Autores, Obras Essenciais e as Características que Caem no Enem e em Concursos
O Pré-Modernismo não é considerado uma escola ou estilo literário. É, na verdade, uma fase de transição na historiografia literária brasileira.
Período: Estende-se de 1902 a 1922.
Início (Marco Inicial): 1902, com a publicação de duas obras cruciais: Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Canaã, de Graça Aranha.
Fim (Marco Final): 1922, com a realização da Semana de Arte Moderna.
Por que é uma "Fase de Transição"? O período é marcado por uma mistura de aspectos tradicionais (herdados do Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo) e por elementos inovadores que apontam para o futuro Modernismo. Apresenta um sincretismo estético.
O Pré-Modernismo se desenvolveu durante a República Velha (1889-1930). Esse contexto é fundamental para entender as temáticas dos autores:
Domínio Oligárquico: Predominância da Política do Café com Leite (poder concentrado em Minas Gerais e São Paulo).
Problemas Sociais Expostos: O período reflete a desigualdade e a miséria de vastas regiões do país.
Conflitos e Revoltas: Ocorreram sérios problemas no Nordeste (seca) e grandes conflitos, como a Guerra de Canudos (1896-1897), que serviu de tema para Euclides da Cunha. Outras revoltas, como a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata, também faziam parte do cenário.
Urbanização e Periferia: O processo de industrialização e urbanização em São Paulo estava em curso. No Rio de Janeiro, havia o contraste entre a elite da belle époque e a pobreza das regiões periféricas e subúrbios.
As obras pré-modernistas tinham como objetivo principal trazer à tona o "Brasil real" na literatura. Elas se voltavam para a denúncia da realidade nacional e a recusa do passado literário idealizado (Romantismo e Parnasianismo).
É a principal característica para se entender o período:
Prosa (Narrativa): Apresenta traços neo-realistas e neo-naturalistas (objetividade e determinismo, como em Euclides da Cunha).
Poesia: Combina o rigor formal parnasiano (métrica e rimas, como em Augusto dos Anjos) com a temática mórbida e angustiante do Simbolismo, adicionando elementos científicos.
O nacionalismo do Pré-Modernismo é lúcido e objetivo, distanciando-se do ufanismo romântico.
Foco na Realidade: Interesse pela realidade brasileira, com ênfase no social e cultural. Os autores denunciam problemas do Brasil que estava "fora do eixo Rio-São Paulo".
O Brasil "Não-Oficial": Inserção de tipos humanos marginalizados ou desconhecidos pela elite literária da época: o sertanejo nordestino, o caipira (Jeca Tatu), o mulato e o funcionário público dos subúrbios.
Linguagem Coloquial: Busca por uma linguagem mais simples e despojada, aproximando-se da fala cotidiana, em contraste com a linguagem pomposa da época. Lima Barreto é o maior exemplo disso, usando o coloquialismo.
Ruptura com o Academicismo: Rompimento com os padrões e regras estéticas rígidas, especialmente as do Parnasianismo.
O Pré-Modernismo se destaca pela força das inclinações individuais, e não por um ideário coletivo. Os autores mais cobrados em exames são: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos.
Autor | Obra Principal (Ano) | Tema Central | Palavra-Chave |
Euclides da Cunha (1866-1909) | Os Sertões (1902) | Guerra de Canudos, Determinismo, Sertão. | A denúncia do sertanejo |
Lima Barreto (1881-1922) | Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) | Crítica social urbana, subúrbios, preconceito. | O retrato do subúrbio e a crítica social mordaz |
Monteiro Lobato (1882-1948) | Urupês (1918) | O caipira (Jeca Tatu), decadência do Vale do Paraíba. | O caipira e o atraso do campo |
Augusto dos Anjos (1884-1914) | Eu (1912) | Pessimismo, Cientificismo, Morte, Estética da Podridão. | Poesia única e científica |
Graça Aranha (1868-1931) | Canaã (1902) | Imigração alemã, conflito entre civilização e natureza. | Filosofia e Imigração |
Euclides da Cunha foi engenheiro, jornalista e literato. Sua obra Os Sertões, publicada em 1902, é um marco não apenas literário, mas também historiográfico.
Obra Principal: Os Sertões: Campanha de Canudos
Gênero: Ensaio antropológico, sociológico e cultural.
Origem: A obra nasceu das anotações que Euclides fez enquanto cobria a Guerra de Canudos (1896-1897) para o jornal Folha de São Paulo. Ele foi a campo junto com a quarta expedição militar.
Estrutura Tripartida (Muito cobrada em exames):
"A Terra": Descrição rigorosa e científica do ambiente do sertão (flora, fauna, clima, cartografia, aridez). Essa descrição detalhada está ligada à crença determinista do autor (o meio determina o homem).
"O Homem": Estudo da figura do sertanejo, que ele descreveu como uma "raça forte". O autor analisou aspectos físicos, culturais e a origem desse homem do interior, com o objetivo de preservar a imagem dessa "sub-raça sertaneja".
"A Luta": Narração dos combates de Canudos, focando na incompreensão da campanha militar e no desequilíbrio de forças (militares com armas de fogo versus sertanejos com pedras e facas).
Linguagem: Euclides utilizava uma linguagem rebuscada, barroca e erudita.
Significado: A obra foi fundamental para dar visibilidade ao povo do sertão, o "Brasil marginal" fora do eixo Rio-São Paulo. Euclides, que inicialmente via a revolta como monarquista, percebeu em campo que se tratava de uma questão muito mais profunda: o desconhecimento da realidade do sertanejo.
Afonso Henriques de Lima Barreto, mulato de família humilde, enfrentou grandes dificuldades (alcoolismo, internações em hospício). Sua escrita era movida por um espírito revolucionário e pela crença na função social da literatura.
Características Essenciais (Prioridade Alta para Concursos)
Denúncia Social: Sua obra está a serviço da sociedade, denunciando a hipocrisia do meio social, as irregularidades do governo, a corrupção das elites e o preconceito racial.
Foco no Subúrbio Carioca: Retrata a realidade urbana e periférica. Trouxe para a literatura o povo sofrido dos subúrbios, suas vidas sem horizontes. Ele "virou pelo avesso a imagem fútil da belle époque carioca".
Linguagem Coloquial (Exceção à Norma): Lima Barreto recusou-se a seguir as normas da estética literária vigente e a linguagem pomposa dos escritores da época. Utilizou uma linguagem despojada e coloquial, o que lhe rendeu muitas críticas, mas o aproximou das experimentações modernistas.
Obras de Destaque: Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) e, principalmente, Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915).
A Obra Mais Cobrada: Triste Fim de Policarpo Quaresma
O romance narra a trajetória do Major Policarpo Quaresma, um nacionalista ufanista e fanático que tenta, de forma utópica e isolada, transformar o Brasil.
Fases do Ufanismo Frustrado (Exame de Concursos):
I. Ufanismo Linguístico: Propõe a oficialização do tupi-guarani como língua nacional. É ridicularizado e acaba internado.
II. Ufanismo Agrícola: Compra o sítio Sossego e tenta reformar a agricultura com métodos científicos. Falha ao se deparar com pragas, desleixo governamental e as limitações da terra.
III. Ufanismo Político: Engaja-se nas tropas de Floriano Peixoto (em defesa da República). No entanto, ao denunciar a violência e a corrupção do governo, é preso e executado.
Conclusão: Policarpo Quaresma, o intelectual que conhecia o Brasil apenas pelos livros, acaba destruído pela realidade brutal e ineficácia da República, demonstrando o choque entre a ilusão e a realidade.
Monteiro Lobato (1882-1948) teve uma extensa obra, sendo o iniciador da literatura infantil no Brasil (Sítio do Picapau Amarelo). Contudo, sua relevância pré-modernista reside em sua prosa regionalista.
Obras de Destaque: Urupês (1918) e Cidades Mortas (1919).
O Personagem Central: Jeca Tatu, o caipira acomodado e miserável do interior paulista. Lobato utiliza essa figura para denunciar o atraso econômico e cultural de um Brasil agrário.
Evolução da Visão: Inicialmente, Lobato via o caipira com certa crítica (preguiçoso), mas depois passou a compreender que essa condição era resultado das péssimas condições de vida, saúde precária, desamparo social.
EXCEÇÃO E CONTRADIÇÃO (Muito cobrada em exames): Monteiro Lobato e a Crítica ao Modernismo
Apesar de ser um autor pré-modernista, com uma "face moderna" devido à sua visão crítica e nacionalismo objetivo, Monteiro Lobato é famoso por seu posicionamento antimodernista.
Artigo "Paranoia ou Mistificação?": Publicado em 1917, este artigo criticava duramente a exposição da pintora modernista Anita Malfatti. Lobato classificava a arte modernista como produto de "cérebros transtornados" ou fruto de "escolas rebeldes" e sadismo.
Impacto Histórico: O artigo é considerado o estopim que impulsionou os artistas (como Mário e Oswald de Andrade) a organizar a Semana de Arte Moderna de 1922.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914), natural da Paraíba, é a voz mais singular da literatura nacional da época. Ele é um caso crucial para entender as exceções do Pré-Modernismo.
Por que Augusto dos Anjos é uma exceção?
Sua obra poética, composta por apenas um livro, Eu (publicado em 1912), não se encaixa em nenhuma escola literária. Ele é classificado juntamente aos seus contemporâneos do Pré-Modernismo devido ao caráter sincrético e sua originalidade.
Características de sua Poesia (A Dualidade Estética)
A poesia de Augusto dos Anjos é uma combinação insólita, marcada por uma estética violenta, visceral, mórbida e angustiante.
Influência Científica (Naturalismo e Determinismo): Utiliza um vocabulário científico e biológico (termos "antipoéticos") misturado ao lirismo. Exemplo: O uso de termos como "carbono e amoníaco," "epigênesis," "célula caída," e "frialdade inorgânica".
Pessimismo e Angústia (Simbolismo/Filosofia): Sua poesia é imbuída de um puro pessimismo. Aborda a temática da morte e da podridão, a fatal finitude humana e a decomposição da matéria. Sua visão é influenciada pelo filósofo Arthur Schopenhauer (percebe a vida como um pêndulo entre sofrimento e tédio).
Estética da Podridão: O amor e o prazer são reduzidos a uma "luta orgânica das células," com a existência humana destinada a ser cadáver e alimentar os vermes decompositores.
Forma Rígida (Parnasianismo): Apesar da temática chocante, ele manteve a métrica rígida, utilizando frequentemente o soneto decassílabo.
A Recepção da Obra (O Repúdio e a Fama Póstuma)
A crítica de seu tempo repudiou veementemente seu único livro. Olavo Bilac, figura importante do Parnasianismo, chegou a dizer que o poeta "Fez bem em morrer, não se perde grande coisa".
Augusto dos Anjos obteve fama póstuma. A terceira edição de sua obra (rebatizada de Eu e outras poesias) vendeu milhares de exemplares em pouco tempo.
Além dos quatro grandes nomes, outros autores são importantes para entender a diversidade do período.
Graça Aranha (1868-1931): Além de Canaã (sobre a imigração alemã no Espírito Santo), Graça Aranha foi fundamental por ter proferido a conferência "A emoção estética na arte moderna" na Semana de Arte Moderna de 1922, simbolicamente avalizando o projeto moderno.
Simões Lopes Neto (1865-1916): Principal figura do regionalismo rio-grandense, deixou obras como Contos gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913). Seu narrador, Blau Nunes, resgata a memória da rude sociedade pastoril do Sul.
A Construção do Cânone (Tópico de Crítica Literária)
O Pré-Modernismo, como um período da historiografia literária, foi incorporado pela tradição literária posterior, muitas vezes a partir do "filtro moderno".
O período marcou uma "guerra estética" que definiu vencedores e vencidos, confrontando o cânone e a margem.
Gustavo Barroso (1888-1959): É um exemplo notório de exclusão. Apesar de ser um intelectual polígrafo (contos, romances, História, folclore) com enorme prestígio social e político (diretor do Museu Histórico Nacional), ele foi alijado (relegado) tanto da estética pré-moderna quanto da moderna. Sua exclusão se deu porque ele não se ajustou ao cânone orgânico ou ao elemento conflituante definido pelos modernistas e seus antecessores, ficando em um "entre-lugar".
Não. O Pré-Modernismo é um período de transição. Os autores não possuíam um ideário ou estilo estético coletivo, mas sim inclinações individuais, por vezes antagônicas.
Ele foi crucial por dois motivos principais:
Denúncia do Brasil Real: Trouxe para a literatura o "Brasil não-oficial", ignorado pela literatura anterior (o sertanejo, o caipira, o mulato).
Preparação para o Modernismo: Suas características (linguagem mais simples, nacionalismo crítico, ruptura com o academicismo) prepararam o terreno para a revolução estética que viria com a Semana de Arte Moderna em 1922.
Lobato é considerado um pré-modernista devido à sua crítica social e nacionalismo lúcido. No entanto, ele foi um grande crítico e adversário do Modernismo nascente. Seu artigo Paranoia ou Mistificação? (1917) criticando Anita Malfatti foi o estopim para a organização da Semana de Arte Moderna.
Enquanto o Simbolismo foca no misticismo, no subjetivismo e na sugestão (sendo uma de suas influências), Augusto dos Anjos se destaca pelo uso do cientificismo e do vocabulário "antipoético" (carbono, amoníaco, verme). Seu pessimismo e a obsessão pela decomposição da matéria ("estética da podridão") o tornam único.
O nacionalismo romântico era ufanista e idealizado, focando na beleza da natureza e no heroísmo mítico. O nacionalismo pré-modernista é crítico, lúcido e objetivo, expondo a miséria, o abandono social e os problemas do país real (como visto em Os Sertões e Triste Fim de Policarpo Quaresma). Policarpo Quaresma, inclusive, é a própria caricatura do ufanismo ingênuo que é destruído pela realidade.
O Pré-Modernismo, ao expor o choque entre o Brasil da elite "civilizada" e o Brasil marginal do interior, cumpriu sua função de ser a ponte para a modernização cultural.
Apesar das diferenças entre os autores (desde a linguagem rebuscada de Euclides da Cunha até a coloquial de Lima Barreto), a coesão do período reside na sua capacidade de serem produtores de cultura que liam criticamente o seu tempo. O caminho da ruptura foi trilhado por autores como Lima Barreto, que defendeu a literatura como meio de "ligar a humanidade" e conscientizar sobre a "infinita dor de serem homens". Esta postura ética e estética, juntamente com as inovações formais de Augusto dos Anjos, preparou a literatura brasileira para sua fase mais transformadora.