
A história da política externa brasileira, especialmente no que tange aos Estados Unidos, é frequentemente descrita por um "efeito sanfona", alternando períodos de alinhamento automático e busca por autonomia.
Com a Proclamação da República em 1889, a política externa brasileira buscou um novo fôlego e uma reorientação estratégica. Se no Império a diplomacia brasileira olhava predominantemente para a Europa, o advento da República impulsionou um movimento de aproximação com os Estados Unidos.
1.1. Do Europeísmo Monárquico ao Americanismo Republicano: A proclamação da República marcou o nascimento de uma visão que tendia a se basear no princípio de solidariedade a partir da similaridade institucional. A corrente dominante bradava: "somos da América e queremos ser americanos". Acreditava-se que o regime republicano, como uma evolução do Novo Mundo, não deveria mais vincular o país à "Velha Europa". Era necessário repensar a inserção internacional do Brasil a partir do próprio continente, pressupondo uma fraternidade entre os países americanos.
1.2. O Reconhecimento e os Primeiros Acordos: É fundamental lembrar que os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil em 1824, o que já estabelecia uma relação de certa cordialidade, ainda que cautelosa e distante durante o Império. No entanto, é com a República que essa relação começa a se intensificar.
Convênio Aduaneiro de 1891: O governo dos EUA, percebendo a necessidade de expandir o "sistema americano" e diminuir a influência britânica na América Latina, aproveitou-se da ingenuidade republicana para marcar um terreno econômico e político importante no Brasil. Isso se materializou no Convênio Aduaneiro de 1891. Esse convênio previa um tratamento comercial diferenciado para produtos brasileiros e estadunidenses, especialmente café e trigo.
Apoio na Revolta da Armada (1893): Os Estados Unidos também utilizaram os acontecimentos da Revolta da Armada de 1893 para se mostrarem como protetores do novo regime republicano brasileiro, fornecendo auxílio militar.
Essa fase inicial é crucial para entender a base do americanismo que se desenvolveria.
Para compreender a intensificação das relações Brasil-EUA na Primeira República, é vital analisar o momento em que os Estados Unidos emergem como uma potência global. No crepúsculo do século XIX, os EUA já eram o principal país industrial e manufatureiro do mundo.
2.1. A Doutrina Monroe e seus Corolários: O desenvolvimento industrial norte-americano e suas consequências sociais reestruturaram os objetivos externos da nação, possibilitando a ascensão de figuras como o Presidente Theodore Roosevelt. Nesse bojo, a Doutrina Monroe foi reeditada em duas frentes:
Corolário Agressivo (Corolário Roosevelt): Visava determinar o destino de países do continente que infringissem as regras de segurança norte-americanas, baseadas na estabilidade política regional e na prevenção de ingerências europeias.
Frente Soft (Pan-americanismo): Utilizava a Doutrina Monroe como uma filosofia aglutinadora do pan-americanismo, buscando amenizar as descortesias das intervenções imperialistas. O pan-americanismo era uma proposta de união continental com forte cunho econômico, promovida pelos EUA no final do século XIX e apoiada pelo Brasil, mas que encontrava resistência em outros países latino-americanos por seu semblante imperialista.
Essa dualidade da Doutrina Monroe influenciaria diretamente a percepção e as ações de importantes diplomatas brasileiros.
A gestão de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, como Ministro das Relações Exteriores, é considerada o auge da aproximação entre Brasil e Estados Unidos. Rio Branco foi responsável por uma "política firme, sábia e flexível" que moldou a diplomacia brasileira por uma década.
3.1. A Criação da Embaixada em Washington (1905): Um Marco: Um dos atos mais emblemáticos da política externa de Rio Branco foi a criação da primeira embaixada brasileira em Washington em 1905. Isso simbolizou o relacionamento preferencial que o Barão projetava com os Estados Unidos, inserindo-se em um movimento nacional de aproximação que já vinha desde a Proclamação da República.
3.2. Objetivos e Estratégias de Rio Branco: Rio Branco via nos Estados Unidos um potencial parceiro estratégico. Ele utilizou a aproximação com os EUA como um trunfo para viabilizar os interesses nacionais primários do Brasil:
Garantia do Modelo Agroexportador: Os Estados Unidos eram os mais importantes compradores do café brasileiro, e o estreitamento das relações visava intensificar esse comércio.
Solução de Litígios Fronteiriços: O apoio estadunidense poderia ser estratégico em disputas com outros países.
Preponderância na América do Sul: Rio Branco buscava o alcance de uma posição de liderança regional para o Brasil.
Prestígio e Reconhecimento Mundial: A parceria com uma potência emergente como os EUA alavancaria a posição do Brasil no cenário internacional.
Rio Branco apoiou grande parte das pretensões dos Estados Unidos no continente, pois percebeu a utilidade de tê-los a favor, ou pelo menos não contra. Ele afirmava a incoerência de qualquer ação do corolário Roosevelt em interferir na soberania brasileira ao sul do continente, pois considerava o Brasil um país ordeiro e responsável. Contudo, ele nunca descartou as relações com os países sul-americanos e com a Europa.
3.3. A III Conferência Pan-Americana (1906): A visita do Secretário de Estado norte-americano Elihu Root ao Brasil para a III Conferência Pan-Americana em 1906, realizada no Rio de Janeiro, foi um momento-chave. O Brasil reconheceu os Estados Unidos como o centro do subsistema continental, e a condução impecável do evento por Rio Branco confirmou a tendência de aproximação entre os dois países.
A atuação de Joaquim Nabuco como primeiro embaixador do Brasil em Washington é um capítulo fundamental, muitas vezes obscurecido pela grandiosidade da figura de Rio Branco. No entanto, sua "história esquecida" é rica e essencial para entender a política externa da Primeira República.
4.1. A Escolha de Nabuco e Sua Adaptação: Rio Branco convidou Nabuco para o cargo, reconhecendo-o como um diplomata completo, intelectualmente (já adepto do monroísmo) e fisicamente, além de possuir grande prestígio nacional. Inicialmente, Nabuco relutou em aceitar, pois teria que deixar seu prestigiado posto em Londres e desconfiava que o ato tivesse apenas um caráter formal. Contudo, alegou obrigação patriótica e aceitou.
Após apresentar suas credenciais a Roosevelt em 24 de maio de 1905, Nabuco reavaliou seus receios, enxergando amplas possibilidades de ação nesse cargo inédito, em um país em ascensão mundial. Para ele, o dia 24 de maio de 1905 era tão grande para a ordem externa brasileira quanto o 13 de maio de 1888 (Lei Áurea) foi para a ordem interna.
4.2. A Reorientação Intelectual e o Dilema do "Mozombo": Nabuco, como membro da intelectualidade brasileira e membro fundador da Academia Brasileira de Letras, passou por uma reorientação de pensamento. Ele, que era um monarquista reformador e conhecido por seu europeísmo, viu-se em um momento crítico após o esgotamento da causa abolicionista e a queda da monarquia. Ele oscilava entre reformismo e conservadorismo, liberdade e ordem, nação e cidadania.
Influenciado pela crescente clareza das limitações que sentia em Londres, atuando como chefe de legação de um país inexpressivo em meio a conflitos interimperialistas, Nabuco construiu uma nova imagem dos EUA. Sua adesão ao governo republicano coincidiu com o processo de elaboração de seus pensamentos americanistas. Ele via nos EUA, especialmente com Roosevelt, um promotor de estabilidade e paz no plano mundial, e com Elihu Root, um viés pan-americano no plano continental.
4.3. A Adesão ao Monroísmo e a "Quase Aliança": A adesão de Nabuco ao monroísmo e ao pan-americanismo se cristalizou após o malogro do litígio anglo-brasileiro de 1904 (Questão do Pirara), que demonstrou a patente fragilidade do Brasil frente a adversários poderosos como a Inglaterra. Nabuco acreditava que, para proteger o Brasil do imperialismo territorial, era essencial garantir uma aliança com os Estados Unidos como estratégia de dissuasão.
Ele defendia que a Doutrina Monroe deveria ser seriamente aceita como "a fórmula exterior da independência do nosso continente, como a lei da nossa órbita internacional à parte da do Velho Mundo". Para Nabuco, ela representava um grande interesse nacional para o Brasil, especialmente em um período onde "as antigas ficções de direito iam perdendo terreno, e a força, justificada pelo progresso material que ela desenvolve por toda a parte, avança sempre". Ele enxergava a sobrevivência da nação na habilidade da política externa.
Nabuco concebia um sistema americano liderado pelos EUA, a nação mais evoluída e bem inserida na "high politic" internacional. Ele via o mundo multipolar com um bloco americano "inclinado para a paz" e um bloco europeu (e com África e Ásia) "inclinado para a guerra".
Sua visão era de um bilateralismo radical, desenhando uma "inevitabilidade" da relação Brasil-EUA. Ele afirmava que a aproximação entre os dois países era a "nossa única política externa possível" e que "sem ela valeria muito pouco o nosso isolamento". Ele temia que o monroísmo perdesse sua força, e que o Brasil não tivesse sua amizade com os EUA "bem cimentada".
4.4. Conflitos e Diferenças com Rio Branco: Embora ambos buscassem a aproximação com os EUA, Nabuco e Rio Branco tinham visões e táticas diferentes. Nabuco queria ver sua autonomia de ação garantida. Ele sentia que Rio Branco, após dar força à política de aproximação, não lhe dava a devida continuidade, deixando-o "apartado das diretrizes políticas".
Ações "Drásticas": Nabuco agia de forma a dar um tom mais drástico às ideias de Rio Branco, buscando que o meio internacional percebesse a relação como uma "quase aliança" ou "entente". Exemplos incluem o incidente da Panther em 1905 e os eventos da III Conferência Pan-Americana de 1906.
Crítica ao Monroísmo de Roosevelt: Embora monroísta, Nabuco era contra a prática imperialista de Roosevelt, que considerava o monroísmo "estreito" por justificar-se perante a Europa.
A Conferência de Haia (1907): Um "Choque de Realidade": Este evento expôs o equívoco da proposta de Nabuco. Os EUA entraram em conflito de interesses com a delegação brasileira (presidida por Rui Barbosa), abalando as relações bilaterais e mostrando que os EUA preferiam as grandes potências da época. Nabuco se deu conta de que nenhuma das partes estava preparada para fazer as concessões necessárias para o tipo de relacionamento que ele pretendia. Rio Branco, por sua vez, aplicou-se em diversificar a política externa, buscando aproximação com Argentina e Chile, sem, contudo, afrontar os EUA.
Apesar das críticas, as concepções de Nabuco não foram ingênuas. Ele atuou com base nos interesses nacionais brasileiros, buscando a proteção territorial e uma política externa ativa alinhada com a potência do continente, que via como o caminho mais adequado diante do imperialismo territorial agressivo da época.
Após a morte do Barão do Rio Branco em 1912, as relações Brasil-EUA continuaram a evoluir, com os Estados Unidos consolidando sua influência.
5.1. O Brasil na Primeira Guerra Mundial (1914-1918): O Brasil inicialmente manteve uma posição de neutralidade. No entanto, após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães (como o Paraná em 1917), o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e a Áustria-Hungria, e posteriormente declarou guerra. A participação brasileira na guerra, embora modesta em termos de combate, teve consequências positivas:
Assento com três delegados na Conferência de Paz de Paris, que deu origem ao Tratado de Versalhes.
Participação na criação da Sociedade das Nações (Liga das Nações), onde o Brasil foi eleito membro temporário de seu Conselho. No entanto, a impossibilidade de obter um assento permanente no Conselho, devido à oposição de potências europeias, levaria o Brasil a se retirar da Liga em 1926.
Recebimento de apoio tecnológico-militar da França e dos EUA.
Consolidação dos EUA como principal parceiro comercial do Brasil, tanto em importações quanto em investimentos, superando a Grã-Bretanha. Houve também a substituição da libra pelo dólar como padrão de paridade monetária brasileira.
5.2. As Questões Econômicas e Tarifárias: A Primeira República foi marcada pela consolidação de uma "diplomacia econômica nacional" focada no desenvolvimento econômico, industrialização e mobilização de recursos externos.
Interesses Cafeeiro: A política externa do período foi dominada pelos interesses do setor cafeeiro, com planos de "valorização" e empréstimos externos para manter estoques. A diplomacia foi mobilizada para promover o café brasileiro e negociar acordos comerciais favoráveis.
Protecionismo Tarifário: Houve uma transição de uma ordem econômica liberal para um sistema mais fechado e protecionista. A "Tarifa Murtinho" (1900), por exemplo, elevou os direitos de importação com objetivos fiscais, mas teve efeitos industrializantes involuntários.
Imigração: O período viu o auge da imigração europeia (italianos, portugueses, espanhóis), com esforços diplomáticos para atrair trabalhadores. No entanto, a política migratória de 1890 já restringia a entrada de africanos e asiáticos (apesar do acordo com o Japão para imigração) e, com o tempo, medidas restritivas foram adotadas, culminando no "fechamento" dos anos 1930.
A Era Vargas (1930-1945 e 1951-1954) representa um período de grandes transformações na política externa brasileira, com a relação com os Estados Unidos desempenhando um papel central.
6.1. O Primeiro Governo Vargas (1930-1945): A Equidistância Pragmática e a Aliança de Guerra: No período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, Vargas empregou a estratégia da "equidistância pragmática". Ele buscava negociar tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha, utilizando essa barganha para promover a industrialização do país e obter os melhores termos possíveis. A Alemanha, inclusive, tornou-se a principal origem das importações brasileiras entre 1936 e 1938.
No entanto, com o avanço da Segunda Guerra Mundial, o Brasil se alinhou progressivamente com os Estados Unidos. Osvaldo Aranha, então embaixador em Washington e posteriormente Ministro das Relações Exteriores, foi fundamental nesse processo, firmando acordos de cooperação em 1939 e encerrando o "jogo duplo".
Participação na Segunda Guerra Mundial: O Brasil foi considerado um aliado leal dos EUA, enviando a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar contra a Alemanha Nazista na Itália. Os EUA forneceram financiamento (programa "Lend-Lease"), uso de campos de pouso e bases navais. Para os EUA, o posicionamento do Brasil era crucial devido à sua posição estratégica e para consolidar sua influência na América do Sul. Esse período marcou o início da influência dominante norte-americana sobre as forças armadas brasileiras.
6.2. O Governo Dutra (1946-1950): O Alinhamento Automático: No imediato pós-guerra, sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, a política externa brasileira foi marcada pelo "alinhamento automático" com os Estados Unidos. Nesse contexto da Guerra Fria, com a Europa em ruínas e os EUA como a única potência hegemônica no Ocidente, o espaço de manobra do Brasil era estreito. O Brasil alinhou-se com o anticomunismo estadunidense, inclusive cortando relações diplomáticas com a URSS e não reconhecendo a República Popular da China.
6.3. O Segundo Governo Vargas (1951-1954): A Barganha Nacionalista e a Ruptura: Ao retornar ao poder em 1950, Vargas buscou uma política externa mais autonomista, utilizando a "barganha nacionalista". Ele procurava negociar o apoio político-estratégico do Brasil aos EUA em troca de ajuda ao desenvolvimento econômico brasileiro. No entanto, as condições dos anos 1950 não eram tão propícias a barganhas como na Segunda Guerra.
Guerra da Coreia: Vargas evitou o envio de tropas brasileiras para a Guerra da Coreia, apesar da solicitação de Washington, buscando desvincular as esferas de negociação. No entanto, o Acordo Militar de 1952 o comprometeu a fornecer minerais estratégicos aos EUA em troca de equipamentos e serviços militares para o Exército brasileiro.
Criação da Petrobras (1953): Um ponto central da campanha de Vargas foi a criação da Petrobras. A Lei 2004, aprovada em outubro de 1953, garantiu o monopólio estatal na pesquisa, lavra, refinamento e transporte de petróleo, indo além do projeto original de Vargas. Isso incidiu "fortemente negativo sobre as relações do país com Washington", que pressionava em favor das grandes companhias de petróleo.
Crise Política e Suicídio: A criação da Petrobras, medidas antipáticas ao capital estrangeiro (como a restrição de remessas de lucro para o exterior em 1952), e suspeitas de uma articulação política secreta com Perón para um Pacto ABC (uma alternativa ao alinhamento com os EUA), agravaram a crise política que culminaria no suicídio de Vargas em 1954.
6.4. O Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961): Industrialização e a Operação Pan-Americana: Juscelino Kubitschek manteve o alinhamento com os EUA, mas também com uma barganha mais nacionalista. Sua política externa focou no combate ao subdesenvolvimento, buscando aumentar as exportações e atrair capital estrangeiro.
Operação Pan-Americana (OPA): JK idealizou a OPA em conjunto com o presidente Eisenhower, buscando apoio financeiro dos EUA para o desenvolvimento econômico brasileiro. A OPA foi uma "ideia feliz, aceita por todo o hemisfério", mas carecia de projetos específicos para sua implementação efetiva.
Os primeiros anos da década de 1960, sob os governos de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964), foram marcados pela adoção da Política Externa Independente (PEI).
7.1. Princípios da PEI e o Abandono do Alinhamento Automático: A PEI buscava balizar as relações internacionais brasileiras pelos princípios de universalização, pragmatismo, defesa da paz, combate ao subdesenvolvimento e autodeterminação dos povos, almejando autonomia e maior participação na comunidade internacional. Em um contexto de Guerra Fria e pós-Revolução Cubana, essa escolha de abandonar o alinhamento automático aos EUA e manter comércio com qualquer país (inclusive URSS e países socialistas) não foi bem recebida por Washington.
7.2. A Crise de Cuba e a Oposição Brasileira: O Brasil, liderado por San Tiago Dantas, opôs-se fortemente à expulsão de Cuba da OEA em 1962, abstendo-se da votação juntamente com outros países latino-americanos. Essa postura demonstrou uma clara busca por independência em relação à política externa estadunidense.
7.3. O Envolvimento dos EUA no Golpe de 1964: Um Ponto Crítico: A postura autônoma da PEI, combinada com fatores internos, levou os Estados Unidos a apoiarem ativamente o Golpe Militar de 1964. Documentos desclassificados revelam que os EUA, por meio do embaixador Lincoln Gordon, forneceram secretamente armas e outros tipos de apoio aos militares golpistas, preparando a Operação Brother Sam (que previa o envio de navios-tanque, munição e uma força-tarefa naval). Gordon considerou o golpe "a única vitória mais decisiva para a liberdade na metade do século XX", e o Brasil foi visto como a "China dos anos 1960" a ser evitada.
O regime militar brasileiro implementou diversas fases de política externa, caracterizadas por uma complexa interação entre alinhamento e busca por autonomia, muitas vezes influenciadas por mudanças na conjuntura interna e internacional.
8.1. Governo Castelo Branco (1964-1967): A "Correção de Rumos" e o Alinhamento: A primeira fase, sob o comando do Marechal Humberto Castelo Branco, ficou conhecida como "correção de rumos". Houve um desmonte das bases da PEI e um retorno ao alinhamento com os Estados Unidos, pautado pelo ocidentalismo e pela noção de "segurança coletiva".
"Círculos Concêntricos": A política externa brasileira foi orientada pela teoria dos "círculos concêntricos", priorizando os interesses do Brasil que coincidiam com os da América Latina, do Continente Americano e da comunidade ocidental.
Influência da ESG: Esse grupo dirigente, ligado à Escola Superior de Guerra (ESG), tinha uma visão de mundo alinhada ao modelo norte-americano e ao combate ao comunismo. No entanto, Castelo Branco deixou claro que o Brasil não daria "adesão prévia" às atitudes das grandes potências e, por exemplo, recusou-se a participar da Guerra do Vietnã, diferenciando os interesses globais dos EUA dos interesses regionais brasileiros.
8.2. Governo Costa e Silva (1967-1969): A "Diplomacia da Prosperidade" e a Ótica Norte-Sul: Com Costa e Silva, a política externa brasileira buscou se distanciar dos confrontos Leste-Oeste, preferindo concentrar esforços nas divergências entre os Hemisférios Norte e Sul.
Desenvolvimento e Segurança Econômica: A "Diplomacia da Prosperidade" visava o desenvolvimento econômico e a segurança, buscando superar os desníveis entre os países desenvolvidos (Norte) e os do Terceiro Mundo (Sul). O Brasil passou a se alinhar ao Grupo dos 77.
8.3. Governo Médici (1969-1974): A "Diplomacia do Interesse Nacional" e a "Grande Potência": A gestão de Mário Gibson Barbosa, sob Médici, autodenominou-se "Diplomacia do Interesse Nacional". Essa política conjugava bilateralismo com multilateralismo terceiro-mundista, rejeitando alinhamentos automáticos e multilateralismo reivindicatório.
Projeção como "Grande Potência": O governo de Médici visava o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido, buscando a posição de uma "grande potência" até o final do século.
"Teoria do Cerco" e Intervenções: A agressividade anticomunista levou à "teoria do cerco", que justificava intervenções em países vizinhos com governos considerados hostis (como Uruguai, Bolívia e Chile, com o golpe de Pinochet em 1973).
Relações com os EUA: As relações com os EUA mantiveram-se "frias", e houve um início de desequilíbrio comercial a favor dos Estados Unidos.
8.4. Governo Geisel (1974-1979): A Consolidação do "Pragmatismo Responsável": A ascensão de Ernesto Geisel marcou a consolidação do "Pragmatismo Responsável". Essa fase resgatou princípios da PEI, intensificando a busca por autonomia.
Diversificação e Reconhecimentos: O Brasil reconheceu a independência de Angola e Moçambique (mesmo com governos marxistas), e estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China, em detrimento do regime de Formosa.
Discordâncias com os EUA: O Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha Ocidental em 1975, rejeitando a proposta norte-americana. Houve também críticas aos desrespeitos brasileiros aos direitos humanos por Jimmy Carter.
Oposição ao TNP: O Brasil manteve-se contrário à adesão ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), incentivando a qualificação tecnológica e a construção de uma indústria armamentista nacional.
Conflitos Regionais: Houve atritos com a Argentina na questão da construção da barragem de Itaipu.
8.5. Governo Figueiredo (1979-1985): Universalismo e Crise Econômica: O governo de João Figueiredo manteve as diretrizes do "Pragmatismo Responsável", ampliando o diálogo com países em desenvolvimento e adotando um Universalismo mais pronunciado.
Prioridade para América Latina: A região se tornou o foco principal das ações diplomáticas brasileiras.
Turbulência Interna e Externa: O Brasil enfrentava uma grave crise econômica, com alta inflação e dívida externa, o que tornava a política externa uma ferramenta para equilibrar a instabilidade interna.
Relações Conturbadas com os EUA: Apesar do pragmatismo externo, as relações políticas com os EUA foram "turbulentas".
Guerra das Malvinas (1982): O Brasil apoiou abertamente a soberania argentina, o que levou os EUA a ameaçarem sanções, como a retirada de créditos do Banco Mundial e o corte de importações de açúcar.
Lei de Informática (1984): O Brasil criou a Secretaria Especial de Informática (SEI) e sancionou a Política Nacional de Informática, que garantia o controle estatal sobre o setor de computadores, restringindo a participação estrangeira. Isso gerou fortes críticas e ameaças de retaliação dos EUA, que denunciaram o protecionismo brasileiro.
Propriedade Intelectual (Patentes Farmacêuticas): A ausência de proteção da propriedade intelectual de remédios no Brasil também foi uma grande fonte de atrito, com empresas dos EUA alegando prejuízos significativos.
Moratória da Dívida Externa (1987): No final do período, o Brasil decretou a moratória no pagamento da dívida externa, um ato com fortes implicações políticas e econômicas, que gerou mais atrito com os detentores do poder internacional, especialmente os EUA.
Pragmatismo Comercial: Apesar das tensões políticas e retaliações, o comércio bilateral entre Brasil e EUA continuou a crescer, e o Brasil apresentou superávits consideráveis a partir de 1981. Isso demonstra o pragmatismo da política externa brasileira, que priorizava os benefícios comerciais mesmo em meio a divergências políticas.
8.6. Governo Sarney (1985-1990): Continuidade do Pragmatismo e Redemocratização: O governo de José Sarney manteve as diretrizes básicas do governo Figueiredo, priorizando a estabilidade interna em um período de redemocratização.
"Diplomacia para Resultados": O chanceler Olavo Setúbal delineou uma política externa focada na retomada do crescimento e na redução da vulnerabilidade externa (financeira, tecnológica e comercial).
Direitos Humanos: Houve um enfoque nas questões de direitos humanos, com o Brasil aderindo ao Pacto de São José da Costa Rica e ratificando Pactos de Direitos Humanos da ONU.
Aproximação Regional e Multilateralismo: O Brasil buscou aproximação com a América Central (ex: Grupo de Contadora), reatou relações com Cuba, visitou a China, criou a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), e reingressou no Conselho de Segurança da ONU como membro não permanente.
Ao longo do Período Republicano, especialmente na Primeira República e nas décadas seguintes, a relação do Brasil com os Estados Unidos se move em um ciclo de aproximação e afastamento, refletindo uma busca constante pela melhor inserção no sistema internacional.
Alinhamento Automático: Caracteriza-se por uma forte identificação e subordinação aos interesses e à política externa dos EUA, como observado nos períodos iniciais da República, no pós-Segunda Guerra (Dutra) e no início da Ditadura Militar (Castelo Branco).
Autonomia: Representa a busca por maior independência nas decisões de política externa, priorizando os interesses nacionais em detrimento de alinhamentos ideológicos rígidos. A Política Externa Independente (PEI) na década de 1960 é o exemplo mais claro. A autonomia foi buscada de diferentes formas:
Autonomia pela Distância: Distanciamento das grandes potências (PEI).
Autonomia pela Diversificação: Ampliação das relações comerciais e diplomáticas com diversos atores globais, incluindo países do Terceiro Mundo e socialistas (governos militares pós-Castelo Branco).
Autonomia pela Barganha/Pragmatismo: Negociação com potências para obter vantagens (Vargas, Kubitschek, Figueiredo, Sarney).
Universalismo: O conceito de universalismo na política externa brasileira denota a ampliação das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com todas as regiões e países do mundo, independentemente de suas orientações ideológicas ou regimes políticos. Foi uma característica marcante da PEI e dos governos militares pós-Castelo Branco, especialmente de Geisel e Figueiredo. Esse movimento permitiu ao Brasil diversificar parceiros e diminuir a dependência de um único polo.
Pragmatismo: A essência da política externa brasileira em muitos momentos, especialmente a partir de Geisel, é o pragmatismo. Isso significa priorizar os interesses nacionais (especialmente o desenvolvimento econômico) e as oportunidades do sistema internacional, sem se prender a ideologias. Mesmo em momentos de grande tensão política com os EUA (como na década de 1980), o Brasil manteve e até ampliou o fluxo comercial com o país, demonstrando uma forte característica pragmática.
Para quem se prepara para concursos, a compreensão aprofundada de alguns pontos é crucial:
A Diplomacia do Barão do Rio Branco: Seus objetivos, estratégias e a importância da criação da embaixada em Washington.
A Atuação de Joaquim Nabuco: Sua evolução ideológica, adesão ao monroísmo, a defesa da "quase aliança" e os conflitos com Rio Branco, além do "choque de realidade" da Conferência de Haia.
O "Efeito Sanfona" e os Conceitos de Alinhamento e Autonomia: Entender como o Brasil oscilou entre essas posturas ao longo da história de suas relações com os EUA.
A Doutrina Monroe e o Pan-americanismo: Como essas ideias moldaram as relações hemisféricas e a resposta brasileira a elas.
As Fases da Era Vargas: A "equidistância pragmática", o alinhamento na Segunda Guerra Mundial e a "barganha nacionalista" do segundo governo Vargas, especialmente a criação da Petrobras.
A Política Externa Independente (PEI): Seus princípios de universalismo e autonomia e como ela culminou no Golpe de 1964 com o apoio dos EUA.
As Fases da Política Externa na Ditadura Militar: A "correção de rumos" (alinhamento), a "diplomacia da prosperidade" (Norte-Sul) e o "pragmatismo responsável" (diversificação, autonomia), além de eventos como a Lei de Informática e a Guerra das Malvinas.
A análise da política externa brasileira na Primeira República e nas décadas seguintes revela a profunda e complexa influência dos Estados Unidos. Desde o reconhecimento precoce da independência até as tensões comerciais e geopolíticas do século XX, a relação Brasil-EUA foi um espelho das ambições nacionais brasileiras e das dinâmicas do sistema internacional.
O Brasil, em sua busca por inserção e desenvolvimento, soube, em diferentes momentos, adaptar suas estratégias, passando de um alinhamento cauteloso a uma fervorosa aproximação, e, posteriormente, a uma busca por autonomia e universalismo que, paradoxalmente, muitas vezes coexistiu com uma forte interdependência comercial com a potência do norte. Entender essa dinâmica pendular é fundamental para compreender não apenas a história, mas também os desafios e as oportunidades da política externa brasileira contemporânea.
Questões:
Qual era um dos principais objetivos da política externa brasileira durante o período republicano em relação aos Estados Unidos?
A) Isolamento diplomático.
B) Aproximação e estreitamento de relações.
C) Conflitos territoriais.
D) Aliança militar.
Qual foi uma das iniciativas mais significativas para fortalecer os laços entre Brasil e Estados Unidos durante a República Velha?
A) O estabelecimento de um embargo comercial.
B) A realização de visitas de autoridades brasileiras aos EUA.
C) A assinatura de um tratado de guerra.
D) A imposição de sanções econômicas.
Por que parte da sociedade brasileira criticava a aproximação com os Estados Unidos durante esse período?
A) Por medo de que a influência cultural americana comprometesse a identidade nacional.
B) Por acreditar que os EUA poderiam facilitar a expansão territorial do Brasil.
C) Por considerar que a influência econômica dos EUA seria benéfica para o país.
D) Por acreditar que os EUA poderiam ajudar a resolver os conflitos internos brasileiros.
Gabarito:
B) Aproximação e estreitamento de relações.
B) A realização de visitas de autoridades brasileiras aos EUA.
A) Por medo de que a influência cultural americana comprometesse a identidade nacional.