
Você está prestes a mergulhar em um dos episódios mais fascinantes e determinantes da história colonial brasileira: a Guerra dos Mascates. Este guia foi cuidadosamente elaborado para desvendar todos os detalhes desse conflito, que não foi apenas uma disputa local, mas um reflexo das profundas transformações econômicas, sociais e políticas do século XVIII. Prepare-se para compreender as causas, os personagens, as reviravoltas e o duradouro legado de uma "guerra" que, embora por vezes chamada de sublevação, redefiniu o poder em Pernambuco e influenciou a própria identidade de um povo. Nosso objetivo é que você não apenas memorize fatos, mas realmente entenda a complexidade desse período, priorizando informações essenciais para estudantes e concurseiros.
A Guerra dos Mascates foi um conflito armado ocorrido na Capitania de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, entre os anos de 1710 e 1711. Ela opôs dois grupos sociais com interesses econômicos e políticos distintos, e geograficamente próximos:
Os Senhores de Engenho de Olinda: a tradicional elite agrária, ligada à produção de açúcar e detentora do poder político e social.
Os Comerciantes Portugueses do Recife: uma nova burguesia emergente, conhecida pejorativamente como "mascates", que havia enriquecido com o comércio e buscava maior autonomia e participação no governo local.
Embora o termo "guerra" tenha se popularizado, alguns historiadores a descrevem mais como uma série de "sedições" ou "alterações" em Pernambuco. No entanto, seu impacto na região açucareira foi significativo.
Para entender a Guerra dos Mascates, é fundamental analisar o cenário que a precedeu:
O século XVII foi marcado, em Pernambuco, pela invasão holandesa (1630-1654). Após a expulsão dos holandeses, que culminou nas Batalhas dos Guararapes (1648 e 1649), a Capitania de Pernambuco enfrentou uma severa crise econômica. Isso se deu, em grande parte, porque os holandeses, ao serem desalojados do Brasil, levaram consigo mudas de cana-de-açúcar para as Antilhas (América Central).
Concorrência Internacional: O açúcar antilhano, produzido pelos holandeses, tornou-se um forte concorrente do produto pernambucano no mercado europeu.
Queda nos Preços: Consequentemente, os preços do açúcar brasileiro despencaram, afetando drasticamente os lucros dos senhores de engenho. Em Lisboa, o preço da arroba de açúcar caiu de 3.500 réis em 1650 para 1.300 réis em 1688.
Endividamento Crônico: Diante dessa conjuntura desfavorável e da debilidade do sistema de frotas para escoar a produção, os senhores de engenho e lavradores de cana acumularam dívidas alarmantes. Eles frequentemente recorriam a financiamentos de entressafra e adiantavam a venda da safra por preços abaixo do mercado.
Apesar da decadência econômica, a elite de Olinda conseguiu manter o controle político da região. A Câmara de Olinda era o principal centro de poder, e os senhores de engenho, que detinham essa influência, viram-se obrigados a pedir empréstimos aos comerciantes de Recife para tentar contornar a crise. Esse cenário de endividamento dos olindenses com os recifenses foi um dos catalisadores da tensão.
As duas cidades, embora fisicamente muito próximas (a ponto de serem consideradas "cidades-irmãs"), possuíam características e aspirações distintas, que se tornaram a base da rivalidade:
Tradição e Status: Olinda era a cidade-mãe, com raízes coloniais mais antigas, e um monumento secular. Concentrava a nobreza da terra, a aristocracia dos antigos donos de engenho.
Identidade: Havia um forte "orgulho de serem brasileiros" e "amor à terra" entre os olindenses, com traços identitários próprios.
Decadência Econômica: Apesar de seu passado glorioso (já foi chamada de "pérola da Colônia"), Olinda perdeu o centro das decisões administrativas, políticas, econômicas, judiciárias e religiosas para o Recife.
Crescimento e Cosmopolitismo: O Recife era uma cidade em ascensão, impulsionada pelo comércio do açúcar e outras atividades econômicas urbanas. Sua população era considerada mais "cosmopolita" e aberta a "gente de fora".
O Porto: O porto do Recife era de suma importância, tornando-se o principal entreposto comercial do Norte do Brasil. A abertura dos portos em 1808 impulsionou ainda mais seu desenvolvimento, atraindo negociantes e capitais estrangeiros, principalmente ingleses e franceses.
Os "Mascates": A burguesia emergente do Recife era composta principalmente por comerciantes portugueses, muitos de origem simples, que inicialmente vendiam produtos de casa em casa (caixeiros) e depois se tornaram donos de armazéns e casas comissionárias. Os olindenses os chamavam pejorativamente de "mascates", termo que se popularizou para designar os comerciantes ambulantes.
Importante para concursos: O termo "mascate" era um insulto usado pela nobreza olindense para desqualificar a origem e a atividade dos comerciantes recifenses.
Crescimento Populacional: O Recife experimentou um crescimento populacional exponencial, passando de cerca de 8.000 habitantes em 1710 para 25.000 em 1809 e 45.000 em 1819, enquanto Olinda permanecia com uma população muito menor (3.000 a 4.000).
Infraestrutura e Urbanização: O bairro portuário do Recife se especializou como centro comercial e bancário, e a cidade teve um significativo desenvolvimento urbano, com a construção de sobrados (diferente das casas de Olinda, de apenas dois andares). A primeira sinagoga da América Latina, a "Kahal Zur Israel", foi construída no Recife no século XVII, evidenciando a importância dos judeus na história da região e do comércio. Símbolos de luxo e modernidade, como o Teatro Santa Isabel (inaugurado em 1850), foram erguidos, dando um "ar de metrópole" à capital.
OBSERVAÇÃO SOBRE O TERMO "EMBOABAS": É importante notar que, embora algumas fontes usem o termo "Emboabas" para se referir ao grupo emergente de Recife que confrontou os "mascates" de Olinda, a maioria das fontes históricas e o entendimento mais comum do conflito referem-se aos comerciantes de Recife como os "mascates" (de forma pejorativa pelos olindenses). A "Guerra dos Emboabas" é, historicamente, um conflito distinto ocorrido em Minas Gerais. Na Guerra dos Mascates, os "mascates" são os comerciantes de Recife, e os "senhores de engenho" ou "nobreza" são os de Olinda.
Os motivos que levaram à Guerra dos Mascates foram múltiplos e interligados:
Crise da Cana-de-Açúcar: A decadência do ciclo do açúcar e a concorrência holandesa impactaram diretamente a aristocracia olindense.
Rivalidade Olinda vs. Recife: A disputa pelo controle político e econômico entre a elite rural de Olinda e a burguesia comercial de Recife era o cerne do conflito.
Endividamento e Cobrança: A grave situação financeira dos senhores de engenho de Olinda, endividados com os comerciantes de Recife, gerava grande tensão, pois os recifenses buscavam a cobrança dos empréstimos.
Busca por Autonomia Política do Recife: Os recifenses, insatisfeitos por estarem economicamente prósperos, mas politicamente subordinados à Olinda, aspiravam à emancipação política e a uma Câmara própria.
O estopim do conflito ocorreu em 1709, quando o governo de Portugal concedeu ao Recife o status de vila, denominada Santo Antônio do Recife. Essa elevação de status, que significava maior autonomia, não foi bem aceita pela população de Olinda, acirrando a rivalidade. A construção do pelourinho em Recife em 1710, um símbolo da autonomia municipal, foi o ato que deflagrou as sublevações.
O conflito, que durou cerca de um ano, teve as seguintes fases:
Revolta Olindense: Em 1710, a população de Olinda, liderada por Bernardo Vieira de Melo, protestou e invadiu o Recife. Nesse assalto, o pelourinho de Recife foi lançado por terra, e os mascates do novo Senado foram "esbordoados". O foral régio de criação da vila também foi queimado.
Fuga do Governador: O governador da Capitania de Pernambuco, Sebastião de Castro e Caldas (que favorecia os recifenses e tinha uma administração considerada "desastrosa"), fugiu para a Bahia.
Ponto Chave para Concursos: Sebastião de Castro e Caldas era conhecido por sua má administração, interferindo em assuntos eclesiásticos e jurídicos, desobedecendo ordens do governador-geral e favorecendo os comerciantes recifenses.
Reação dos Mascates: Os mascates de Recife não ficaram inertes e reagiram com violência, invadindo Olinda em 1711.
Intervenção da Coroa e Fim do Conflito: A luta durou com certa violência até a chegada do novo governador enviado por Portugal, o capitão-general Félix Machado Mendonça, em 6 de outubro de 1711, que restabeleceu a paz. Ele se estabeleceu no Recife e, partidário dos recifenses, controlou a situação.
A Guerra dos Mascates teve um desfecho claro e consequências que redefiniram o poder em Pernambuco:
Vitória Recifense: Ao final das lutas, os recifenses saíram vitoriosos.
Recife como Capital: A principal consequência foi a emancipação de Recife, que, em 1712, tornou-se oficialmente a sede administrativa e capital da Capitania de Pernambuco.
Perda Territorial de Olinda: Ao se tornar vila e, posteriormente, capital, Recife gradualmente se ampliou, incorporando parte significativa do território de Olinda. Bairros como Boa Vista, Afogados, e freguesias como Várzea, Jaboatão e Poço da Panela, que antes pertenciam a Olinda, foram desmembrados e incorporados ao Recife ao longo do século XVIII e XIX.
Prisão de Olindenses: Muitos senhores de engenho de Olinda foram presos.
Discurso de Legitimidade: Os olindenses derrotados construíram uma retórica de que a vitória recifense ocorreu devido ao apoio da Coroa Portuguesa. Eles se viam como os "verdadeiros nobres" e "senhores de terras", enquanto os mascates eram depreciados como "aventureiros" e "estrangeiros", de origem simples.
Continuidade da Rivalidade: A Guerra dos Mascates marcou profundamente a rivalidade entre as duas cidades, uma tensão que, de certa forma, perdura até os dias atuais.
Um aspecto crucial para entender a manutenção da elite açucareira, apesar do endividamento crônico, foi o privilégio concedido aos senhores de engenho e lavradores de cana-de-açúcar. Este privilégio garantiu que suas dívidas não fossem cobradas por meio do confisco de seus bens, como engenhos e lavouras, mas sim por parte dos rendimentos anuais de suas unidades produtivas.
Origem e Justificativa:
Este direito remontava às Ordenações do Reino (a legislação portuguesa) do século XVII, que visavam preservar a agricultura.
A Coroa Portuguesa concedia esse benefício para proteger os produtores de açúcar e manter o funcionamento dos engenhos, que eram essenciais para a economia colonial e para as receitas da Coroa através dos impostos.
Evolução e Caráter Perpétuo:
O privilégio foi solicitado e prorrogado sucessivas vezes para as principais capitanias açucareiras (Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco) desde o início do século XVII.
Para Pernambuco, após inúmeras solicitações, a mercê régia foi concedida em caráter perpétuo (sem limitação de tempo) em julho de 1726.
Vitória Política da Nobreza:
A concessão desse privilégio em caráter perpétuo, especialmente após a Guerra dos Mascates, é vista como uma significativa vitória política da nobreza da terra de Pernambuco. Serviu como uma forma de acalmar os ânimos desse grupo após os levantes.
Mesmo com opiniões divergentes entre as autoridades (como o ouvidor João Marques Bacalhau e o provedor João do Rego Barros) sobre a amplitude do privilégio, a decisão final visava a estabilização social e a manutenção da produção açucareira.
Continuidade e Instrumentalização na Prática:
O privilégio continuou ao longo do século XVIII, sendo defendido por instituições como a Mesa de Inspeção do Açúcar (criada em 1751), que visava o fomento da agricultura e a manutenção do patrimônio dos produtores.
A Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759-1780), também foi obrigada a respeitar essa regra, penhorando apenas um terço dos rendimentos anuais dos produtores de cana-de-açúcar.
Na prática, esse privilégio era ainda mais amplo: permitia que os senhores de engenho contraíssem dívidas por outras atividades (não apenas a açucareira) e ainda assim tivessem seus bens protegidos. Além disso, laços de solidariedade familiar muitas vezes garantiam que os bens, como engenhos, permanecessem na posse da família, mesmo em caso de leilão.
Após a perda do status de capital, Olinda enfrentou um longo período de decadência que se estendeu por todo o século XIX. Tornou-se, para muitos de seus moradores, uma "cidade dormitório" do Recife, pois não conseguia oferecer empregos e renda suficientes. A população olindense afluía para o Recife em busca de ocupação.
No entanto, no final do século XIX e início do século XX, Olinda experimentou um novo ciclo de "apogeu" como cidade balneária.
Saúde e Veraneio: Impulsionada pelos novos conhecimentos da medicina sobre os benefícios dos banhos de mar (talassoterapia), Olinda tornou-se o local preferido pela população abastada do Recife para a temporada de verão.
Desenvolvimento Urbano e Arquitetônico: A procura pelas praias de Olinda levou à urbanização da área plana e litorânea, antes ocupada por pescadores. Surgiram casas de veraneio mais sofisticadas e chalés, que eram construções modernas e ecléticas, em voga na França.
Festividades e Vida Social: Olinda teve uma vida social efervescente durante o veraneio, com festas, retretas (apresentações da filarmônica no Coreto do Carmo), eleição de Rainha das Praias, e grandes festividades de fim de ano, como a tradicional Festa do Bonfim, que durava uma semana e contava com a participação de olindenses e veranistas recifenses. Essas festas eram momentos de grande sociabilidade e expressão cultural, religiosa e social.
Acessibilidade: A ligação entre Olinda e Recife foi significativamente melhorada. Inicialmente por canoas, depois por pontes (como a do Varadouro em 1700), pela ferrovia urbana Maxambomba (1870-1914), e, posteriormente, por bondes elétricos (a partir de 1914), ônibus e automóveis, o que facilitou o acesso e aproximou as duas cidades como se fossem uma só.
Industrialização Limitada: Embora algumas fábricas, como a Amorim Costa (de vinhos de frutas e massa de tomate), e, posteriormente, a têxtil Tacaruna e o Curtume Santa Maria, tenham se instalado em Olinda, a cidade não se industrializou ou se desenvolveu economicamente como o Recife.
Vamos consolidar as informações mais relevantes para você se destacar em provas:
Foi um conflito entre a aristocracia rural de Olinda (senhores de engenho) e a burguesia comercial de Recife (os "mascates") entre 1710 e 1711, motivado por disputas de poder econômico e político na Capitania de Pernambuco.
As causas foram a crise da produção açucareira em Olinda (agravada pela concorrência holandesa das Antilhas), o consequente endividamento dos senhores de engenho com os comerciantes do Recife, a rivalidade política e econômica entre as duas cidades, e a busca por autonomia política do Recife, que culminou com a elevação do Recife a vila em 1709 e a construção de seu pelourinho.
Eram os comerciantes portugueses do Recife, que, tendo enriquecido com o comércio, buscavam maior poder político. O termo "mascate" era usado de forma pejorativa pelos olindenses, referindo-se a vendedores ambulantes ou de origem humilde.
Cuidado com a ambiguidade: Embora uma fonte os chame de "Emboabas" e os distinga dos "mascates de Olinda", a maioria das fontes e a historiografia comum associam os "mascates" aos comerciantes de Recife.
A guerra terminou com a vitória dos comerciantes de Recife. Como consequência, o Recife foi elevado à categoria de capital da Capitania de Pernambuco em 1712, consolidando seu poder econômico e político em detrimento de Olinda.
Embora popularmente conhecida como guerra, alguns historiadores a classificam como uma série de "sublevações" ou "alterações". No entanto, a intensidade dos confrontos e as profundas consequências políticas e sociais justificam sua importância histórica.
O privilégio era uma legislação protetora que impedia o confisco total dos bens (engenhos, lavouras, escravos) dos senhores de engenho e lavradores endividados, permitindo que pagassem suas dívidas apenas com parte dos rendimentos anuais.
Por que é importante? Garantiu a manutenção patrimonial e social da nobreza da terra em Pernambuco, mesmo em tempos de crise, e foi um ganho político significativo para esse grupo, sobretudo após a Guerra dos Mascates.
Contexto de Aplicação: Válido para dívidas de menor valor, mas na prática era frequentemente expandido. Revela as complexas relações de poder e a influência da elite agrária junto à Coroa.
É um conceito que descreve a identidade regional de Pernambuco, que para alguns autores, como Gilberto Freyre, teria se consolidado e antecedido a própria consciência nacional no Brasil. A Guerra dos Mascates, com suas disputas e afirmações identitárias, contribuiu para a formação desse sentimento de "ufania" e pertencimento local.
A Guerra dos Mascates é muito mais do que um capítulo isolado de conflito na colônia. Ela representa o embate entre uma ordem antiga, rural e aristocrática, e uma nova força econômica, urbana e comercial. A vitória dos mascates não foi apenas militar, mas simbólica e estrutural, inaugurando um novo centro de poder e desenvolvimento no Nordeste brasileiro.
Compreender este evento, suas complexidades e suas exceções – como o duradouro privilégio dos senhores de engenho – é essencial para qualquer estudante ou profissional que busca um conhecimento aprofundado da história do Brasil. Esperamos que este guia completo tenha oferecido a clareza e o detalhe necessários para sua jornada de aprendizado. Continue explorando e questionando, pois a história é um campo vasto e sempre em evolução!
Questões:
Qual foi o principal motivo que desencadeou a Guerra dos Mascates?
a) Disputa territorial entre Pernambuco e Bahia
b) Conflito religioso entre católicos e protestantes
c) Disputa pelo controle político e econômico entre Olinda e Recife
d) Luta pela independência do Brasil
Quem eram os "mascates" e os "emboabas" na Guerra dos Mascates?
a) Grupos indígenas rivais
b) Líderes religiosos e políticos
c) Elites mercantis de Olinda e Recife, respectivamente
d) Governadores portugueses e líderes militares
Qual foi o desfecho da Guerra dos Mascates?
a) Vitória dos "mascates" de Olinda
b) Vitória dos "emboabas" de Recife
c) Trégua entre as partes
d) Intervenção das tropas francesas
Gabarito:
c) Disputa pelo controle político e econômico entre Olinda e Recife
c) Elites mercantis de Olinda e Recife, respectivamente
b) Vitória dos "emboabas" de Recife