Para facilitar seu estudo e compreensão do Novo Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), preparamos um material de apoio completo e didático, abordando os conceitos mais importantes, as mudanças em relação às versões anteriores, as exceções e os desafios atuais. Este conteúdo é ideal para quem busca uma visão aprofundada da legislação ambiental brasileira, com foco em tópicos frequentemente cobrados em concursos e exames.
O Novo Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), também conhecido como Lei de Proteção da Vegetação Nativa, é o instrumento legal que estabelece normas gerais para a proteção da vegetação nativa em todo o território nacional. Ele revogou o Código Florestal de 1965 e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001, que havia alterado substancialmente o código anterior.
Este código abrange áreas de Preservação Permanente (APP), de Reserva Legal (RL) e de Uso Restrito (UR), além de disciplinar a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima, o controle da origem dos produtos florestais, e a prevenção e controle de incêndios florestais. Seu objetivo central é promover o desenvolvimento sustentável, conciliando a produtividade agropecuária e florestal com a preservação do meio ambiente. A lei reafirma o compromisso do Brasil com a proteção de suas florestas, biodiversidade, solo e recursos hídricos.
A legislação florestal brasileira passou por três grandes marcos históricos, com códigos promulgados em 1934, 1965 e, mais recentemente, em 2012. Essa evolução reflete as mudanças nas percepções sociais e econômicas sobre a importância da conservação dos recursos naturais.
O primeiro Código Florestal, promulgado em 1934, surgiu em um período ditatorial do governo de Getúlio Vargas, em conjunto com outros códigos como os de Água, Minas, Caça e Pesca. A comissão para sua elaboração foi liderada por Luciano Pereira da Silva. A Constituição de 1934 foi a primeira a atribuir à União a competência exclusiva para legislar sobre florestas.
A motivação para este código estava ligada à preocupação com o esgotamento dos recursos florestais devido à expansão da cafeicultura, silvicultura e pecuária, especialmente perto do Rio de Janeiro, e ao extrativismo de espécies como a Araucária Angustifólia no sul do país. A dificuldade e o alto custo do transporte de lenha, muito usada na época, levaram o governo a intervir. O código buscava manter a popularidade do regime, obrigando proprietários a manter 25% de suas terras com mata original, a "quarta parte". No entanto, havia incentivos para o desmatamento, desde que 25% da área fosse replantada para lenha e carvão.
Apesar de seu caráter utilitarista e político-populista, o Código de 1934 introduziu a ideia de Reserva Florestal e florestas protetoras com a finalidade de conservar recursos hídricos, prevenir erosão e proteger áreas de risco, revelando uma certa percepção sistêmica da natureza e até mesmo um caráter estético da paisagem. No entanto, sua aplicabilidade era precária, com multas altas e falta de gestão integrada, o que impulsionou sua reformulação.
O Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771), sancionado em 15 de setembro de 1965, surgiu da necessidade de reformular o código anterior devido às dificuldades de cumprimento, múltiplas interpretações, aumento do desmatamento e complexidade de monitoramento. A elaboração teve origem em um grupo de trabalho iniciado em 1961, conhecido como "Projeto Daniel de Carvalho", buscando clareza jurídica sem alterar a essência do conteúdo anterior.
Este código foi um avanço importante, pois introduziu pela primeira vez as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal como instrumentos legais. As APPs restringiam o direito de propriedade em função da função social da terra, enquanto a Reserva Legal exigia que imóveis rurais destinassem uma parte para conservação florestal. Diferentemente da RL, que incidia apenas sobre domínio privado, as APPs incidiam sobre domínios público e privado.
Apesar de ser um avanço, o código de 1965 carecia de justificativas claras para as metragens de APP e RL, sendo o resultado de um consenso pressionado por prazos e a necessidade de uma regra geral, muitas vezes influenciado por uma mentalidade acadêmica da época que conciliava viés preservacionista com uma visão econômico-utilitarista. Por exemplo, uma faixa de 5 metros de mata ciliar para um rio de até 10 metros de largura era considerada insuficiente, sem especificar a metragem para nascentes.
A partir de 1980, o Código de 1965 passou por sucessivas reedições via leis e Medidas Provisórias (MPs), que contribuíram para suas alterações. Marcos importantes neste período incluem:
1981: Aprovação da Lei nº 6.938, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), tratando a flora como bem jurídico ambiental e criando o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
1985: A Lei 7.511/86 redimensionou as APPs e proibiu a transformação de florestas heterogêneas em homogêneas.
1988: A Constituição Brasileira de 1988 consolidou a função social da propriedade e tutelou os elementos do meio ambiente.
1989: Criação do IBAMA (Lei nº 7.735) e aprovação da Lei 7.803, que aumentou as faixas marginais a serem preservadas ao longo dos rios e exigiu a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel.
1996: A Medida Provisória (MP) 1.511 ampliou a Reserva Legal para 80% na Amazônia, mas a reduziu no Cerrado dentro da Amazônia Legal de 50% para 35%.
1998: A Lei Nº 9.605 (Lei de Crimes Ambientais) endureceu as penas para quem desobedecesse a legislação ambiental.
2001: A MP 2.166-67 alterou substancialmente o Código de 1965, definindo pequena propriedade rural, APP e Reserva Legal, e flexibilizando a exploração de recursos florestais em território indígena. Permitiu a supressão de vegetação de APP em casos de utilidade pública ou interesse social e introduziu o conceito de compensação de Reserva Legal, permitindo seu reflorestamento com espécies exóticas e industriais, e possibilitando a soma da Reserva Legal na APP.
Essas alterações e a dificuldade em conciliar os interesses de diversos setores (ruralistas, ambientalistas, governo) demonstraram a necessidade de uma nova legislação, que culminou no Código de 2012.
O Novo Código Florestal de 2012 (Lei nº 12.651/2012) se baseia em conceitos-chave que são pilares da proteção da vegetação nativa no Brasil. Compreender esses conceitos é essencial para entender a legislação.
As Áreas de Preservação Permanente (APPs) são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. São áreas de interesse comum a todos os habitantes do país.
O regime de proteção da APP implica que a vegetação nativa ali deve ser mantida pelo proprietário, possuidor ou ocupante do imóvel. A supressão de vegetação em APP é restrita a hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, conforme previsto na lei.
O Quadro 01 nas fontes e o Art. 4º da Lei nº 12.651/2012 detalham as dimensões mínimas das APPs. É fundamental conhecer as diferentes metragens:
Ao longo de cursos d'água naturais (perenes e intermitentes, excluídos os efêmeros), desde a borda da calha do leito regular:
30 metros para cursos d'água de menos de 10 metros de largura.
50 metros para cursos d'água que tenham de 10 a 50 metros de largura.
100 metros para cursos d'água que tenham de 50 a 200 metros de largura.
200 metros para cursos d'água que tenham de 200 a 600 metros de largura.
500 metros para cursos d'água que tenham largura superior a 600 metros.
Atualização e Comparativo (Quadro 01 - APPs em cursos d'água):
Código 1934: Não estipulava metragens específicas, mas considerava "florestas protetoras" as que serviam para "conservar o regime das águas".
Código 1965: Estabeleceu larguras mínimas: 5 metros (rios < 10m), metade da largura (rios 10-200m), 100 metros (rios > 200m).
MP 1986 e MP 1989: Aumentaram significativamente essas faixas. Por exemplo, rios < 10m passaram de 5m (1965) para 30m (1986). Rios de 100-200m passaram de 100m (1965) para 150m (1986). Rios > 600m de largura foram definidos com 500m (1989).
MP 2.166-67, de 2001 e Código 2012: Mantiveram as faixas estabelecidas pelas MPs de 1986/1989.
No entorno de lagos e lagoas naturais:
100 metros em zonas rurais, exceto para corpos d'água com até 20 hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 metros.
30 metros em zonas urbanas.
Atualização e Comparativo (Quadro 01 - APPs em lagos/lagoas):
Código 1934: Mencionava "florestas protetoras" sem delimitação.
Código 1965: Definida "ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais".
Código 2012: Introduziu as metragens específicas para zonas rurais e urbanas, e a exceção para corpos d'água menores.
No entorno de nascentes e olhos d'água perenes:
Raio mínimo de 50 metros, qualquer que seja sua situação topográfica.
Atualização e Comparativo (Quadro 01 - APPs em nascentes):
Código 1965: "nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d'água", seja qual for a sua situação topográfica".
MP 1989: Incluiu nascentes intermitentes e especificou "raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura".
Código 2012: Restringiu novamente a "nascentes e olhos d’água perenes" com raio mínimo de 50 metros.
Outras categorias de APPs:
Encostas ou partes destas com declividade superior a 45°.
Restingas (fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues).
Manguezais (em toda sua extensão).
Bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 metros.
No topo de morros, montes, montanhas e serras (altura mínima de 100 metros, inclinação média > 25°, áreas delimitadas a partir de 2/3 da altura).
Áreas em altitude superior a 1.800 metros.
Veredas: faixa marginal de 50 metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.
O Novo Código Florestal trouxe regras transitórias importantes para as Áreas Rurais Consolidadas, definidas como áreas de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris. Essas regras são aplicáveis a atividades agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural.
A Lei permite a continuidade dessas atividades em APPs consolidadas, mas exige a recomposição de faixas marginais específicas, que variam conforme o tamanho da propriedade (em módulos fiscais) e a característica da APP:
Para cursos d'água naturais, a recomposição da faixa marginal é:
5 metros para imóveis com até 1 módulo fiscal.
8 metros para imóveis de 1 a 2 módulos fiscais.
15 metros para imóveis de 2 a 4 módulos fiscais.
Para imóveis superiores a 4 módulos fiscais: mínimo de 20 e máximo de 100 metros, conforme determinação do Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Para nascentes e olhos d'água perenes: raio mínimo de 15 metros de recomposição.
Para lagos e lagoas naturais, a recomposição da faixa marginal é:
5 metros para imóveis com até 1 módulo fiscal.
8 metros para imóveis de 1 a 2 módulos fiscais.
15 metros para imóveis de 2 a 4 módulos fiscais.
30 metros para imóveis superiores a 4 módulos fiscais.
Para veredas:
30 metros para imóveis com até 4 módulos fiscais.
50 metros para imóveis superiores a 4 módulos fiscais.
É importante notar que o "módulo fiscal" é uma unidade de medida em hectares, com valor variável por município, definido pelo INCRA. A recomposição pode ser feita por regeneração natural, plantio de espécies nativas, ou plantio conjugado de nativas com espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, exóticas, em até 50% da área, especialmente para agricultura familiar.
A Reserva Legal (RL) é uma área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais do imóvel, auxiliar a conservação e reabilitação dos processos ecológicos, e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e flora nativa. Ao contrário das APPs, a RL pode, em certos casos, ser utilizada para manejo sustentável.
Os percentuais mínimos de Reserva Legal variam de acordo com a localização do imóvel:
Na Amazônia Legal:
80% da área do imóvel em florestas.
35% da área do imóvel em cerrado.
20% da área do imóvel em campos gerais.
Nas demais regiões do País:
20% da área do imóvel.
O Código de 2012 permite a redução da Reserva Legal em casos específicos, especialmente na Amazônia Legal, para fins de recomposição. O poder público pode reduzir para até 50% quando o município tiver mais de 50% da área ocupada por unidades de conservação de domínio público e terras indígenas homologadas, ou quando o estado tiver Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado e mais de 65% de seu território nessas categorias.
Por outro lado, o poder público federal pode ampliar as áreas de Reserva Legal em até 50% dos percentuais previstos, para cumprimento de metas nacionais de proteção à biodiversidade ou redução de emissão de gases de efeito estufa.
A localização da Reserva Legal no imóvel rural deve considerar: o plano de bacia hidrográfica, o Zoneamento Ecológico-Econômico, a formação de corredores ecológicos, a importância para a conservação da biodiversidade e as áreas de maior fragilidade ambiental.
Uma mudança significativa introduzida pelo Novo Código é a admissão do cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal, desde que a APP esteja conservada ou em processo de recuperação, e que o benefício não implique a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo. Isso se aplica a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal (regeneração, recomposição e compensação).
A Reserva Legal deve ser conservada com vegetação nativa. No entanto, admite-se a exploração econômica da RL mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA. Para pequenas propriedades rurais ou posses familiares, há procedimentos simplificados para a elaboração, análise e aprovação desses planos de manejo.
O manejo sustentável da vegetação florestal na RL com propósito comercial depende de autorização e deve assegurar a manutenção da diversidade das espécies e não descaracterizar a cobertura vegetal. É livre a coleta de produtos florestais não madeireiros (frutos, cipós, folhas, sementes), observando-se períodos de coleta e técnicas que não coloquem em risco as espécies.
Proprietários ou possuidores que, em 22 de julho de 2008, tinham RL inferior ao exigido podem regularizar sua situação adotando uma ou mais alternativas:
Recompor a Reserva Legal: Concluída em até 20 anos, abrangendo no mínimo 1/10 da área a cada 2 anos. A recomposição pode ser feita com plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas (sistema agroflorestal), onde as exóticas não excedam 50% da área.
Permitir a regeneração natural da vegetação.
Compensar a Reserva Legal: Pode ser feita por aquisição de Cota de Reserva Ambiental (CRA), arrendamento de área sob servidão ambiental ou RL, doação ao poder público de área em UC, ou cadastramento de outra área equivalente em imóvel de mesma titularidade ou de terceiro, no mesmo bioma. As áreas para compensação devem ser equivalentes em extensão e localizadas no mesmo bioma.
Para imóveis rurais de até 4 módulos fiscais que possuíam remanescente de vegetação nativa em percentual inferior ao art. 12 em 22 de julho de 2008, a Reserva Legal será constituída com a vegetação nativa existente naquela data, sendo vedadas novas conversões. Proprietários que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando a legislação da época estão dispensados de recomposição, compensação ou regeneração.
O Novo Código Florestal introduziu e aprimorou mecanismos fundamentais para a gestão ambiental no Brasil, com destaque para o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro público eletrônico de âmbito nacional e obrigatório para todos os imóveis rurais. Criado no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA), sua finalidade é integrar informações ambientais das propriedades e posses rurais, formando uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e combate ao desmatamento.
A inscrição do imóvel no CAR é uma condição obrigatória para a adesão ao PRA e também para a concessão de crédito agrícola por instituições financeiras após 31 de dezembro de 2017 (prazo prorrogável). Entre as informações exigidas no CAR estão: identificação do proprietário ou possuidor, comprovação da propriedade ou posse, e identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, indicando a localização de remanescentes de vegetação nativa, APPs, Áreas de Uso Restrito e Reserva Legal.
Apesar dos avanços na área cadastrada (671 milhões de hectares até outubro de 2023), o CAR enfrenta desafios significativos. Um dos principais é o acesso dificultado para comunidades tradicionais e quilombolas, com um número muito baixo de cadastros nessas categorias. Isso resulta em invisibilidade para essas comunidades e em sobreposições de imóveis rurais privados em seus territórios, que podem ser usadas como instrumento de pressão territorial e para acessar políticas públicas. A análise e validação dos cadastros é outro gargalo, gerando incertezas e dificultando o acesso a benefícios e oportunidades nas etapas seguintes de regularização ambiental.
Os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) são instituídos pela União, Estados e Distrito Federal para adequar posses e propriedades rurais aos termos do Novo Código Florestal. A adesão ao PRA é uma etapa posterior e complementar à inscrição no CAR.
O PRA permite que o estado oriente e acompanhe os produtores rurais na elaboração e implementação de ações para a recomposição de passivos ambientais em suas propriedades ou posses rurais, seja em APP, RL ou UR.
Um benefício crucial da adesão ao PRA é a suspensão da punibilidade de crimes ambientais (como desmatamento irregular anterior a 22 de julho de 2008) enquanto o termo de compromisso estiver sendo cumprido. Cumpridas as obrigações, as multas podem ser convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
A implementação do PRA também enfrenta obstáculos. O prazo de adesão foi adiado, e agora depende da conclusão da análise do CAR e de posterior notificação do órgão ambiental. Muitos estados ainda carecem de regulamentação ou adesão de imóveis rurais aos seus PRAs, o que impede o avanço da regularização ambiental. Esse cenário de falta de implementação torna os ecossistemas mais vulneráveis a eventos extremos, como inundações.
Além das APPs e Reservas Legais, o Código Florestal define outros conceitos e estabelece exceções que são cruciais para a sua aplicação e entendimento.
A intervenção ou supressão de vegetação nativa em APP, geralmente proibida, é permitida em casos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. Essas definições são essenciais para conciliar a proteção ambiental com necessidades sociais e econômicas.
Inclui atividades de segurança nacional e proteção sanitária; obras de infraestrutura para concessões e serviços públicos (transporte, saneamento, energia, telecomunicações, mineração - exceto extração de areia/argila/saibro/cascalho); defesa civil; e atividades que comprovadamente melhorem as funções ambientais das APPs. A supressão em nascentes, dunas e restingas só pode ser autorizada por utilidade pública.
Abrange atividades imprescindíveis à proteção da vegetação nativa (prevenção e combate a incêndios, controle de erosão); exploração agroflorestal sustentável por pequena propriedade ou povos tradicionais; implantação de infraestrutura pública para esportes, lazer e educação ao ar livre em áreas urbanas/rurais consolidadas; regularização fundiária de assentamentos de baixa renda; instalações para captação e condução de água e efluentes tratados; e pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho.
São atividades que podem ser realizadas em APPs e RL sob certas condições. Para a agricultura familiar, muitas delas dependem apenas de declaração ao órgão ambiental competente, desde que o imóvel esteja no CAR. Exemplos incluem: abertura de pequenas vias de acesso, implantação de instalações para captação/condução de água, trilhas para ecoturismo, construção de rampa de lançamento de barcos, moradia para agricultores familiares e populações tradicionais, construção e manutenção de cercas, pesquisa científica, coleta de produtos não madeireiros para subsistência e plantio de espécies nativas produtoras de frutos/sementes.
O Novo Código Florestal prevê uma série de privilégios e regras diferenciadas para o agricultor familiar e os donos de pequenas propriedades ou posses rurais (até 4 módulos fiscais). Esses benefícios incluem:
Simplificação no CAR: exigência de documentos reduzida e croqui, além de apoio técnico e jurídico gratuito para o registro da Reserva Legal.
Cômputo de plantios na RL: permissão para computar plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais (exóticas) em sistema intercalar ou consórcio com espécies nativas para cumprir a Reserva Legal.
Manejo florestal simplificado: procedimentos simplificados de licenciamento ambiental para PMFS comercial.
Dispensa de autorização para manejo eventual: Manejo para consumo próprio de lenha ou madeira, limitado a 2 m³/hectare/ano e 15 m³ de lenha/ano, não necessita de autorização.
Desobrigação de reposição florestal: Se a matéria-prima florestal for para consumo próprio.
Incentivos financeiros: Prioridade em programas de apoio técnico e incentivos financeiros para diversas iniciativas de preservação e recuperação ambiental.
O Código de 2012 traz regulamentação específica para o uso ecologicamente sustentável de apicuns e salgados, ecossistemas costeiros sujeitos à ação das marés. Permite a utilização dessas áreas em atividades de carcinicultura (criação de camarões) e salinas, sob requisitos específicos, como limites de área ocupada (10% na Amazônia e 35% no restante do país), salvaguarda dos manguezais e licenciamento ambiental. Garante a regularização de atividades preexistentes a 22 de julho de 2008, desde que o empreendedor se comprometa a proteger os manguezais adjacentes.
Um ponto bastante polêmico do Novo Código Florestal é a anistia para desmatamentos ocorridos até 22 de julho de 2008. Proprietários rurais que desmataram ilegalmente antes dessa data são isentos de multas e da obrigação de recomposição, desde que assinem o PRA e regularizem sua situação conforme as novas regras. Essa medida gerou fortes críticas de ambientalistas, que a classificaram como um "retrocesso ambiental" e uma "anistia aos desmatadores".
Mesmo após mais de uma década de sua promulgação, o Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) continua sendo alvo de intensos debates e enfrentando desafios significativos em sua implementação. As controvérsias jurídicas persistem, e há tentativas contínuas de flexibilização da lei no Congresso Nacional.
Apesar do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, as controvérsias jurídicas não foram pacificadas. A subprocuradora-geral da República aposentada, Sandra Cureau, que questionou trechos da legislação no STF, considerou o resultado "pífio", com procedência parcial para apenas dois dispositivos. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido que o Novo Código Florestal não pode retroagir ("Tempus regit actum").
Novos impasses surgem à medida que os estados implementam suas leis, mantendo um ambiente de insegurança permanente que afeta a implementação da lei em todo o país. Exemplos de pontos pendentes incluem o conflito do Novo Código Florestal com a Lei da Mata Atlântica e a revisão de termos de compromisso firmados sob a vigência da lei anterior.
A professora Márcia Leuzinger destaca que o Novo Código já simbolizou um "enorme retrocesso" ao flexibilizar o uso e a gestão da RL e das APPs. Contudo, mesmo essa versão mais flexível ainda é descumprida, e atualmente existem diversos projetos de lei no Congresso buscando uma flexibilização ainda maior.
Exemplos de propostas de flexibilização em tramitação em 2024:
Projeto de Lei 2168/2021: Ataca as Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Projeto de Lei 364/2019: Coloca sob desproteção mais de 48 milhões de hectares de vegetação nativa e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Projeto de Lei 3334/2023: Propõe reduzir de 80% para 50% a área de Reserva Legal em municípios e estados da Amazônia Legal, aguardando votação na CCJ do Senado.
Essas tentativas de fragilização são preocupantes, especialmente em face dos eventos climáticos extremos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul. Quanto mais o Código Florestal estiver implementado, maior a capacidade do ecossistema de reagir positivamente a esses eventos.
Fazer com que o Novo Código Florestal seja, de fato, cumprido continua sendo o grande desafio. A falta de análise e validação dos cadastros no CAR, a insuficiência na regulamentação e implementação dos PRAs pelos estados, e as sobreposições de cadastros em territórios de comunidades tradicionais são grandes barreiras. Há uma necessidade urgente de maior esforço e capacidade operacional para conciliar produtividade com proteção ambiental, incentivando a intensificação produtiva em áreas já abertas e a recuperação de áreas degradadas, ao invés de pressionar por mais desmatamento.
O Código Florestal prevê programas de apoio e incentivo para a conservação e recuperação ambiental, reconhecendo o valor dos serviços ecossistêmicos.
O Poder Executivo federal está autorizado a instituir programas de apoio e incentivo à conservação ambiental e à adoção de tecnologias que conciliem produtividade e redução de impactos. Esses programas podem incluir:
Pagamento ou incentivo a serviços ambientais (PSA): Retribuição, monetária ou não, por atividades que gerem serviços como sequestro de carbono, conservação da biodiversidade e da água, regulação do clima e manutenção de APPs e RL. Esses pagamentos são prioritariamente destinados a agricultores familiares.
Compensação por medidas de conservação: Instrumentos como crédito agrícola com juros menores, seguro agrícola em melhores condições, dedução de APPs e RL da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), e linhas de financiamento para recuperação de áreas.
Incentivos para comercialização e inovação: Participação preferencial em programas de apoio à comercialização agrícola e destinação de recursos para pesquisa científica e tecnológica.
A Cota de Reserva Ambiental (CRA) é um título nominativo que representa uma área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação, que excede os percentuais de Reserva Legal exigidos. A CRA pode ser emitida em áreas sob regime de servidão ambiental, em RL excedente, em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) ou em propriedades rurais dentro de Unidades de Conservação públicas não desapropriadas.
Cada CRA corresponde a 1 hectare de área com vegetação nativa ou em recomposição. Ela pode ser transferida, onerosa ou gratuitamente, e utilizada para compensar Reserva Legal de outro imóvel rural, desde que esteja localizado no mesmo bioma. A responsabilidade pela manutenção das condições de conservação da vegetação nativa que deu origem à CRA é do proprietário do imóvel.
A efetivação da legislação ambiental depende de um conjunto de órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
O SISNAMA é a espinha dorsal da proteção e melhoria da qualidade ambiental no Brasil. Ele é composto por diversos órgãos em diferentes níveis hierárquicos:
Conselho do Governo: Assessora o presidente da república na elaboração de políticas públicas ambientais.
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA): Órgão consultivo e deliberativo, propõe diretrizes, normas e padrões para um meio ambiente equilibrado.
Ministério do Meio Ambiente (MMA): Responsável por promover e proteger a natureza, estimular o conhecimento, prezar pelo uso sustentável dos recursos e valorizar os serviços ambientais.
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA): Realiza a fiscalização, controle e estímulo dos recursos naturais.
Além disso, existem órgãos colegiados vinculados ao MMA, como o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, a Comissão de Gestão de Florestas Públicas, e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, responsável pela gestão da água no país. Órgãos vinculados, como o Instituto Chico Mendes (criação de Unidades de Conservação), o Serviço Florestal Brasileiro (gestão de florestas naturais) e a Agência Nacional das Águas (ANA) (gestão dos recursos hídricos), também desempenham papéis cruciais.
Apesar da legislação ambiental brasileira ser considerada uma das mais avançadas do mundo, o grande desafio reside em superar o distanciamento entre as normas estabelecidas e sua aplicabilidade real, além de corrigir os equívocos presentes na legislação atual. A participação de diversos setores da sociedade – incluindo geógrafos, biólogos, sociólogos, historiadores, antropólogos, pequenos produtores rurais e a sociedade civil – é imprescindível para mediar os conflitos socioambientais e garantir a eficácia da proteção ambiental.