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08/03/2024 • 38 min de leitura
Atualizado em 29/07/2025

Mesopotâmia


Mesopotâmia: O Berço da Civilização – Invenções, Sociedade e Legado Milenar

A Mesopotâmia, cujo nome de origem grega significa "terra entre rios", é uma das regiões mais fascinantes e cruciais para a compreensão da história da humanidade. Localizada entre os rios Tigre e Eufrates, na área que corresponde ao atual Iraque, essa vasta planície aluvial foi um dos berços da civilização ocidental, juntamente com a Anatólia e o Vale do Indo. A riqueza de suas águas e a fertilidade de seu solo, que a tornaram parte do chamado "Crescente Fértil", propiciaram o surgimento de inovações e descobertas que mudaram para sempre o curso da história humana.

Diferente de uma civilização única e unificada, a Mesopotâmia foi, na verdade, uma região que abrigou e viu florescer diversos povos e impérios ao longo da Antiguidade. Entre eles, destacam-se os Sumérios, Acádios, Babilônios, Assírios e Caldeus. Esses povos, muitas vezes guerreiros, expandiram seus domínios e deixaram um legado cultural e tecnológico que ainda hoje nos surpreende.

I. Os Primeiros Passos da Civilização na Mesopotâmia

Os vestígios mais antigos de assentamentos arqueológicos na Mesopotâmia remontam a meados do 11º milênio a.C., na margem ocidental do rio Eufrates, ao norte da Síria. Nesse período, foram encontrados crânios de touro enterrados em casas circulares. Do 10º milênio a.C., datam estatuetas femininas modeladas em argila e pontas de obsidiana, originadas na Capadócia (Turquia), o que já indica um comércio precoce.

1. A Revolução da Agricultura Irrigada

A agricultura começou a se desenvolver na Mesopotâmia por volta de 9.000 a.C.. Inicialmente, os grãos como o trigo e a cevada, que cresciam naturalmente na região, foram domesticados e transformados em farinha, um alimento nutritivo que podia ser armazenado por meses. Os primeiros agricultores utilizavam enxadas de pedra para arar o solo.

No entanto, a grande inovação que impulsionou o desenvolvimento mesopotâmico foi a agricultura irrigada. Por volta de 5.000 a.C., os mesopotâmicos aprenderam a aproveitar as águas dos rios Tigre e Eufrates, abrindo canais para controlar o fluxo de água e irrigar as plantações, o que resultou em colheitas muito mais abundantes. Essa prática, que exigia uma quantidade permanente de água e cooperação entre os lavradores, fez com que cada um recebesse uma porção específica de água desviada de um canal principal para suas valas de irrigação. Os canais de irrigação podiam se estender por dezenas de quilômetros e, por vezes, conectar duas bacias através de aquedutos.

A agricultura irrigada não podia ser realizada individualmente. Ela exigia cooperação e trabalho conjunto para manter as valas desobstruídas e controlar o fluxo da água. Essa necessidade de organização e supervisão levou ao desenvolvimento da civilização urbana, à formação de cidades e ao aparecimento de líderes capazes de organizar, planejar e proteger as comunidades, culminando no surgimento dos reis-sacerdotes e do Estado.

2. O Arado: Uma Inovação Essencial

No início da agricultura, as sementes eram espalhadas anarquicamente. Contudo, a observação revelou que plantar os grãos em filas separadas facilitava a rega, o plantio e a colheita. Para isso, usavam-se galhos de árvores para afofar o solo e criar sulcos. A ferramenta foi aprimorada, e os Sumérios foram os primeiros, por volta de 3.500 a.C., a utilizar arados tracionados por animais. Essa invenção aumentou drasticamente a eficiência da agricultura.

3. Urbanização e o Conceito de Estado

A urbanização na Mesopotâmia começou no período de Uruk (4300–3100 a.C.). Cidades com templos e palácios imponentes, rodeadas por muralhas, foram erguidas com tijolos de barro por volta de 3200 a.C.. As residências urbanas, inclusive, já possuíam sistemas de esgoto, com tubos subterrâneos para a evacuação de águas usadas.

A cidade suméria de Uruk, uma das mais antigas da história, é um exemplo notável. Rodeada por uma muralha de aproximadamente 11 km de extensão, Uruk estava localizada a leste do rio Eufrates, no sul da Mesopotâmia, e seu nome moderno, Iraque, é derivado de Uruk. No seu auge, por volta de 2.800 a.C., Uruk foi a maior cidade do mundo na época, com uma população estimada entre 40.000 e 80.000 pessoas.

Essas cidades eram organizadas, geralmente, em torno dos zigurates (discutidos em detalhe na seção de arquitetura), e as casas das famílias mesopotâmicas se organizavam em torno de um grande cômodo central, com pátios internos que proporcionavam resfriamento natural, uma característica que persiste na arquitetura do Iraque atual.

II. Grandes Invenções e Legados Culturais da Mesopotâmia

A Mesopotâmia foi um caldeirão de inovação, dando ao mundo algumas das invenções mais fundamentais.

1. A Escrita: O Cuneiforme

A escrita é, sem dúvida, uma das invenções mais importantes da Mesopotâmia, essencial para a burocracia do Estado em desenvolvimento. A forma de escrita mais antiga conhecida foi desenvolvida pelos Sumérios por volta de 3200 a.C.. Ela é chamada de cuneiforme por causa dos sinais em forma de cunha, criados pela pressão de um pedaço de junco na argila umedecida.

Inicialmente, o cuneiforme evoluiu a partir de pictogramas, que eram representações pictóricas de objetos. Contudo, esses pictogramas não simbolizavam palavras, mas sim coisas, funcionando como "ajudas à memória". Para que a escrita se tornasse capaz de transmitir novos conhecimentos e instruir, ela precisou se tornar fonética, representando sons da língua falada. Um exemplo disso é o sinal para "pé", que em sumério se dizia "du", mas que também significava "verdadeiro" ou "correto". O sinal passou a representar o fonema "du", independentemente do objeto original.

O cuneiforme era amplamente utilizado para registros de negócios, colheitas e tributos. Além disso, os mesopotâmicos a usavam para registrar eventos diários, como observações astronômicas.

  • Escribas: A complexidade do sistema, com milhares de sinais, significava que aprender a escrever em cuneiforme levava anos. Por isso, os escribas se tornaram figuras altamente respeitadas na sociedade sumeriana, prestando serviços essenciais para a corte, o templo e as escolas. Eles utilizavam também pequenos cilindros esculpidos em relevo, os selos de impressão, que eram rolados sobre a argila úmida para criar registros.

  • Avanço e Literatura: Com o tempo, a escrita tornou-se mais abstrata e os sinais passaram a representar sons, permitindo a combinação para formar frases inteiras. Isso possibilitou o nascimento da literatura, sendo a Epopeia de Gilgamesh, de pelo menos 2100 a.C., um dos exemplos mais antigos e notáveis. A escrita cuneiforme foi usada por cerca de 3.000 anos por diversos povos, incluindo assírios, elamitas, hititas, babilônios e acádios.

  • O Conceito de Imagem e Escrita: Na Mesopotâmia, a noção de representação visual e a escrita eram partes de um sistema simbólico interdependente. A palavra acádia Ṣalmu podia se referir a estátua, relevo, monumento, pintura e imagem, não como uma cópia mimética do real, mas como uma entidade que continha a própria realidade. A imagem e o nome, o corpo e a pessoa, eram caminhos para encontrar alguém, e um "dublê de corpo" ou uma efígie podia funcionar como uma extensão metonímica da pessoa. Essa profunda conexão entre a imagem e o real é fundamental para entender a arte e os rituais mesopotâmicos.

2. A Roda: Do Oleiro ao Transporte

A primeira roda não foi criada para o transporte. Ela foi inicialmente inventada para a cerâmica: a roda de oleiro. O disco giratório permitia ao oleiro moldar o barro com maior precisão. A roda de oleiro mais antiga conhecida foi encontrada em Ur, na Mesopotâmia, datando de 3000 a.C. No entanto, há achados mais antigos na Índia que sugerem o uso da roda de rotação já no 5º milênio a.C..

A roda de transporte, considerada uma invenção derivada da roda de oleiro, foi tradicionalmente atribuída aos Sumérios a partir de meados do 3º milênio a.C.. Contudo, descobertas recentes desafiam essa atribuição exclusiva:

  • A descoberta de uma roda de madeira montada em um eixo em um pântano na Eslovênia, datada de 3360-3030 a.C., refutou a teoria da invenção puramente suméria.

  • Modelos tridimensionais de carroças de cerâmica com quatro rodas foram encontrados em tumbas dos Baden, no leste da Hungria, datando de 3300 a 3100 a.C..

Essas descobertas sugerem que a roda de transporte pode ter surgido simultaneamente na Mesopotâmia, no vale do Indo e na Europa Central e Oriental. As primeiras rodas de transporte eram de madeira inteiriça, compactas e pesadas, mas mesmo assim facilitaram enormemente o transporte de mercadorias, espalhando-se rapidamente pela Eurásia e Oriente Médio.

3. Lei e Justiça: Os Pioneiros dos Códigos Legais

A Mesopotâmia foi o local onde foram criados os códigos de leis mais antigos conhecidos. O exercício da justiça era uma prerrogativa fundamental do soberano, que atuava como autoridade judiciária de última instância, responsável por reparar injustiças.

Por muito tempo, o Código de Hamurabi, datado de 1770-1750 a.C., foi considerado o primeiro código de leis da humanidade. No entanto, descobertas arqueológicas revelaram códigos ainda mais antigos, também originários da Mesopotâmia:

  • O Código Ur-Nammu, escrito em sumério, datando de cerca de 2100 a.C., em nome do rei Ur-Nammu de Ur.

  • O Código de Lipit-Ishtar, uma coleção de leis em sumério, criado por volta de 1930 a.C..

O Código de Hamurabi: É o mais famoso e o único que nos chegou inteiramente preservado, gravado em uma coluna de pedra de diorito rígido de 2,25m de altura. Atualmente, essa pedra está exposta no Museu do Louvre, em Paris.

  • Fundamentação e Objetivo: O Código de Hamurabi era composto por 281 preceitos e se baseava na Lei do Talião, famosa pelo princípio "olho por olho, dente por dente". Isso significa que a punição deveria ser proporcional ao crime cometido. Seu objetivo principal era unificar o reino babilônico e disciplinar as relações sociais, substituindo a tradição oral das leis por um sistema jurídico escrito e buscando reduzir as práticas criminosas.

  • Abrangência e Classes Sociais: As leis do Código de Hamurabi tratavam de diversos assuntos, como casamento, empréstimos, herança, escravos, adultério, roubos, assassinatos, aluguéis e educação. É importante notar que as punições variavam de acordo com a classe social do agressor e da vítima, já que a sociedade mesopotâmica era dividida em homens livres, fidalgos e escravos.

  • Contexto: Foi escrito durante o governo de Hamurabi, que reinou no primeiro império babilônico entre 1792 e 1750 a.C.. Hamurabi expandiu o domínio da Babilônia por quase toda a Mesopotâmia e se destacou por essa elaboração legislativa para garantir a ordem.

A implantação de um código jurídico escrito como o de Hamurabi foi um marco essencial para a organização e governança no primeiro império babilônico.

4. Matemática: Bases para o Conhecimento Moderno

Os Sumérios e Babilônicos foram pioneiros em avanços significativos na matemática e na astronomia. Por volta de 1800 a.C., eles desenvolveram um sistema numérico sexagesimal, baseado no número 60.

  • Por que 60? Esse número é facilmente divisível por 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15 e 30, o que reduzia a necessidade de frações, que eram um desafio para os antigos. Além disso, a escolha do 60 está ligada aos 360 graus de um círculo (6 x 60).

  • Conhecimentos Avançados: Há registros do 3º milênio a.C. de plaquetas babilônicas com tabelas de multiplicar, de quadrados e de cubos. A geometria era muito desenvolvida, aplicada na agrimensura, planificação de cidades e traçado de mapas. Também datam desse período plaquetas com problemas de álgebra envolvendo equações de 1º e 2º grau. Uma tabuleta de argila de 1770 a.C. inclusive contém um cálculo geométrico que precede em mil anos o célebre Teorema de Pitágoras.

5. Cartografia: Os Primeiros Mapas

O mapa mais antigo conhecido foi descoberto na Babilônia. Ele data de 2340-220 a.C., gravado em uma placa de argila de 7x7cm, representando a cidade acadiana de Nuzi com montanhas, rios e canais. Outro exemplo é o mapa de Nippur, de 1500 a.C., que mostra o portão da cidade, edifícios e o rio Eufrates com seu nome em sumério. Esses mapas de cidades eram usados para campanhas militares e comércio.

É também conhecido um mapa-múndi babilônico do século VI a.C., uma representação simbólica do mundo como um disco cercado por água, refletindo a crença religiosa da época. Embora a cartografia tenha sido inventada na Mesopotâmia, foram os gregos, a partir do século VI a.C., que criaram mapas mais próximos da realidade, impulsionados pelo conceito de terra esférica.

6. O Conceito de Tempo: Hora, Minuto, Segundo, Ano

Os mesopotâmicos desenvolveram o conceito de tempo, que ainda hoje utilizamos. Eles dividiram as unidades de tempo em 60 partes, o que originou o minuto de 60 segundos e a hora de 60 minutos. Além disso, observaram que o Sol leva 365 dias para se mover completamente, percorrendo aproximadamente 1 grau por dia em relação aos astros.

Foram também os mesopotâmicos que estabeleceram a semana de sete dias, com cada dia regido por um planeta. Essa divisão da semana foi adotada pelos judeus e, posteriormente, pelos cristãos, difundindo-se por todo o mundo moderno.

7. Astronomia e Astrologia: A Observação dos Céus

As origens da astronomia ocidental moderna podem ser rastreadas até a Mesopotâmia. Os observadores dos céus do vale do Tigre e do Eufrates descobriram que, além do Sol e da Lua, cinco outros corpos celestes brilhantes mudavam de posição. A esses corpos "errantes", que chamamos de planetas, eles deram nomes de deuses e deusas, que mantemos até hoje: Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno. Estes permaneceram como os únicos planetas conhecidos até a invenção do telescópio na era moderna.

Os sete "planetas" percorriam um caminho no céu que passava por aglomerados de estrelas, que os gregos antigos chamaram de Zodíaco. O zodíaco foi dividido em doze constelações (como Capricórnio, Leão e Sagitário), com o Sol permanecendo em cada uma por aproximadamente um mês.

O movimento dos planetas e das constelações foi interpretado como capaz de influenciar a vida humana, dando origem à astrologia, que os mesopotâmicos usavam para prever acontecimentos. A astronomia babilônica, em particular, foi a primeira tentativa bem-sucedida de oferecer uma descrição matemática refinada dos fenômenos astronômicos. Os zigurates, além de templos, também serviam como observatórios astronômicos.

III. Sociedade e Cotidiano na Mesopotâmia

A vida cotidiana na Mesopotâmia, embora variasse entre os diferentes povos e períodos, compartilhava características fundamentais que podemos reconstituir graças à obsessão dos escribas em registrar todos os aspectos da vida.

1. População e Classes Sociais

As cidades mesopotâmicas tinham populações variadas (Uruk com 50 mil, Mari com 10 mil, Acádia com 36 mil por volta de 2300 a.C.). A sociedade mesopotâmica era hierárquica e dividida em classes sociais, onde a mobilidade social não era formalmente permitida, sendo descrita como um sistema de castas. No entanto, casos de ascensão social existiam.

As classes sociais eram geralmente as seguintes:

  • O Rei e a Nobreza: No topo da pirâmide, o rei era o chefe político, militar e religioso, considerado um intermediário entre o mundo divino e o terreno. Seu sucesso era medido pela prosperidade e expansão do reino, indicando o favor dos deuses. A realeza habitava suntuosos palácios com amplos corpos de funcionários à disposição.

  • Sacerdotes e Sacerdotisas: Presidiam os aspectos sagrados da vida, oficiavam serviços religiosos e eram alfabetizados, dominando a interpretação de sinais e presságios. Muitos atuavam como curandeiros, sendo os primeiros médicos e dentistas. Enheduanna, filha de Sargão da Acádia, é um exemplo notável de sacerdotisa e a primeira escritora conhecida da história.

  • Classe Alta: Incluía comerciantes com empresas próprias, escribas (altamente respeitados e professores), professores particulares, militares de alta patente, contadores, arquitetos, astrólogos (muitas vezes sacerdotes) e construtores de navios.

  • Classe Baixa: Constituía a maioria da população e sustentava as demais castas. Incluía fazendeiros (que trabalhavam na agricultura e colheita), artistas, músicos, trabalhadores da construção civil, padeiros, cervejeiros, proprietários de tavernas, perfumistas, joalheiros, e, mais tarde, soldados e marinheiros. Algumas profissões dessa classe, como prostitutas, perfumistas e joalheiros, podiam atingir status de classe alta em circunstâncias excepcionais.

  • Escravos: A camada mais baixa da sociedade. Uma pessoa podia se tornar escrava por ser capturada em guerra, por dívida, como punição por crime, por sequestro ou por ser vendida pela família. Não eram de uma única etnia nem se limitavam a trabalhos manuais; podiam cuidar de casas, administrar propriedades, ensinar crianças, e atuar como contadores ou joalheiros. Um escravo dedicado podia, eventualmente, comprar sua liberdade.

2. Casas e Mobiliário

Nas cidades mesopotâmicas, as casas eram construídas a partir do centro, onde ficava o templo e o zigurate. Os mais ricos viviam mais próximos do centro.

  • Materiais de Construção: A escassez de pedras e madeira na Mesopotâmia fez dos tijolos de barro (secos ao sol, chamados adobe) e da argila os materiais de construção mais usados. O barro das margens dos rios Tigre e Eufrates era a matéria-prima principal. Embora menos resistentes às chuvas, eram mais fáceis de produzir. Os tijolos cozidos em forno eram mais caros (devido ao combustível e mão de obra) e, por isso, reservados para casas de reis, templos e zigurates. O betume, que jorrava facilmente da terra, era usado como argamassa e para impermeabilizar os tijolos.

  • Estrutura das Casas: As casas de juncos (para os menos abastados) e de tijolos eram consideradas moradias adequadas. As casas de alvenaria eram pintadas de branco para defesa contra o calor, e geralmente tinham apenas uma porta exterior, pintada de vermelho vivo para afastar maus espíritos. Pátios internos eram comuns para resfriamento natural.

  • Conforto e Higiene: A luz vinha de pequenas lâmpadas a óleo de gergelim e, em casas mais caras, de janelas (de madeira, uma mercadoria rara). Para aquecimento, os mais ricos tinham braseiros ornamentados, e as classes mais baixas, poços rasos revestidos com argila. O encanamento interno era amplamente utilizado pelo menos no 3º milênio a.C., com banheiros em salas separadas e drenos de azulejos que transportavam resíduos para fossas ou sistemas de esgoto de tubos de barro até o rio.

  • Crenças na Construção: Os mesopotâmios acreditavam que as casas precisavam da bênção dos irmãos-deuses Kabta e Mushdamma (divindades da construção). Ofertas de gratidão eram feitas ao deus da construção, Arazu. No entanto, as casas de tijolos secos ao sol eram instáveis e podiam desmoronar. O Código de Hamurabi dedicava cinco seções a esse problema, estabelecendo que, se uma casa desabasse e matasse o proprietário, o construtor seria morto; se matasse o filho do proprietário, o filho do construtor seria morto.

O mobiliário era semelhante ao de hoje: cadeiras, mesas, camas e utensílios de cozinha. Camas dos ricos eram estruturas de madeira com cordas ou juncos, colchões de lã e lençóis de linho, muitas vezes adornadas com metais preciosos e pés esculpidos. As classes mais baixas dormiam em esteiras de palha ou junco no chão.

3. Família e Lazer

A estrutura familiar mesopotâmica era semelhante à atual, com pais, filhos e outros parentes. Homens e mulheres trabalhavam.

  • Educação das Crianças: Meninos de classes mais altas eram enviados para a escola, enquanto as meninas permaneciam em casa, aprendendo artes domésticas. Embora as mulheres tivessem direitos quase iguais, geralmente não eram consideradas "inteligentes o suficiente" para dominar a alfabetização, apesar da carreira de Enheduanna. Filhos de classes mais baixas acompanhavam os pais no trabalho, e as filhas imitavam o papel das mães.

  • Brinquedos e Jogos: As crianças mesopotâmicas brincavam com chocalhos de terracota, estilingues, pequenos arcos e flechas, bumerangues, bonecas, móveis em miniatura, barcos e carros de mão. As famílias também desfrutavam de jogos de tabuleiro (parecidos com Parcheesi) e jogos de dados.

  • Entretenimento: Os esportes incluíam luta e boxe (classes mais baixas) e caça (nobreza). As refeições noturnas eram momentos para contar histórias e ouvir música. Famílias mais pobres faziam isso com seus próprios membros, enquanto os ricos tinham escravos ou artistas profissionais. Instrumentos como tambores, sinos, castanholas, flautas, cornetas, liras e harpas eram comuns. A música era uma parte integrante da vida mesopotâmica.

4. Comida e Vestuário

A cevada era a principal plantação de grãos, e os mesopotâmios são creditados pela invenção da cerveja. A deusa da cerveja era Ninkasi, cujo hino de cerca de 1800 a.C. é a receita de cerveja mais antiga do mundo. A dieta também incluía frutas (maçãs, cerejas, figos, melões, tâmaras), vegetais (alface, pepino, cenoura, feijão), peixes e animais domesticados (cabras, porcos, ovelhas). A caça complementava a alimentação. Os alimentos eram temperados com óleos (como gergelim) e sal. A cerveja era a bebida mais popular e, devido aos seus nutrientes, muitas vezes a maior parte da refeição do meio-dia.

A religião estava profundamente imbricada na vida diária: antes das refeições, orações de gratidão eram oferecidas aos deuses. Os deuses forneciam as necessidades do povo, e o povo trabalhava a serviço dos deuses, com a ideia de que as divindades guiavam sua existência.

O vestuário refletia a posição social. A lã era o tecido mais comum, e o linho era reservado para roupas mais caras. O algodão só foi introduzido pelos assírios por volta de 700 a.C., e a seda pelos romanos. Homens geralmente usavam mantos longos ou saias de pele, enquanto as mulheres vestiam túnicas de uma só peça. As mulheres usavam mais padrões e designs, enquanto os homens, exceto reis, soldados e escribas, usavam trajes mais monótonos. Xales e capas com capuz eram usados em tempo ruim, muitas vezes bordados. Tanto homens quanto mulheres usavam cosméticos e perfumes, delineando os olhos de forma semelhante aos egípcios.

IV. Religião e Crenças na Mesopotâmia: Um Sistema Complexo

A civilização mesopotâmica era profundamente politeísta, ou seja, acreditava em vários deuses. Cada cidade-estado possuía seu próprio panteão, formando um mosaico de divindades e mitologias. A religião era parte integrante da vida de todos os mesopotâmios.

1. Principais Deuses e Suas Esferas de Influência

As crenças e práticas religiosas mesopotâmicas formavam uma corrente coerente, com origens sumérias, às quais os acádios, babilônios e assírios foram adicionando e modificando.

  • Deuses Cosmológicos (Antiga Tríade Cósmica):

    • Anu (Am em sumério): O primeiro deus, representa o "céu". Deus Supremo, gerador de outros deuses e concededor de poder aos reis. Seu santuário principal era em Uruk.

    • Enlil: Recebeu o elemento divino da atmosfera e da terra. Conhecido como "o senhor do tufão", era encarregado das tábuas do destino e executava os decretos divinos, sendo temido e invocado. Seu culto era em Nipur.

    • Ea (Enqui em sumério): O terceiro da tríade, associado às águas subterrâneas ("senhor do que está em baixo"). Era um deus benéfico, representando a riqueza das terras férteis da Mesopotâmia. Seu santuário ficava em Eridu.

    • Nergal: O quarto elemento, o mundo inferior, o reino de Aralu (terra sem retorno). Associado à Ninquigal, deusa do submundo. Era um deus solar que vivia seis meses no céu e seis no inferno.

  • Deuses Astrais:

    • Sim (Nana pelos sumérios): Representação da lua, iluminava as jornadas noturnas e concedia sabedoria. Adorado em Ur e Harã.

    • Samas (Utu pelos sumérios): Deus do sol e juiz rigoroso das leis, observava tudo e transcorria diariamente, indo para o domínio dos mortos e retornando. Santuário em Larsa e Sipar.

    • Istar (Inana em sumério): A deusa mais adorada, representada pelo planeta Vênus. Deusa do amor e da guerra, filha de Sim e, por sincretismo, também de Anu ("rainha dos céus"). Sua história com Dumuzi a conecta aos ciclos de fertilidade.

  • Deuses da Natureza: Mais próximos dos homens simples, populares na Ásia Menor.

    • Adade (Iscur em sumério): Deus do trovão, trazia chuvas benéficas e seu símbolo era o touro (fecundidade).

    • Gibil: Deus do fogo, que dissipava as trevas e purificava a atmosfera.

    • Tamuz (Dumuzi em sumério): Deus da vegetação e amante de Istar.

  • Deuses Estatais: Os semitas tinham um deus protetor para suas cidades, uma encarnação do Estado (Baal).

    • Assur: Deus principal da Assíria, divindade guerreira, adorado em Nínive.

    • Marduque: Deus principal da Babilônia, considerado "Deus Supremo" em textos como o Enuma Elis.

2. Magia e Rituais Apotropaicos: Lidar com o Divino

Os mesopotâmios acreditavam que tudo o que acontecia era resultado de um ato ou vontade divina. Para lidar com essas divindades e evitar o mal, desenvolveram um complexo sistema simbólico que integrava palavras, gestos e objetos. A eficácia da magia baseava-se na convicção de que seres vivos e o mundo material estavam conectados por fortes relações, permitindo interações.

  • Divinação: Era crucial saber o que já estava decretado, mas ainda não havia acontecido – ou seja, o futuro. Os adivinhos tinham um papel importante, capazes de compreender e interpretar as mensagens criptografadas dos deuses. A interpretação dos sonhos e o exame das vísceras de animais sacrificados eram os procedimentos divinatórios mais antigos.

  • Magia na Vida Cotidiana: A magia era plenamente integrada, usada para proteção contra demônios, cura de doenças, desfazer malefícios, aumentar potência sexual, conquistar paixões, acalmar crianças e impedir feitiçarias.

  • Textos e Rituais: Os textos mágicos que chegaram até nós são encantamentos e fórmulas em sumério, acádico e outras línguas, descrevendo rituais, ações do mágico e uso de amuletos. Os encantamentos eram ritos orais complementares aos gestos mágico-religiosos, realizados para combater o mal. Os exorcistas (āšipu) eram técnicos em curandeirismo e magia, responsáveis por esses rituais e por receitar ingredientes e fármacos.

  • Maqlû e Šurpu: Duas grandes séries de ritos corporais e encantamentos compiladas pelos escribas:

    • Maqlû (a queima): Continha encantamentos e um ritual noturno para invocar deuses, expulsar o mal do corpo da vítima e destruir o poder da feiticeira através da queima de objetos e pronunciamento de conjuros.

    • Šurpu (a cremação): Destinava-se a purificar a vítima, reunindo encantamentos e rituais contra má conduta familiar ou social. O exorcista queimava objetos para os quais os "pecados" do paciente haviam sido transferidos, realizando o ritual com recitação de encantamentos e avaliando a "performance" do paciente pelos deuses.

  • Namburbû: Um ritual apotropaico para "desfazer ou evitar" o efeito de um mau presságio futuro. Consistia em cerimônias fechadas (com círculos mágicos), ritos de purificação (lavagem, depilação, incenso, sinos), ofertas a deuses e à divindade "Rio" (que carregava os males), e o uso de amuletos. Um objeto, como uma figura de argila, podia receber o mal e ser destruído, geralmente jogado no rio.

3. Amuletos e Objetos Mágicos

Os amuletos tinham a função de proteção contra forças maléficas e um valor mágico para influenciar beneficamente a vida cotidiana. Um colar-amuleto podia conter 31 pedras com diferentes propósitos, como conciliar deuses, reconciliar deuses irritados, obter benevolência de funcionários ou obter ganhos e riqueza. Tabletes cuneiformes registram listas de pedras auspiciosas (lápis-lazúli, cornalina, jade, hematita, obsidiana, alabastro) usadas para prevenir doenças, feitiçaria, maus presságios e a fúria dos deuses.

4. O Ritual do Rei Substituto (Šar Pûhi) – Uma Exceção Notável

Um ritual Namburbû particularmente complexo e de grande importância política era o do "rei substituto" (šar pûhi ou ṣalam pûhi). Este era realizado quando fenômenos celestes como eclipses solares ou lunares, ou a ocultação de astros (Júpiter, Vênus, Mercúrio, Saturno, Marte), eram considerados maus presságios que anunciavam um perigo mortal para o soberano.

  • Processo do Ritual: Decidido por um conselho de astrólogos, exorcistas e lamentadores da corte. Escolhia-se um homem de vida "sem importância", como um prisioneiro de guerra ou condenado à morte, ou um "espírito simples" (pouca educação). Se o fenômeno fosse iminente, podia ser uma oportunidade para punir um rebelde ou impressionar a população.

  • Inversão de Papéis: O rei e seu substituto trocavam de papéis aparentemente. O substituto era coroado e vestido com as insígnias da realeza, mas sem exercer o poder real. O verdadeiro rei vivia recluso e era chamado de "ikkaru" ("o cultivador"), simbolizando sua baixa condição social temporária. Essa inversão era temporária, pois o substituto morreria providencialmente ao "final de seu reinado", que não excedia 100 dias. O verdadeiro soberano, então, reassumia suas funções.

  • Finalidade: O ritual consistia em transferir para o substituto o mal anunciado pelo eclipse e fazê-lo assumir as faltas ou erros do rei (conscientes ou não), que teriam motivado a sentença e o castigo divino. A transformação do substituto em uma "representação válida do rei" exigia semelhança, contiguidade (vestimentas), a pronúncia vocal do nome e uma inscrição em argila costurada às vestes.

V. A Arquitetura Marcante da Mesopotâmia: Os Zigurates

A arquitetura mesopotâmica, considerada um "dom divino", foi moldada pela organização sociopolítica, o papel da religião e as limitações do ambiente natural. A escassez de pedras e madeira levou à proeminência do barro e dos tijolos cozidos ao sol (adobe) como materiais de construção.

1. O Nascimento dos Zigurates

O templo foi o primeiro edifício com estrutura sólida na Suméria, evoluindo de pequenas salas para formas mais complexas e desenvolvidas, incorporando estruturas escalonadas que hoje são conhecidas como Zigurates.

  • Características: Um Zigurate é uma forma de templo, uma estrutura maciça em forma de pirâmide com vários andares sobrepostos, culminando em um templo no topo. Eram construções comuns para sumérios, babilônios e assírios. O interior era feito de tijolos queimados (mais resistentes), enquanto o exterior, mais fácil de produzir, era de tijolos cozidos ao sol (menos resistentes). O acesso ao templo no topo era feito por rampas ou escadarias.

  • Diferença das Pirâmides Egípcias: Apesar da semelhança externa, os zigurates diferem fundamentalmente das pirâmides do Egito. Os zigurates não possuíam câmaras internas; eram templos religiosos destinados à moradia dos deuses, enquanto as pirâmides egípcias eram túmulos complexos para faraós.

2. Exemplos Notáveis de Zigurates

  • Zigurate de Ur: O mais bem conservado de todos os zigurates. Foi construído para o deus da lua "Nanna", padroeiro da cidade-estado de Ur, por volta de 2100 a.C. pelo rei sumério Ur-Nammu.

  • Zigurate de Etemenanki (Torre de Babel): Dedicado ao deus Marduk da Babilônia, seu nome significa "a casa da fundação do céu e da terra". Serviu de inspiração para a história bíblica da Torre de Babel. A estrutura original foi construída por Hamurabi e restaurada por Nabucodonosor no século VII a.C.. Com sete andares e cerca de 91 metros de altura, tinha no topo o santuário. Além de sua função religiosa, possuía um papel científico, pois os escribas observavam os astros de seu topo e registravam suas posições.

  • Jardins Suspensos da Babilônia: Embora não seja um zigurate no sentido tradicional, sua estrutura foi construída com a forma de um zigurate, mas era recoberta de vegetação. Construído a mando do rei Nabucodonosor II no século VI a.C., próximo ao rio Eufrates, possibilitava amplos sistemas de irrigação. Os tijolos de barro eram revestidos com betume para impermeabilização. É um dos marcos da arquitetura suntuosa do Segundo Império Babilônico.

3. Outras Construções Marcantes

  • Portal de Ishtar: A Babilônia, sendo um grande centro comercial, era protegida por grandes muralhas com oito portais, sendo o Portal de Ishtar o principal e mais grandioso. Construído pelo rei Nabucodonosor II, em homenagem à deusa acádia Ishtar, era adornado com azulejos azuis brilhantes, cobertos por dragões dourados e leões em tijolos vitrificados. Uma reconstrução parcial do Portal pode ser vista no Museu de Pérgamo, em Berlim, a partir de materiais encontrados em escavações.

  • Palácios e Templos Suntuosos: Os mesopotâmios eram conhecidos pela construção de palácios suntuosos e templos impressionantes, que demonstravam sua capacidade técnica e apreço pela arquitetura.

VI. Economia na Mesopotâmia: Debates e Complexidades

A economia dos povos mesopotâmicos baseava-se principalmente na agricultura irrigada, devido aos rios Tigre e Eufrates. Além da agricultura, o agropastoreio e o comércio de excedentes com outros povos eram atividades econômicas importantes.

Um dos temas mais debatidos entre historiadores e economistas sobre a Mesopotâmia é o papel do mercado e a natureza de sua economia. Esse debate se intensificou com as teorias do economista húngaro Karl Polanyi.

1. A Perspectiva Substantivista de Karl Polanyi

Karl Polanyi, em sua obra "A Grande Transformação" (1944), defendeu que a sociedade do século XIX foi singularmente econômica, baseada no lucro e no mercado autorregulável. Para ele, os mercados em sociedades anteriores, como a mesopotâmica, tinham um papel apenas incidental e não controlavam a economia ou a sociedade.

  • Formas de Integração Econômica: Polanyi argumentou que as economias antigas eram dominadas por outras formas de integração social, principalmente a reciprocidade e a redistribuição.

    • Reciprocidade: Movimentos entre grupos simétricos, como sistemas de parentesco.

    • Redistribuição: Movimentos de apropriação para um centro (e.g., templo ou palácio) e, posteriormente, desse centro para fora novamente. A economia do final do 3º milênio a.C. na baixa Mesopotâmia, por exemplo, é descrita como uma economia de oikos (autárquica), onde as necessidades eram produzidas internamente pela "household" (unidade doméstica). A partir do 2º milênio a.C., Polanyi e seus defensores veem a transição para uma economia tributária, onde o palácio e os templos se despojaram de grande parte da atividade econômica, com indivíduos entregando parte de seus resultados produtivos como impostos.

  • Ausência de Mercado Criador de Preços: Polanyi afirmava que na Mesopotâmia antiga não existia um "mercado criador de preços" no sentido moderno, nem moeda baseada em oferta e demanda. Os preços, segundo ele, eram fixados por costume, estatuto ou edito.

  • Comércio Administrado: O comércio era administrado e não envolvia riscos para os comerciantes. Mercadores, como os assírios de Kaneche, não ganhavam a vida com diferenças de preços, mas por status ou comissões fixas. As obrigações eram registradas e garantidas por autoridades públicas (cidade, karum, palácio), o que eliminava o risco de perdas por flutuação de preços ou insolvência. O tamkarum, ou mercador, era visto por Polanyi como um comissário público, cujo sustento era garantido pela propriedade de terras.

  • Crédito e Propriedade: Para Polanyi, o crédito na Antiguidade tinha um papel diferente, não regido por mercados de preços. Em uma economia camponesa, o crédito poderia ser parte de um sistema de reciprocidade, onde a assistência mútua e a restituição em espécie eram esperadas, mas não necessariamente envolviam juros variáveis ou especulação. Polanyi afirmava que templos e palácios eram os principais provedores de crédito de colheita, muitas vezes por motivação ideológica de amparar os necessitados. A taxa invariável de juros na Mesopotâmia seria um forte argumento contra a existência de um mercado de crédito real.

2. A Crítica Formalista e Morris Silver

A visão de Polanyi foi contestada por "formalistas", que argumentam a existência de mercados e lógicas econômicas mais próximas das modernas na Mesopotâmia. O crítico mais contundente foi o americano Morris Silver.

  • Evidências de Mercados: Silver contestou a inexistência de mercados, citando que:

    • A ausência de espaços abertos nas cidades escavadas não significava ausência de mercados, pois portões e ruas ("sūqu" ou "rua comercial") funcionavam como locais de comércio.

    • Estudos de preços e salários na antiga Babilônia mostravam flutuações substanciais, refletindo padrões econômicos.

    • Havia evidências de variações sazonais nos preços de grão, que seriam resultado de mudanças na oferta e custos de estocagem.

    • Documentos atestavam a compra de cevada e trigo por comerciantes com lucro.

  • Mercadores Privados e Riscos: Diferente de Polanyi, Silver argumentou que os mercadores que atuavam na Capadócia eram principalmente empresários privados, que corriam riscos e eram livres para acumular riquezas. Eles financiavam empreendimentos comerciais com parcerias e empréstimos. O tamkarum era visto como um empresário independente, e não um agente estatal sem riscos.

  • Mercados de Crédito, Terra e Escravidão: Silver apontou a existência de emprestadores profissionais de dinheiro e contratos de empréstimos comerciais, inclusive para "empreendimentos comerciais". Referências à venda de grão, lã e escravos no "karum" (porto/comunidade de mercadores) e nas "ruas" sugeririam mercados mais abrangentes.

3. A Resposta Substantivista de Johannes Renger e Novos Estudos

Johannes Renger, um assiriólogo, foi um dos mais fiéis defensores da teoria de Polanyi, modificando-a para incorporar novas documentações. Ele argumentava que, embora houvesse mudanças de preço, isso não provava a existência de um "mercado criador de preços".

  • Foco nas Estruturas Econômicas: Renger se concentrava na descrição das atividades econômicas dentro das estruturas de uma economia particular. Ele distinguiu a economia de oikos (autárquica) do 3º milênio da economia tributária do 2º milênio em diante. Nessa economia tributária, as atividades econômicas eram mais individualizadas, mas os mercadores ainda estavam intimamente ligados aos interesses das "households institucionais" (palácio, templos).

  • Crítica aos Critérios de Silver: Renger criticou Silver por assumir a existência de mercados (de crédito, trabalho, terra) com base em simples referências a vendas ou compras, sem considerar o contexto político, social e histórico ou o papel quantitativo desses fenômenos no sistema econômico total. Para Renger, era preciso provar que os mercados existiam como um processo instituído, tangível e um elemento estrutural viável da economia.

  • Estudos de Caso: Pesquisas como a de Marcelo Rede sobre a apropriação do espaço em Larsa (séculos XIX-XVIII a.C.) demonstraram que transações imobiliárias eram influenciadas por laços de parentesco e vizinhança, e não por um mercado impessoal. As intervenções reais, como decretos de anulação de dívidas, visavam recompor laços sociais, não reequilibrar um mercado institucionalizado. Não havia uma "classe mercantil" que fizesse da negociação de terrenos uma fonte de lucro, e os padrões de valores indicavam um comportamento mais de consumo conspícuo do que de um mercado imobiliário moderno.

4. Os Novos Modelos: A Perspectiva de Mario Liverani

Mario Liverani, ao lado de outros assiriólogos e historiadores, buscou reconstituir o desenvolvimento econômico da Mesopotâmia, admitindo a complexidade e as variações temporais e espaciais. Sua perspectiva, que complementa a de Renger, é considerada sofisticada por articular as estruturas econômicas com as transformações históricas e políticas.

  • Coexistência de Modelos: Liverani, sem renunciar completamente a Polanyi, propôs que a economia mesopotâmica não tinha as propriedades e características do mercado moderno e contemporâneo, mas admitia a existência e relevância de um mercado comercial autônomo das redes de intercâmbio "recíprocas" entre estados.

  • Duplo Segmento no Comércio: Para Liverani, o comércio podia ser subdividido em dois segmentos:

    1. A relação entre o templo/palácio e seus agentes de comércio (comércio administrado): Agentes recebiam prata ou materiais, com valores fixos, e deveriam trazer o equivalente em produtos exóticos. Essa relação, vista no início e fim do processo, dava a impressão de um comércio administrado e sem riscos para a instituição central.

    2. As atividades dos mercadores em terras estrangeiras (comércio livre): Uma vez fora do controle direto do palácio, esses mercadores podiam comercializar livremente, aproveitando diferentes preços, usando moeda em atividades financeiras (empréstimos) e buscando o máximo lucro pessoal possível.

    • Conclusão de Liverani: Ambas as impressões (comércio administrado e livre) estavam corretas e não se contradiziam, pois se referiam a diferentes segmentos do processo. O controle do palácio sobre a economia era evidente, mas a mistura de negócios públicos e privados por mercadores reais tornava o cenário complexo.

  • A Crise do Bronze Final e o Comércio: A crise do século XII a.C. (fim da Idade do Bronze) marcou uma mudança. Na Idade do Ferro (a partir do século XI a.C.), o comércio passou a ser realizado por grupos especializados (oligarquias de mercadores, tribos de criadores de camelo), e as estratégias comerciais, antes subordinadas às decisões políticas, passaram a influenciá-las. As novas rotas comerciais voltadas para o lucro não estavam centradas na Mesopotâmia, mas sim fora dela, conectando portos e cidades de caravana a fontes de metais e mercadorias exóticas.

5. O Debate Atual: Superação e Complexidade

O debate sobre o mercado na Mesopotâmia, que começou no século XIX, na Alemanha, entre "primitivistas" e "modernistas", avançou muito. Embora a dicotomia rígida de Polanyi entre "antigo" (reciprocidade/redistribuição) e "moderno" (mercado criador de preços) tenha sido superada, a questão do lugar das trocas no sistema social e a relação entre as households e o mercado (como questionado por David Snell) continuam pertinentes.

Hoje, há um consenso de que o mercado existia na Mesopotâmia, mas era diferente dos mercados modernos, com o Estado pesando sobre seu funcionamento e a ausência de uma moeda comum para quantificar o valor das mercadorias com base na oferta e demanda de forma totalmente autônoma. Elementos não mercantis podiam conviver com relações de mercado, e as diferenças entre o "antigo" e o "moderno" são qualitativas no que tange ao grau de integração dos mercados na sociedade. A pesquisa assiriológica continua a buscar uma imagem da economia mesopotâmica que reflita sua complexidade e evolução histórica.

VII. A Arquitetura da Mesopotâmia: O Nascimento dos Zigurates

A arquitetura mesopotâmica foi um dos legados mais impressionantes dessa civilização. A escassez de pedras e madeira na região fez do barro a matéria-prima fundamental. Esse barro, abundante às margens dos rios Tigre e Eufrates, era transformado em tijolos, que podiam ser secos ao sol (adobe) ou, mais raramente, cozidos (devido à escassez de madeira para o cozimento). O betume, que jorrava facilmente da terra, era usado como argamassa e para impermeabilizar os tijolos.

Os mesopotâmicos acreditavam que "o ofício de construir" era um dom divino, ensinado aos homens pelos deuses, e que trabalhar com barro honrava as divindades, pois era o mesmo material que os deuses usaram para moldar os seres humanos.

A arquitetura mesopotâmica foi influenciada por três fatores principais:

  1. A organização sociopolítica das cidades-estados e impérios subsequentes.

  2. O papel da religião organizada nos assuntos de Estado.

  3. As influências do ambiente natural, como as limitações geológicas e climáticas da região.

1. Construção de Templos e o Nascimento do Zigurate

O templo foi o primeiro edifício com estrutura sólida na Suméria. Inicialmente pequenos, esses templos foram assumindo formas mais complexas e desenvolvidas com o tempo, incorporando estruturas escalonadas que se tornaram conhecidas como Zigurates.

O Zigurate é uma forma de templo criada pelos Sumérios e comum entre babilônios e assírios. Era uma estrutura maciça em forma de pirâmide com vários andares sobrepostos, com um templo no topo. O interior era construído com tijolos queimados (mais resistentes), enquanto o exterior era feito com tijolos cozidos ao sol (mais fáceis de produzir, mas menos resistentes). O acesso ao templo, no topo do zigurate, era feito por rampas ou escadarias.

Apesar de uma semelhança visual com as pirâmides do Egito, sua estrutura interna e finalidade eram bem diferentes: os zigurates não possuíam câmaras internas e eram templos religiosos destinados à moradia dos deuses, diferentemente das complexas estruturas funerárias das pirâmides.

2. Exemplos de Zigurates Famosos

  • Zigurate de Ur: É o mais bem conservado de todos os zigurates. Foi construído para o deus da lua "Nanna", o padroeiro da cidade-estado de Ur, por volta de 2100 a.C. pelo rei sumério Ur-Nammu. Em seu entorno, havia casas residenciais, prédios comerciais e serviços públicos.

  • Zigurate de Etemenanki (Torre de Babel): Dedicado ao deus Marduk da Babilônia, Etemenanki significa "a casa da fundação do céu e da terra". Esta obra serviu de inspiração para a história bíblica da Torre de Babel. A estrutura original foi construída por Hamurabi e restaurada por Nabucodonosor no século VII a.C.. Era composta por amplas escadarias em toda a sua volta, sete andares e cerca de 91 metros de altura, tendo no topo o santuário. Além da função religiosa, também tinha um papel científico, pois os escribas observavam os astros de seu topo.

  • Jardins Suspensos da Babilônia: Embora não seja um zigurate no sentido estrito, sua estrutura foi construída com a forma de um zigurate, mas era recoberta de vegetação. Construído na Babilônia a mando do rei Nabucodonosor II, no século VI a.C., próximo ao rio Eufrates, o que possibilitou amplos sistemas de irrigação. Os tijolos de barro eram revestidos com betume para impermeabilização.

3. Arquitetura Doméstica e Urbana

As cidades mesopotâmicas se organizavam em torno dos zigurates. As famílias mesopotâmicas eram responsáveis pela construção de suas próprias casas. Os tamanhos variavam, mas o projeto geral consistia em cômodos menores organizados em torno de um grande cômodo central. Os pátios se tornaram uma característica comum para fornecer um efeito de resfriamento natural, e essa característica persiste na arquitetura doméstica do Iraque atual.

4. Portal de Ishtar

A Babilônia, um grande centro comercial, era protegida por grandes muros para evitar invasões. A cidade tinha oito portais, e o principal e mais grandioso era o Portal de Ishtar. Construído pelo rei Nabucodonosor II, foi batizado em homenagem à deusa acádia Ishtar, que representa a fertilidade. Era adornado com azulejos azuis brilhantes, cobertos por dragões dourados e leões em tijolos vitrificados. Uma reconstrução parcial do Portal de Ishtar, feita a partir de materiais encontrados em escavações, pode ser vista no Museu de Pérgamo, em Berlim.

VIII. Conclusão: O Legado Duradouro da Mesopotâmia

A Mesopotâmia, a "terra entre rios", é reconhecida como um dos grandes berços da civilização e deixou um legado cultural e tecnológico inestimável que continua a influenciar o mundo até hoje. Suas contribuições vão muito além das inovações e avanços tecnológicos, moldando a própria estrutura da vida humana e do conhecimento.

Entre as mudanças decisivas que a civilização mesopotâmica trouxe à história da humanidade, podemos citar:

  • O aparecimento das cidades e a constituição das primeiras sociedades urbanas, fazendo da cidade um elemento essencial da vida humana.

  • O surgimento de uma autoridade real e de um governo, com a figura do monarca se tornando a forma de governo mais difundida.

  • A invenção da escrita (cuneiforme), uma inovação crucial para o registro de informações, a burocracia e o acúmulo de conhecimento.

  • O desenvolvimento de uma "burocracia" e um arquivo de informações, permitindo registrar e conservar conhecimentos em diversos campos.

  • A formação de um senso de justiça com leis que estabeleceram regras e punições para os infratores, sendo o Código de Hamurabi um marco fundamental.

  • O aparecimento de uma literatura, como a Epopeia de Gilgamesh, que foi transmitida a civilizações posteriores.

  • O estabelecimento das bases para o conhecimento matemático e astronômico, com o desenvolvimento do sistema sexagesimal, geometria e a identificação de planetas e constelações.

  • A formação de uma noção do tempo dividido e organizado, com o ano de 365 dias, 12 meses e a semana de sete dias.

  • O desenvolvimento da arquitetura monumental, com destaque para os zigurates e palácios.

A vida cotidiana dos antigos mesopotâmios, com suas famílias, trabalhos, lazer e crenças, era notavelmente semelhante em suas necessidades e desejos básicos aos nossos. Os registros arqueológicos nos mostram que, apesar dos milhares de anos e dos avanços tecnológicos, os seres humanos não são tão diferentes do que eram. A Mesopotâmia não é apenas um capítulo na história; é a fundação sobre a qual muitas das estruturas da nossa sociedade foram construídas, e seu legado continua a surpreender e a ser estudado e debatido por pesquisadores em todo o mundo.


Questões de múltipla escolha:

  1. Qual era o sistema de escrita desenvolvido na Mesopotâmia?

    A) Hieroglífico

    B) Cuneiforme

    C) Alfabeto fenício

    D) Pictográfico

  2. Qual foi um dos importantes legados da Mesopotâmia na área da legislação?

    A) Código de Ur-Nammu

    B) Código de Draco

    C) Código de Justiniano

    D) Código de Hamurábi

  3. Qual foi uma das contribuições tecnológicas da Mesopotâmia mencionadas no texto?

    A) Papiro

    B) Sistemas de irrigação

    C) Calendário solar

    D) Moeda

Gabarito:

  1. B) Cuneiforme

  2. D) Código de Hamurábi

  3. B) Sistemas de irrigação