílabas Poéticas até a sílaba tônica da última palavra de cada verso. As sílabas átonas que vêm depois da tônica final não são contadas.
Elisão (Junção de Vogais): Para obedecer ao ritmo da declamação, duas sílabas podem ser unidas em uma só, desde que a primeira termine em vogal e a segunda comece por vogal.
O padrão mais comum no cordel é o verso de sete sílabas poéticas (Heptassílabo).
As estrofes mais usadas são a sextilha, a setilha e a décima, geralmente em heptassílabos.
Estilo/Modalidade | Estrutura | Métrica Padrão | Esquema de Rima | Detalhes Cruciais (Concursos) |
Sextilha (Estilo 1) | 6 versos (linhas). | Heptassílabo (7 SP). | X A X A X A ou A B C B D B. | Os versos ímpares (1, 3, 5) são "órfãos" (não precisam rimar). Os versos pares (2, 4, 6) rimam entre si. É um dos estilos mais fáceis. |
Septilha/Setilha (Estilo 2) | 7 versos (linhas). | Heptassílabo (7 SP). | X A X A B B A ou A B C B D D B. | É considerado talvez o mais popular dos estilos. Os versos 2, 4 e 7 rimam entre si; os versos 5 e 6 rimam entre si. |
Décima de Sete Pés (Estilo 3) | 10 versos (linhas). | Heptassílabo (7 SP). | A B B A A C C D D C. | Estilo muito usado em Cantorias e desafios entre repentistas. |
Martelo Agalopado (EXCEÇÃO) | 10 versos (linhas). | Endecassílabo (11 sílabas). | Varia conforme o autor. | É a principal exceção métrica, pois utiliza 11 sílabas poéticas, e não as 7 sílabas usuais do cordel. |
A rima não é apenas técnica, mas uma exigência para a recitação e memorização coletiva. No cordel e na cantoria, a forma adotada é a rima consoante (rima perfeita), onde há identidade de som desde a vogal tônica até o último fonema.
É crucial que a rima seja natural: não se deve forçar a rima com palavras que não tenham relação com o tema tratado.
O Cordel, especialmente o folheto de "acontecido" ou "de época", possui valor inestimável como fonte histórica.
Os folhetos de cordel relatam eventos sociais, políticos e econômicos de forma diversa das narrativas contidas nos livros didáticos.
Visão Popular: O cordel narra a história a partir de uma perspectiva popular, sendo considerado por alguns o "documento popular mais completo do nordeste brasileiro".
Denúncia Social: Os primeiros cordelistas (final do Séc. XIX e Séc. XX) exerciam o papel de cronistas, denunciando a opressão das oligarquias e as injustiças sociais.
Impostos e Carestia: Muitos folhetos criticavam a alta cobrança de impostos, a pobreza e a carestia. O folheto O imposto e a fome, por exemplo, satiriza dois grandes problemas sociais.
Política Oligárquica: Os poetas demonstravam grande ceticismo e crítica ao regime republicano. Leandro Gomes de Barros, em A Ave Maria da eleição (1907), satirizou a compra de votos, a violência e a fraude eleitoral ("voto de cabresto") que marcavam o período da Primeira República.
Os folhetos são fontes primárias valiosas para entender as tensões sociais da época.
Canudos e Juazeiro: O cordel retratou as revoltas sociais do campo. Folhetos como A guerra de Canudos e Festas do Juazeiro no vencimento da guerra descrevem o levante popular (movimento messiânico com forte conteúdo religioso e carência social). O folheto de João Melchiades Ferreira da Silva sobre Canudos narra o conflito do ponto de vista do exército, mas o autor critica a política que gerava os problemas.
Cangaço: Antes de Lampião, o tema central do cangaço era Antônio Silvino. Os poetas narravam as proezas dos cangaceiros que, em seus versos, lutavam contra as autoridades e beneficiavam os pobres.
Grande Guerra (Visão Popular): O cordel funcionou como um veículo de comunicação vital, levando notícias do conflito mundial (1914-1918) para as áreas rurais, onde a circulação de jornais era escassa. Folhetos de Barros, como A Allemanha vencida e humilhada, narram a guerra como um diálogo entre superpotências, demonstrando que o autor estava bem informado sobre o conflito, citando detalhes de batalhas.
A Literatura de Cordel está se modernizando e expandindo (processo que continua no século XXI).
Novos Formatos: Encontra formas de sobrevivência em novos formatos (livros, CDs, DVDs), sendo objeto de atenção na academia, após ter sua "morte anunciada" no final dos anos 80.
Modernização Temática: Não foge de suas raízes, mas inova em temas, abordando, por exemplo, feminismo e fake news.
Uso em Educação (Didática): É um recurso didático valioso, recomendado para a Educação Básica, pois promove a interdisciplinaridade (com Língua Portuguesa, História, Geografia, Artes). A leitura coletiva e oral do cordel pode ser fundamental para o letramento e para a construção de um sujeito crítico, ao possibilitar a compreensão da realidade social, política e econômica.
Para garantir a excelência e sanar dúvidas frequentes, é crucial revisar os pontos de maior controvérsia e as exceções técnicas.
Dúvida/Exceção | Esclarecimento baseado nas Fontes |
A métrica é sempre 7 sílabas? | Não. Embora o Heptassílabo (7 SP) seja o padrão dominante, o Martelo Agalopado é uma modalidade de 10 versos que utiliza 11 sílabas poéticas (Endecassílabo). |
A rima pode ser imperfeita? | Não. O cordel exige, por tradição da cantoria e para facilitar a memorização oral, a rima consoante (perfeita), que tem identidade de som desde a vogal tônica. |
Cordelistas precisam de formação acadêmica? | Não. Muitos dos primeiros cordelistas (pioneiros) tinham pouca ou nenhuma educação formal. A formação acadêmica não altera a forma de compor, que mantém a tradição cultural. |
Dúvida/Questão | Esclarecimento (Prioridade Concursos) |
O cordel brasileiro é uma subliteratura? | Não. Apesar de ter sido historicamente tratado como "literatura menor, subliteratura e, até mesmo, subproduto do folclore", estudiosos e a própria academia reconhecem sua legitimidade e complexidade como literatura brasileira. |
O nome "Cordel" é brasileiro? | O batismo (a nomenclatura) é europeu, devido ao costume de pendurar os folhetos em cordéis na Península Ibérica. Contudo, o gênero (a poética e a estética) é considerado genuinamente nacional. |
O que causou a ruptura com Portugal? | A necessidade de os poetas nordestinos narrarem a realidade social e política local (seca, coronelismo, etc.), e a adaptação das regras formais para atender à cultura oral e de improviso dos cantadores (levando à consolidação da sextilha). |
Para maximizar o estudo e a aplicação do conhecimento, o cordel oferece abordagens interdisciplinares:
O folheto de cordel deve ser usado como um documento histórico privilegiado. O estudo deve ir além do resumo, focando na interpretação e análise.
Como Analisar um Folheto para Provas de História:
Contexto e Autoria: Identificar o autor (origem social, trajetória) e o ano de publicação. Lembre-se que Leandro Gomes de Barros e outros pioneiros escreviam sobre a Primeira República (final do Séc. XIX até 1920).
Tema e Visão: Analisar qual é o tema central (ex: Impostos? Cangaço? Eleições?) e, crucialmente, qual a posição do narrador em relação aos fatos.
Comparação: Confrontar a narrativa do folheto (visão popular) com a versão tradicional da história (livros didáticos/historiografia). Isso permite identificar como os acontecimentos históricos impactaram as pessoas comuns.
O cordel favorece o diálogo com diversas áreas do conhecimento:
Língua Portuguesa: Foco na estrutura (sextilha, setilha) e metrificação, realizando a contagem das sílabas poéticas.
Artes: Estudo da xilogravura, que une texto e imagem em uma estética singular.
Geografia/Sociologia: Relacionar o cordel às identidades regionais e à realidade da migração, da seca e da desigualdade social no Nordeste.
Simulação de Debate: Utilizar folhetos de "pelejas" (disputas entre cantadores, como Peleja de Severino Pinto com Severino Milanês) para desenvolver habilidades de oralidade, argumentação e improviso.
Alguns conceitos e figuras são vitais para o domínio do tema:
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro: Cordel (reconhecimento 2018).
Pai do Cordel: Leandro Gomes de Barros.
Regra Técnica de Ouro: Heptassílabo (7 Sílabas Poéticas).
A Grande Ruptura: A apropriação dos temas ibéricos e a inversão da lógica social, focando na realidade nordestina.
O cordel é, portanto, uma manifestação que se mantém viva, não dependendo de chancela acadêmica ou verniz editorial, pois sua legitimidade está na voz do povo e na arte de transformar a dureza da vida em poesia.