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14/08/2025 • 24 min de leitura
Atualizado em 14/08/2025

Neorrealismo

O Neorrealismo, um movimento artístico e ideológico de meados do século XX, revolucionou diversas formas de expressão, como o cinema, a literatura e a pintura, ao propor uma nova maneira de olhar e retratar a realidade. Com um caráter marcadamente de esquerda e influências marxistas, ele se diferencia do Realismo do século XIX por seu compromisso com a denúncia de problemas sociais e a busca por transformação.

1. O que é Neorrealismo? Definição e Contexto Histórico

O Neorrealismo pode ser entendido como um movimento artístico do século XX, caracterizado por sua forte carga ideológica e social. Ele se apresenta como um "novo realismo", comprometido com a denúncia de problemas sociais e a promoção de uma reflexão crítica sobre a realidade.

Este movimento surgiu em um período de profundas transformações e desafios globais. A partir dos anos 1940, e de forma mais acentuada após a Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir movimentos artísticos que buscavam uma relação mais livre com a linguagem e, simultaneamente, discutiam temas sociais. A Itália pós-guerra foi o berço do Neorrealismo cinematográfico, um dos primeiros e mais influentes desses movimentos. O país estava devastado pela guerra, e a sociedade enfrentava condições de vida extremamente difíceis, com desespero, opressão e desigualdade.

Em Portugal, o movimento neorrealista eclodiu nos anos 1930 como uma movimentação cultural de jovens atentos e sensíveis a um cenário mundial de crise econômica, desemprego, fome, difusão de regimes totalitários (Nazismo, Fascismo, Salazarismo) e a deflagração da Segunda Guerra Mundial. Em Portugal, a ditadura salazarista, conhecida como Estado Novo, marcou uma concepção antiparlamentar e antiliberal do Estado. Diante desse cenário, a geração neorrealista em Portugal buscou promover, através da ideologia marxista, um ato de resistência e luta contra a alienação provocada pelo regime do Estado Novo. Eles viam a arte como um meio de conscientização e transformação da realidade.

2. Características Essenciais do Neorrealismo (Geral)

De forma genérica, o Neorrealismo se distingue por um conjunto de características que permeiam suas manifestações nas diversas artes:

  • Crítica Sociopolítica: É um pilar fundamental. As obras neorrealistas não são neutras; elas tomam partido, denunciando as desigualdades sociais e os desmandos das elites. Elas buscam explicar fenômenos humanos pelo social.

  • Ausência de Idealizações: Ao contrário de representações romantizadas, o Neorrealismo busca retratar a vida "como ela é na vida real", sem filtros ou embelezamentos. Há uma busca por uma abordagem crua que beira o documental.

  • Linguagem Simples e Coloquial: As narrativas se valem de uma linguagem direta e acessível, frequentemente espelhando o modo de falar do povo. No cinema, isso se traduz em diálogos improvisados e naturalistas.

  • Caráter Emotivo: Apesar da crueza, as obras neorrealistas são carregadas de emoção, valorizando os sentimentos dos personagens em detrimento de ideias abstratas.

  • Reflexão Social: O movimento se propõe a uma reflexão profunda sobre os problemas coletivos da humanidade, como desemprego, fome e guerras. A arte é vista como uma forma de consciência social.

  • Protagonismo de Pessoas do Povo: O foco recai sobre o cidadão comum, o trabalhador, o marginalizado, o oprimido. Suas vidas cotidianas e suas lutas pela sobrevivência tornam-se o centro da narrativa.

  • Denúncia de Injustiças Sociais: A exposição das mazelas da sociedade, da exploração e da miséria é uma constante. O Neorrealismo pretende desnudar os mecanismos socioeconômicos que regem a vida humana, incitando à transformação radical.

3. Neorrealismo vs. Realismo: Qual a Diferença?

Essa é uma das dúvidas mais comuns e importantes para compreender o Neorrealismo. Embora ambos os termos remetam a uma representação da realidade, suas abordagens, contextos e propósitos são distintos:

  • Realismo (Século XIX):

    • Contexto: Reação ao Classicismo e ao Romantismo. Marcou o triunfo do interesse das classes médias em ascensão pela realidade empírica e pela vida cotidiana.

    • Propósito: Tratava a representação da vida real como um fim artístico em si. Buscava uma objetividade e neutralidade, como em uma "fotografia da realidade".

    • Foco: Embora retratasse a vida humana, mesmo a da nobreza, não necessariamente questionava as estruturas sociais ou seu impacto nas classes trabalhadoras.

    • Estilo: Tendeu a ser "anti-poético" e menos "estilizado", focando na crueza da vida real, doenças, e morte.

    • Visão: Partia do pressuposto ingênuo de que a realidade era um dado imediato dos sentidos.

  • Neorrealismo (Século XX):

    • Contexto: Movimento pós-Segunda Guerra Mundial, especialmente na Itália, e um movimento sociocultural-político em Portugal nos anos 30. Reação ao Modernismo, que foi visto como afastado demais da realidade e incapaz de registrar as recentes tragédias da guerra e a situação econômica.

    • Propósito: Trata a vida real como um meio para algum outro fim artístico, que é a transformação social. Sua intenção é ser ativo, não apenas contemplativo ou descritivo. A arte deve dar uma visão social da realidade, explicando as características naturais pela história, vida social, lutas de interesse.

    • Foco Ideológico: Tende a codificar uma perspectiva política mais específica, como o marxismo e o socialismo. Preocupa-se em compreender as causas estruturais dos problemas (pobreza, sexismo, alienação). Está mais próximo do Naturalismo (ramo do Realismo do século XIX) em termos de comentário social e denúncia.

    • Visão: Admite que a verdadeira realidade é uma interpretação racional imposta aos dados sensoriais. Busca uma transformação do Homem e o projeta para um futuro de colheita dos frutos dessa transformação. Acredita na transformação pela via da ação e na união de esforços coletivos.

    • A "Redução do Artístico ao Ideológico": Embora o Neorrealismo não pressuponha a separação entre forma e conteúdo, e nem um "rigor político" óbvio nas obras, a ênfase no conteúdo e na urgência de transmiti-lo levou críticos a associar o movimento à "redução do artístico ao ideológico". No entanto, defensores do movimento afirmavam que a literatura não é apenas política ou sociologia, mas toda obra literária, voluntária ou não, expressa uma posição política e social.

Em resumo, enquanto o Realismo buscava representar a realidade de forma objetiva, o Neorrealismo, embora se valendo de técnicas de representação realistas, tinha um propósito ideológico e de intervenção social muito mais explícito e engajado. É a diferença entre uma fotografia e um sistema de ideias.

4. O Neorrealismo no Cinema: A Sétima Arte em Revolução

O cinema foi, sem dúvida, a forma de arte onde o Neorrealismo atingiu seu expoente máximo e maior reconhecimento internacional.

Neorrealismo Italiano: O Epicentro da Inovação

O Neorrealismo Italiano é o movimento cinematográfico mais icônico da corrente neorrealista. Ele despontou a partir dos anos 1940, mas ganhou força e popularidade internacional após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a queda de Benito Mussolini em 1945.

  • Origens e o "Cinema dos Telefones Brancos":

    • O movimento surgiu em um contexto onde o principal estúdio italiano, a Cinecittà, havia sido bombardeado.

    • Os filmes que dominavam a indústria italiana nos anos 1930 eram chamados de telefoni bianchi ("telefone branco"). Essas produções, que imitavam comédias americanas, apresentavam cenários luxuosos e personagens burgueses com dilemas tolos, distantes da realidade do cidadão comum.

    • Um grupo de críticos da revista Cinema (incluindo Luchino Visconti, Cesare Zavattini, Giuseppe De Santis) atacava esses filmes, buscando inspiração em escritores realistas do século XX. Eles acreditavam que o cinema italiano deveria retratar a realidade social pós-guerra, a mudança de mentalidade dos italianos e suas condições de vida, como o desespero e a desigualdade.

  • Técnicas e Estéticas que Quebraram Paradigmas:

    • Para capturar as histórias da população mais humilde, os cineastas foram para as ruas, usando locações reais e externas, em vez de cenários de estúdio.

    • Utilizavam iluminação natural e o mínimo de equipamentos.

    • Frequentemente empregavam atores não profissionais, inclusive para papéis importantes, buscando uma maior autenticidade e aproximando-se do público. Quando atores profissionais eram usados, eles frequentemente interpretavam papéis muito diferentes dos habituais e contracenavam com amadores.

    • As histórias evitavam narrativas convencionais e optavam por estruturas mais abertas, que se desenvolviam organicamente. O enredo muitas vezes valorizava o fato corriqueiro como alicerce dramatúrgico.

    • O estilo visual era quase documental, com cinematografia granulada. O teórico André Bazin o chamou de "reportagem reconstituída", pois os cineastas buscavam respeitar ao máximo a realidade, resistindo à manipulação das imagens.

    • Os diálogos eram frequentemente improvisados, soando como conversas reais.

    • Os filmes neorrealistas muitas vezes apresentavam crianças como protagonistas ou observadores, indicando seu papel como testemunhas das dificuldades do presente e como chave para um futuro melhor.

  • Filmes Essenciais e Cineastas Marcantes (Muito Cobrados em Concursos!):

    • Precursores: Embora o movimento tenha se popularizado após a guerra, Alessandro Blasetti com O Coração Manda (1942) e o francês Jean Renoir com Toni (1935) são considerados importantes precursores. Luchino Visconti e Michelangelo Antonioni trabalharam com Renoir.

    • Obsessão (1943) – Luchino Visconti: Considerado por alguns teóricos como o marco inicial do movimento. Retrata a vida de um casal marginalizado e explora locações e paisagens como elementos expressivos vitais para o drama. Visconti já revelava uma Itália com aspectos pobres e insignificantes.

    • A Trilogia da Guerra de Roberto Rossellini: Um conjunto de três filmes que são o auge criativo e marcos do Neorrealismo.

      • Roma, Cidade Aberta (1945): Lançado logo após a libertação de Roma, é amplamente considerado o marco do Neorrealismo italiano e o primeiro grande filme produzido na Itália pós-guerra. Venceu o Grande Prêmio no Festival de Cannes. O filme trata dos efeitos da Segunda Guerra Mundial na Europa, assimilando a devastação física e o estado psicológico e social dos personagens. Roma não é apenas pano de fundo, mas personagem, com ruas e edificações em ruínas. Subverte convenções narrativas, mostrando a banalidade da morte em tempos de guerra.

      • Paisà (1946): Continua a explorar os efeitos da guerra e a devastação na Europa.

      • Alemanha, Ano Zero (1948): Um retrato pungente da Berlim pós-guerra, com uma criança como protagonista, mostrando a caótica situação e a valorização da presença infantil no movimento.

    • Vítimas da Tormenta (Shoeshine) (1946) – Vittorio De Sica: História de dois garotos engraxates em Roma que sonham em comprar um cavalo, acabando em uma prisão para crianças infratoras. De Sica explora a interação entre personagens e o espaço impessoal e decadente.

    • Ladrões de Bicicleta (1948) – Vittorio De Sica: Talvez o filme mais icônico do movimento. Apesar do enredo simples (um trabalhador busca sua bicicleta roubada ao lado do filho), explora o individualismo e a desolação no contexto do pós-guerra na Itália. De Sica usou intensamente atores não profissionais, incluindo crianças em papéis de destaque. O filme é estruturado de maneira episódica, valorizando o fato corriqueiro.

    • A Terra Treme (1948) – Luchino Visconti: Filmado com cidadãos da costa da Sicília e no dialeto da região, conta a história de um jovem pescador explorado. Adota uma abordagem crua, quase documental.

    • Arroz Amargo (1949) – Giuseppe De Santis: Busca equilibrar a preocupação social com uma abordagem cinematográfica mais comercial, evidenciando as condições insalubres dos trabalhadores, mas utilizando apelos de gêneros como o romance e o policial.

    • Stromboli, Terra de Deus (1950) – Roberto Rossellini: Com Ingrid Bergman, aborda a dificuldade de adaptação a um novo ambiente e conflitos com a população local.

    • Dois Vinténs de Esperança (1952) – Renato Castellani: Se adequa a uma vertente mais leve e comercial do movimento, chamada por alguns teóricos de "neorrealismo rosa". Apesar da premissa dramática, a abordagem é menos pessimista e flerta com a comédia.

    • Umberto D. (1952) – Vittorio De Sica: Aborda a condição dos idosos e a decadência de um aposentado que luta para manter sua dignidade.

  • O Declínio e o Legado Duradouro:

    • O movimento neorrealista italiano declinou rapidamente nos anos 1950. A população, desmoralizada pela visão da pobreza e do desespero nos filmes, ansiava por mudança e prosperidade, preferindo o otimismo e entretenimento dos filmes norte-americanos.

    • A opinião do governo italiano também não era favorável; Giulio Andreotti, então vice-ministro, declarou que o Neorrealismo era "roupa suja que não deveria ser lavada e pendurada para secar em público".

    • Apesar de sua curta duração na Itália, o impacto do Neorrealismo foi enorme e duradouro, sendo considerado o ponto de partida para o cinema moderno como um todo.

    • Ele influenciou uma "onda de insurreição anti-hollywoodiana" que ficou conhecida como os Novos Cinemas, incluindo:

      • Nouvelle Vague francesa (anos 1950).

      • Cinema Novo brasileiro (anos 1960).

      • Cinema Livre na Inglaterra.

      • Escola de Cinema Polonesa.

      • Cinema Paralelo Indiano.

    • Diretores contemporâneos como Jules Dassin, Ken Loach, Mike Leigh, Jia Zhangke e Martin Scorsese são considerados devedores do Neorrealismo.

    • Uma segunda geração de cineastas italianos nos anos 1960 e 1970, como Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Paolo e Vittorio Taviani, Marco Bellocchio e Ermanno Olmi, retomou características neorrealistas (filmes em preto e branco, fotografia documental, atores não profissionais, locações reais, temas sociais), agregando lições da Nouvelle Vague.

    • Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, embora desenvolvendo estilos próprios, trabalharam questões caras ao Neorrealismo em seus primeiros filmes. Fellini entendia o fundamento do Neorrealismo como "olhar a realidade com um olho honesto", abordando a condição humana e sua luta em meio às adversidades. Antonioni explorou a passividade e a paralisia dos personagens diante do imprevisível, focando em espaços vazios e tempos mortos.

Realismo Poético Francês: O Precursor

Anterior ao Neorrealismo italiano, o Realismo Poético Francês também abandonou o caráter individualista do cinema de autor, valorizando o trabalho em equipe (especialmente roteiristas vindos da literatura e do jornalismo). Influenciado pela Frente Popular (1936), explorava histórias de pessoas marginalizadas (classe operária, delinquentes) em um ambiente cético e pessimista. O Atalante (Jean Vigo) é um marco, e Jean Renoir é um nome importante do movimento.

Cinema Neorrealista Português: Desafios da Censura

Em Portugal, embora o Neorrealismo literário tenha sido muito importante, o cinema neorrealista não frutificou devido à forte censura salazarista.

Cinema Novo Brasileiro: A Assimilação "Antropofágica"

O Cinema Novo brasileiro, que eclodiu nos anos 1960, é o resultado mais proeminente da influência do Neorrealismo italiano na cinematografia brasileira.

  • Contexto e Primeiras Manifestações:

    • A recepção do cinema neorrealista italiano no Brasil começou em 1947, com filmes como Il Bandito e Roma, Cidade Aberta. A crítica brasileira, tanto conservadora quanto engajada, saudou o movimento, destacando seu aspecto humanista.

    • Críticos como Alex Viany e aspirantes a cineastas como Nelson Pereira dos Santos viram no modelo de produção neorrealista (fazer cinema com poucos recursos, fora dos estúdios, com foco no homem e sua realidade) o ideal para o Brasil, um país em desenvolvimento. Nelson Pereira dos Santos afirmou que "no Brasil o pós-guerra é permanente", comparando a realidade do subdesenvolvimento à devastação pós-guerra na Itália.

    • Esse modelo de "cinema com nada ou quase nada e em condições adversas, usando como armas criatividade e simplicidade" inspirou o que Ismail Xavier chamou de "pré-Neo-realismo" ou "proto-Cinema Novo" nos anos 1950, com filmes de Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos.

    • Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos são os principais nomes do Cinema Novo. Rio, 40 Graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955) é frequentemente citado como o possível início desse estilo cinematográfico no Brasil.

  • Análise de Influências em Filmes-Chave (Muito Relevante para Concursos!): Uma análise aprofundada de filmes da primeira fase do Cinema Novo revela a presença clara e definida de traços e vestígios da influência neorrealista. Esta influência não foi uma mera cópia, mas uma assimilação "antropofágica", onde os elementos foram incorporados e reelaborados na realidade brasileira.

    • Barravento (1960-1961) – Glauber Rocha:

      • Surpreendentemente, este filme de estreia de Glauber Rocha (que se tornaria um gênio do cinema brasileiro) mostra fortes traços do Neorrealismo de Visconti, especialmente de A Terra Treme.

      • Pode ser visto como um "quase remake" ou "atualização" da obra de Visconti, com uma história e tipo de protagonista análogos (um líder de comunidade de pescadores), um mesmo conflito econômico e social (luta de classes) e uma mensagem praticamente idêntica sobre a necessária revolta para uma nova consciência e transformação do homem e da sociedade.

      • Há um respeito pela ordem narrativa e uma preocupação com a complexa sincronia entre roteiro, filmagem e montagem. O uso de fala regional e dialeto (africano em Barravento e siciliano em La Terra Trema) é um ponto de conexão.

    • Vidas Secas (1962-1963) – Nelson Pereira dos Santos:

      • Este filme exibe um olhar neorrealista "gritante" desde o início, com textos de apresentação da obra antes da narrativa, uma característica comum em filmes neorrealistas.

      • A influência de Vittorio De Sica é marcante, especialmente de Sciuscià e Ladrões de Bicicleta, nas tomadas que mostram as crianças em relação aos animais e ao mundo adulto. As crianças são apresentadas como as principais vítimas e testemunhas do horror da miséria e da fome, ou de um "pós-guerra permanente".

      • O filme explora a dialética entre mundo adulto/infantil, História/Natureza e sonho/realidade.

    • Porto das Caixas (1962-1963) – Paulo César Saraceni:

      • Saraceni, declarado discípulo de Rossellini, mostra uma influência profunda e autônoma.

      • O filme pode ser visto como um "inteiro ponto morto", levando ao limite a técnica rosselliniana de trabalhar os "pontos mortos" ou "tempos de montagem", dilatando esses momentos para registrar o "fluxo do tempo" ou "fluxo do real", privilegiando o olhar sobre a realidade em detrimento da ação.

      • A protagonista se inspira nos retratos de mulher de Rossellini, como em Stromboli Terra di Dio. Temas como a decadência, o ritmo "canto-chão" da narrativa, a presença de crianças perdidas e o misticismo/religiosidade (com referências a procissões e comícios) remetem a filmes como Viaggio in Itália e Stromboli.

    • O Desafio (1964-1965) – Paulo César Saraceni:

      • Continua a diluição da narrativa observada em Porto das Caixas, aplicando-se a um estado de espírito do personagem e não a um drama evoluído e acabado.

      • As citações e práticas rossellinianas são evidentes, tanto em detalhes quanto em sequências inteiras. A viagem de um casal em crise e a visita da protagonista a uma fábrica têxtil são reelaborações de cenas de Viaggio in Itália.

      • Destacam-se como traços neorrealistas a "atualidade do tema", a "instantaneidade", a "improvisação" como técnica de filmagem, a câmera documental que insere a realidade de modo orgânico, e a construção do confronto de dois mundos (burguês vs. intelectuais de esquerda).

      • Tanto O Desafio quanto Viaggio in Itália são vistos como filmes de transição, marcando um novo marco e, para alguns, o fim do movimento.

  • "O travelling é um ato moral": Essa frase, atribuída a Jean-Luc Godard e defendida por Glauber Rocha, resume bem a ética da estética do Neorrealismo e do Cinema Novo: a forma da filmagem é inseparável de seu valor moral e da busca pela verdade. Roberto Rossellini já havia afirmado em 1952 que "o Neorrealismo é a forma artística da Verdade".

5. O Neorrealismo na Literatura: As Palavras que Transformam

O Neorrealismo também teve importantes ramificações na literatura, especialmente em Portugal e no Brasil. Ele resgatou valores do realismo e naturalismo do século XIX, mas com forte influência do modernismo, do marxismo e da psicanálise freudiana.

  • As Bases Teóricas e a Luta de Classes:

    • A literatura neorrealista manteve o determinismo social e psicológico do naturalismo, a analogia entre o homem e o "bicho", e a busca por objetividade e neutralidade na narração.

    • No entanto, ao contrário do pessimismo do naturalismo, os escritores neorrealistas eram ativistas políticos e leitores de Marx, engajados na luta de classes, denunciando desigualdades e desmandos das elites.

    • Eles traçaram uma constante ligação entre a arte e os fenômenos históricos, o que explica o caráter essencialmente coletivista e a proposta de uma relação de solidariedade.

    • A influência de Mário Dionísio, importante ensaísta e teórico do Neorrealismo, é notável. Ele enfatizava a espontaneidade do movimento, que nasceu da inquietação, generosidade e ingenuidade de jovens que buscavam criar uma literatura nova, capaz de desempenhar um papel inestimável na luta pela libertação do homem.

    • A intensa produção teórica do movimento, divulgada em periódicos como O Diabo, Sol Nascente e Vértice, foi crucial para a implantação e difusão das propostas neorrealistas, evidenciando uma sintonia com a vida política e cultural.

    • O Neorrealismo se opôs aos Modernismos de Orpheu e Presença em Portugal, que defendiam uma "arte autotélica" (arte pela arte) incompatível com qualquer ideologia. Para os neorrealistas, a literatura era uma forma de consciência social e valorizava a dimensão ideológica da criação literária.

    • A questão da linguagem era crucial, buscando-se saber se ela própria poderia ser revolucionária. Embora houvesse um compromisso em representar a história para conscientizar os homens, alguns artistas como Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado e Mário Dionísio, buscavam o aperfeiçoamento da linguagem e a melhor forma de representação do real.

  • Neorrealismo em Portugal: O Início de uma Geração:

    • A literatura neorrealista portuguesa, de caráter ideológico e social, teve início no final da década de 1930.

    • Foi inaugurada em 1939 com a publicação do romance Gaibéus, de Alves Redol. A epígrafe do romance, que afirmava não pretender ser uma obra de arte, mas um "documentário humano", gerou polêmica sobre a prioridade do conteúdo sobre a forma, um traço polêmico no movimento.

    • Outras obras literárias portuguesas neorrealistas incluem:

      • Terra (1941), de Fernando Namora.

      • Sol de Agosto (1941), de João José Cochofel.

      • Alcateia (1944) e Uma Abelha na Chuva (1959), de Carlos de Oliveira.

      • Caminheiros (1949), de José Cardoso Pires.

      • Seara de Vento (1958), de Manuel da Fonseca.

    • O movimento teve que conviver com a censura salazarista, que atingiu principalmente o cinema e o teatro.

  • Neorrealismo no Brasil: O Romance de 30:

    • A literatura neorrealista brasileira surge dentro do movimento modernista, especificamente associada ao romance de 1930.

    • Esse romance é também regionalista e mostra a realidade social de determinadas regiões do Brasil. Possui caráter determinista, apontando o meio em que vivem os personagens como uma das principais causas de sua miséria.

    • Algumas obras literárias neorrealistas brasileiras são:

      • O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz.

      • Os Ratos (1935), de Dyonélio Machado.

      • Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado.

      • Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos.

  • Neorrealismo na Itália e França: Outras Vertentes:

    • A literatura neorrealista italiana fez oposição ao fascismo e possui elementos sociais e existenciais. Obras notáveis incluem:

      • Conversa na Sicília (1941), de Elio Vittorini.

      • A Trilha dos Ninhos de Aranha (1947), de Italo Calvino.

      • É Isto um Homem? (1947), de Primo Levi.

      • O Cárcere (1948), de Cesare Pavese.

    • No Neorrealismo francês, a presença na literatura foi tímida. O romance Antoine Bloyé (1933), associado a um "realismo socialista", é o que mais se aproxima.

6. O Neorrealismo na Pintura: Retratos da Realidade Social

O Neorrealismo marcou as propostas de pintura com pendor social nos anos 1930 e 1940, ligadas à denúncia de questões sociais e ao fervor revolucionário comunista.

  • Artistas e Obras Notáveis:

    • México: Pintores como Orozco e Rivera exaltaram o povo mexicano e suas origens pré-colombianas, valorizando a luta pela liberdade e a construção do progresso do país em grandes murais figurativos.

    • Brasil: O maior nome da pintura neorrealista brasileira é Candido Portinari (1903-1962), cuja obra Café (1935) teve grande influência sobre a arte neorrealista portuguesa. Outras obras de Portinari com temática social incluem:

      • O Lavrador de Café (1934).

      • Lavadeiras (1937).

      • Retirantes (1944).

    • Itália: A pintura neorrealista italiana retratou o homem do campo e imagens de resistência política. O principal artista é Renato Guttuso (1911-1987), com obras como:

      • Atirando no Campo (1938).

      • Fuga do Etna (1940).

      • Massacre (1943).

    • Portugal: Exemplos de obras incluem:

      • Apertado pela Fome (1945), de Marcelino Vespeira.

      • Gadanheiro (1945), de Júlio Pomar.

    • França: O principal nome é André Fougeron (1913-1998) e sua obra Parisienses no Mercado (1947).

7. ATENÇÃO: Neorrealismo nas Relações Internacionais – Um Conceito à Parte!

É crucial entender que o termo "Neorrealismo" também existe no contexto das Relações Internacionais, mas não tem nenhuma relação com o movimento artístico. Este é um ponto que causa muita confusão, mas é simples de desambiguar.

  • O que é o Neorrealismo (ou Realismo Estrutural):

    • É uma teoria das Relações Internacionais, descrita primeiramente por Kenneth Waltz em seu livro de 1979, Theory of International Politics.

    • Junto com o neoliberalismo, é uma das abordagens mais influentes nas teorias de Relações Internacionais.

    • Ao contrário do realismo clássico, o neorrealismo descarta conceitos essencialistas como a "natureza humana" para explicar a política internacional.

    • Os pensadores neorrealistas acreditam que restrições estruturais — e não a estratégia, o egoísmo ou a motivação dos estados — irão determinar o comportamento dos Estados nas relações internacionais.

    • A natureza da estrutura internacional é definida por seu princípio de primeira ordem: a anarquia (ausência de uma autoridade central formal) e pela distribuição de recursos (medida pelo número de grandes potências no sistema internacional).

    • Os Estados agem de acordo com a lógica da autoajuda, buscando seus próprios interesses em detrimento dos outros.

    • O objetivo mínimo dos Estados é garantir sua própria sobrevivência, o que é um pré-requisito para perseguir outros objetivos. Isso leva os Estados a desenvolverem recursos militares para aumentar seu poder relativo.

    • A "dilema de segurança" surge da incerteza sobre as intenções futuras de outros Estados e da falta de confiança, obrigando os Estados a se protegerem contra perdas relativas de poder.

    • Os Estados buscam um "equilíbrio de poder" por meio de balanceamento interno (aumento de capacidades econômicas e militares) ou externo (formação de alianças).

    • Os neorrealistas afirmam que um sistema bipolar é mais estável (menos propenso a guerras entre grandes potências) do que um multipolar, devido a menores chances de erros de cálculo.

  • Principais Conceitos e Diferenças com o Neoliberalismo (Muito Relevante para Concursos!): Existe um extenso debate entre as escolas neorrealista e neoliberal. As principais diferenças são:

    1. Limitação da Anarquia: Neorrealistas veem a anarquia como mais limitante para a atuação do Estado do que os neoliberais.

    2. Cooperação Internacional: Neorrealistas consideram a cooperação internacional muito mais difícil de ser alcançada e mantida, dependendo mais do poder do Estado.

    3. Ganhos da Cooperação: Neoliberais enfatizam os ganhos absolutos (maximizar o nível total de ganhos para todas as partes), enquanto neorrealistas focam nos ganhos relativos (quem ganhará mais com a cooperação).

    4. Foco Temático: Neorrealistas se preocupam com questões de segurança e as causas/efeitos das guerras. Neoliberais se concentram na economia política internacional e no meio ambiente.

    5. Capacidades vs. Intenções: Neorrealistas priorizam as capacidades (poder) dos Estados antes de suas intenções. Neoliberais dão mais atenção às intenções e percepções.

    6. Instituições Internacionais: Neorrealistas não acreditam que instituições internacionais ou regimes possam mitigar os efeitos limitadores da anarquia na cooperação. Neoliberais, sim, acreditam que regimes e instituições podem facilitar a cooperação.

  • Neorrealistas Notáveis (Relações Internacionais):

    • Kenneth Waltz (fundador).

    • John Mearsheimer (realismo ofensivo).

    • Robert J. Art.

    • Richard K. Betts.

    • Joseph Grieco.

    • Robert Jervis.

    • Christopher Layne.

8. Dúvidas Comuns e Pontos Chave para Concursos

Para solidificar seu conhecimento e se preparar para exames, considere os seguintes pontos:

  • Diferença Fundamental Neorrealismo (Arte) vs. Realismo (Arte): O Neorrealismo é o Realismo do século XX, com uma carga ideológica e social muito mais explícita e um objetivo de transformação. Ele não apenas retrata a realidade, mas a questiona e busca mudá-la, usando a arte como ferramenta de conscientização.

  • Neorrealismo (Arte) vs. Neorrealismo (Relações Internacionais): São conceitos completamente distintos, com origens, propósitos e teóricos diferentes. Não confunda!

  • Onde o Neorrealismo se Destacou: Principalmente no cinema italiano pós-Segunda Guerra Mundial, e na literatura portuguesa e brasileira do século XX.

  • Características Essenciais do Cinema Neorrealista Italiano:

    • Filmagens em locações reais (ruas, interiores, paisagens devastadas).

    • Uso de atores não profissionais (o povo comum).

    • Temas sociais: pobreza, desemprego, miséria, opressão, as consequências da guerra na vida do cidadão comum.

    • Estilo quase documental, com pouca maquiagem ou artifícios.

    • Narrativas abertas e episódicas, sem grandes clímax hollywoodianos.

    • Crianças como personagens centrais (testemunhas da realidade).

  • Filmes e Diretores Imprescindíveis (Concursos!):

    • Roberto Rossellini: Roma, Cidade Aberta (o marco!), Paisà, Alemanha, Ano Zero (Trilogia da Guerra).

    • Vittorio De Sica: Ladrões de Bicicleta (o mais icônico!), Vítimas da Tormenta (Shoeshine), Umberto D.

    • Luchino Visconti: Obsessão (pré-neorrealista, mas influente), A Terra Treme.

    • Giuseppe De Santis: Arroz Amargo.

    • Renato Castellani: Dois Vinténs de Esperança (o "neorrealismo rosa").

  • Legado do Neorrealismo (Arte): Influenciou uma série de "Novos Cinemas" ao redor do mundo, como a Nouvelle Vague francesa e o Cinema Novo brasileiro, estabelecendo as bases do cinema moderno.

  • Influência no Cinema Novo Brasileiro: Destaque para a "ética da estética", o modo de produção com poucos recursos, o foco no "pós-guerra permanente" do subdesenvolvimento, e a "assimilação antropofágica" da estética neorrealista em filmes como Barravento, Vidas Secas, Porto das Caixas e O Desafio.

  • Literatura Neorrealista: Em Portugal, Alves Redol com Gaibéus. No Brasil, o Romance de 30 (Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos).

9. O Impacto Perene do Neorrealismo

O Neorrealismo, em suas múltiplas manifestações, representou uma verdadeira revolução no olhar artístico. Ao se recusar a desviar os olhos da realidade crua e das injustiças sociais, e ao buscar uma conexão profunda com o homem comum e seus dilemas, o movimento não apenas criou obras de arte impactantes, mas também abriu caminho para uma nova forma de fazer e pensar a arte.

Sua capacidade de assimilar e, ao mesmo tempo, transcender as realidades locais, adaptando-se a diferentes contextos culturais (como no Brasil, com o Cinema Novo), demonstra sua universalidade e relevância duradoura. O Neorrealismo não foi apenas um estilo, mas uma filosofia moral e ética que buscou libertar a arte de confinamentos, tornando-se um símbolo de liberdade recém-descoberta e da vontade de questionar e contestar a realidade.

Mesmo com a passagem do tempo, a essência do Neorrealismo – a busca pela verdade e a representação da condição humana em sua luta contra as adversidades – continua a inspirar e a provocar reflexão, reafirmando seu lugar como um dos movimentos mais significativos e influentes da história da arte e do pensamento contemporâneo.