A palavra metalinguagem é composta pelo prefixo grego meta, que carrega as ideias de comunidade, participação, mistura, intermediação e sucessão. Literalmente, a metalinguagem implica uma camada "acima" ou "além" da linguagem-objeto.
A Metalinguagem é, fundamentalmente, a linguagem que se debruça sobre si mesma. Em termos mais técnicos, é o uso do próprio código para explicá-lo.
Quando a linguagem se volta para si, ela expõe os procedimentos de construção do discurso. Por extensão, essa autorreferência também é chamada de metadiscurso, metaliteratura, metapoema e metanarrativa.
Dúvida Comum: A metalinguagem é uma função da linguagem ou um recurso artístico? A Metalinguagem é reconhecida como uma função da linguagem (Função Metalinguística, conforme Roman Jakobson), mas seu uso em obras de arte (literatura, cinema, pintura) transforma-a em um recurso artístico ou estilístico complexo.
O linguista Roman Jakobson (1974) estabeleceu seis funções da linguagem, sendo a Função Metalinguística aquela que ocorre quando a linguagem fala da própria linguagem, focando-se no código.
2.1. O Foco no Código e no Canal
A função metalinguística tem como fator predominante o código. Ela reenvia o código utilizado à língua e a seus elementos constitutivos.
No contexto da comunicação, a metalinguagem verifica se o emissor (quem fala) e o destinatário (quem recebe) estão utilizando o mesmo código. Por isso, no esquema comunicacional, o canal (a matéria da mensagem) é sempre a parte mais importante, pois é o emissor falando sobre a sua própria matéria de comunicação.
Além de ser um recurso comunicativo, Jakobson considera a metalinguagem um elemento indispensável para o processo de aprendizagem das línguas.
A Metalinguagem não está restrita à arte, sendo usada constantemente no dia a dia, muitas vezes, sem que nos demos conta.
Os exemplos mais notórios e frequentemente cobrados em exames são os recursos linguísticos autoexplicativos:
Gramática: É um discurso essencialmente metalinguístico porque se trata do código explicando o próprio código. Por exemplo, uma gramática ao definir as vozes verbais ("Quanto à voz, a ação expressa pelo verbo pode ser representada de três formas...") está usando a metalinguagem.
Dicionário: É um repertório de palavras sobre palavras. Quando consultamos o significado de "poesia" em um dicionário online, estamos nos valendo da função metalinguística.
Análise Sintática: O ato de analisar a sintaxe de uma frase também é um uso dessa função.
Perguntas Cotidianas: Interromper alguém para perguntar o significado de uma palavra é fazer uso da função metalinguística.
O conceito de metalinguagem se expandiu e se tornou mais complexo ao envolver um trabalho elaborado do código sobre o código nas diversas artes.
Pintura: Quando o pintor se retrata pintando o quadro, ou quando uma tela é usada para descrever a própria linguagem artística, ocorre a metalinguagem. Um exemplo famoso é o quadro "As Meninas" de Velázquez, onde o pintor se insere na cena e retrata o ato de pintar. O Autorretrato de Van Gogh é outro exemplo de função metalinguística notória.
Cinema: Um filme que tem como tema o próprio cinema ou que explica seu discurso cinematográfico usa metalinguagem. O filme "Cinema Paradiso" (1988) é um exemplo clássico, pois seu enredo trata do próprio cinema, sendo um hino de amor a essa arte.
Música: Uma canção que discute a linguagem da música ou um estilo musical está usando metalinguagem. O exemplo de "Samba de uma nota só" demonstra a música falando do samba, seu próprio estilo. O grupo Palavra Cantada utilizou a metalinguagem em sua canção "Gramática", abordando conceitos gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo) como se fosse uma aula de Língua Portuguesa.
Publicidade: A metalinguagem é um recurso muito comum em propagandas e anúncios que falam sobre eles próprios (como a foto de uma câmera em um anúncio publicitário de uma câmera).
Na literatura, a metalinguagem ocorre quando o escritor escreve sobre o ato de escrever, discutindo os procedimentos utilizados na construção da obra.
A partir do século XIX, com a ascensão do romance moderno, a discussão sobre a forma (o discurso) como a história é contada ganhou importância, utilizando a metalinguagem como recurso artístico.
A metalinguagem se tornou um instrumento do Modernismo (século XX), que abordou a transformação do ato criador em tema da criação. A intenção estética era clara: despertar no leitor a consciência de que a arte é um “fazer artístico” e não apenas evasão. Essa postura levou à autocrítica dos procedimentos artísticos.
Ao usar a metalinguagem, o texto lança um pacto entre o leitor e o narrador: “eu sei que você está lendo e você sabe que eu estou escrevendo”. Essa descontinuidade narrativa impede que o leitor se misture totalmente com a ficção, levando-o a se distanciar para compreender o sentido simbólico inerente à obra.
A metalinguagem é um dos temas mais utilizados na literatura em geral, refletindo as lutas diárias e constantes dos artistas com as palavras.
Machado de Assis é considerado o autor que desenvolveu esse estilo na literatura brasileira, sendo um precursor do Modernismo.
A Ruptura: A mudança ocorre com Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), no qual o narrador, um “defunto autor”, já sinaliza a inverossimilhança e o caráter de versão de sua história.
Recursos Metalinguísticos: Machado faz uso da metalinguagem ao interpelar o leitor ou a leitora ou redigindo digressões, o que torna a leitura descontínua.
Teoria da Literatura Interna: O autor cria uma verdadeira teoria da literatura por meio dos diálogos com o leitor, classificando-os em categorias como “graves” e “frívolos”.
Provocação: Ele avisa o leitor sobre o estilo não-linear e “ébrio” de Brás Cubas, sabendo que o leitor do século XIX estava acostumado aos romances românticos e não estava preparado para esse novo estilo.
Antecipação Teórica: Machado antecipa a Teoria da Recepção (que só ganharia força nos anos 60) ao sinalizar que os textos são processos de significação que só se materializam na prática da leitura.
Carlos Drummond de Andrade é um poeta que discute muito o fazer poético. A metalinguagem é um dos temas mais utilizados em sua obra.
"Procura da Poesia": Neste poema, um dos principais textos metalinguísticos de Drummond, ele estabelece uma sequência de “não faças”. Ele adverte que não se deve fazer versos sobre acontecimentos, sentimentos, cidades, ou mesmo o corpo, pois isso “ainda não é poesia”.
O Objeto Estético: A principal preocupação do poeta deve ser com a elaboração do seu objeto estético, com o poema enquanto objeto de contemplação e arte. A arte exige preocupação com o lado estético e laborioso do fazer poético (a estrutura do texto, as palavras adequadas).
O Reino das Palavras: Drummond instrui o poeta a “penetrar surdamente no reino das palavras”. As palavras e os poemas estão lá, "sós e mudos em estado de dicionário", esperando ser escritos e descobertos.
Consolação: Em outro texto ("Explicação"), Drummond revela o lado pessoal da criação: “O meu verso é minha Consolação, meu verso é minha cachaça”. A poesia serve como forma de desabafar e expressar sentimentos, mas este desejo não deve subordinar o poema em sua construção estética.
Liberdade Poética: Drummond advoga pela liberdade do fazer poético, em oposição aos imperativos prescritivos. Ele afirma: "não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono". As palavras "saltam, se beijam, se dissolvem" seguindo o fluxo significativo.
O romance São Bernardo (1934) eleva Graciliano Ramos a expoente da literatura moderna, usando a metalinguagem como parte de sua estilística.
O Narrador-Escritor: O narrador-personagem Paulo Honório expõe o processo de produção da obra literária. O romancista distancia-se, deixando o narrador criar, criando-se.
A Dificuldade da Escrita: Paulo Honório confessa a árdua tarefa da concepção da narrativa, comparando-a ao trabalho sacrificante no "eito" (com salário de cinco tostões). Ele desiste do projeto inicial de construir o livro pela divisão do trabalho (Padre Silvestre com a moral, João Nogueira com sintaxe, etc.).
O Romance Metalinguístico: O romance, como gênero, é metalinguístico por excelência, representando o drama do discurso confrontando discursos de grupos sociais variados (dialogismo bakhtiniano).
A Consciência do Processo: O narrador desvenda o processo-livro diante do leitor: planejamento, autoria, composição, pontuação, sintaxe. Ele chega a declarar o método que adota: "extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço". Essa atitude faz a obra perder a "aura" de inspiração e ser vista como trabalho, ato.
Manuel Bandeira ("Desencanto"/"Os meus versos"): Utiliza a metalinguagem ao referir-se à construção da poesia e de seus versos. O poema expõe a função catártica da poesia (meio de vazão e alívio de sofrimentos). Versos como “Eu faço versos como quem chora” e “Meu verso é sangue” fundem a ideia do poema com a própria vida e sentimentos do autor/eu lírico.
João Cabral de Melo Neto ("Catar Feijão"): O poeta usa uma comparação didática entre a escolha dos grãos de feijão e a escolha de palavras na escrita, abordando o processo de labor verbal. Ele mostra que a "pedra" (o grão imastigável) pode dar à frase seu "grão mais vivo", obstruindo a leitura fluente para "açular a atenção".
A metalinguagem se manifesta em formas mais elaboradas na literatura, gerando conceitos específicos que são importantes para a análise aprofundada.
Esta distinção é frequentemente cobrada:
Metalinguagem: A linguagem fala sobre si mesma, usando o próprio código para explicá-lo.
Intertextualidade: É o recurso em que um texto dialoga com outro texto. Ocorre quando há referências, paráfrases, citações, ou paródias entre obras. Exemplo: A canção do exílio, de Gonçalves Dias, sendo referenciada por Murilo Mendes, ou a Mônica de Maurício de Souza baseada na Monalisa.
Metaficção e metalinguagem são termos similares, diferenciando-se pelo universo em que atuam.
Definição: A Metaficção é ficção sobre ficção ou, mais precisamente, um tipo de ficção que prima pelo desvendamento do processo narrativo.
Consciência e Ilusão: A metaficção implica um processo autoconsciente da produção escrita e o rompimento da ilusão criada a priori. Embora crie um mundo ficcional ("heterocosmo"), ela joga com a construção e a desconstrução desse mundo.
O Narrador Escritor: Nesses romances, a personagem pode acumular a função de escrever uma história inserida no romance. A autoria da obra é, por vezes, atribuída a uma personagem, o que aumenta o distanciamento do autor.
Exemplo (Trapo): Em Trapo, de Cristovão Tezza, a personagem Manuel, um professor aposentado, decide inventar um final para a história de Trapo (o suicida) para que o livro possa ser concluído. Essa manipulação do discurso revela o processo criativo e a fragilidade do relato (a história é apenas uma versão).
Metacrônica é a metalinguagem aplicada ao gênero crônica.
Função: Ocorre quando o cronista usa a própria crônica para explicar o que é fazer uma crônica.
Características: Os autores costumam utilizar a metacrônica com humor para falar sobre a dificuldade ou os desafios de escrever o gênero.
Ligação Temática: Ao trazer as dificuldades do ato de escrever, os autores fazem uma ligação temática com as dificuldades normais que encontramos em diversos âmbitos da vida.
Essência da Crônica: A crônica se define como a percepção de “algo extraordinário, percebido dentro do ordinário da vida”.
A metalinguagem é um recurso altamente relevante em avaliações, pois testa a capacidade do candidato de identificar a função predominante da linguagem e de analisar a estrutura interna dos textos.
A Função Metalinguística é frequentemente cobrada no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). É essencial saber distinguir a metalinguagem da intertextualidade.
Exemplo de Questão (ENEM 2021): Em uma questão do ENEM 2021, o texto analisado foi a prosa metalinguística de Manuel Bandeira sobre a gênese do poema "Vou-me embora para Passárgada".
O texto descreve a longa gestação do poema, o uso da redondilha e a sensação de que o poema já estava pronto dentro dele. A pergunta sobre a função da linguagem predominante leva à resposta: Metalinguística, porque o poeta tece comentários sobre a gênese e o processo de escrita de um de seus poemas.
Em concursos, é crucial reconhecer a intenção autocrítica do autor. Quando um texto, seja ele poema, romance ou crônica, expõe o seu próprio processo de criação, a prioridade analítica deve recair sobre a metalinguagem.
No Modernismo: A metalinguagem, ao evidenciar o processo de produção, tira a "aura" de inspiração da obra e a reposiciona como trabalho consciente do artista.
Em Machado de Assis: Reconhecer a interpelação ao leitor e as digressões é fundamental para entender como Machado força o leitor a tomar uma atitude de distanciamento crítico da narrativa.
Em João Cabral: Analisar o rigor da escolha vocabular em "Catar Feijão" mostra que o foco está no labor poético.
R: Metalinguagem é a linguagem falando sobre a linguagem em qualquer código (texto, cinema, música). Metaficção é um termo mais específico, sendo a ficção que fala sobre o processo de criação ficcional/narrativo, atuando no universo da prosa. A Metaficção desvenda os "bastidores" da construção da história.
R: Porque a metalinguagem antecipa e integra o projeto estético Modernista e Pós-Modernista, que exigia o autoquestionamento da arte. Ao discutir o próprio discurso, a arte deixa de ser apenas evasão e valoriza o "fazer artístico" (o trabalho laborioso do escritor). Autores como Machado de Assis e Graciliano Ramos já utilizavam a metalinguagem para inovar a forma e a estrutura da narrativa.
R: Em "Procura da Poesia", Drummond refere-se às palavras como estando “sós e mudas em estado de dicionário”. Isso significa que, isoladamente, as palavras (que possuem toda a riqueza de significado) estão paralisadas e não significam nada. Cabe ao poeta explorar essa riqueza, relacionar os sentidos e juntar o "Grande quebra-cabeça" para criar o objeto artístico.
R: Ambos usam a metalinguagem para evidenciar o processo de escrita e distanciar-se da obra. Machado usa o recurso para interpelar diretamente o leitor, quebrando a linearidade (digressões) e estabelecendo um pacto de ficcionalidade. Graciliano, através de Paulo Honório em São Bernardo, usa a metalinguagem para expor a tensão psicológica e social do narrador e a dificuldade da autoria, desnudando o planejamento do livro.
R: Sim. Embora a função metalinguística se sobressaia quando o foco é o código, ela está em estado correlacional com as outras funções da linguagem. Por exemplo, um poema pode ser metalinguístico (foco no código) e, ao mesmo tempo, ter função poética (foco na mensagem pela expressividade) e função emotiva (expressando os sentimentos do emissor).