
O Primeiro Reinado (1822-1831) marcou os primeiros nove anos da história do Brasil como nação independente sob o governo de Dom Pedro I. Este período foi caracterizado por intensas disputas políticas, tensões sociais e conflitos que moldaram a construção do Estado nacional brasileiro. A independência, embora proclamada por Dom Pedro I, não foi um processo pacífico e consensual, envolvendo resistências armadas e a mobilização de diversos atores sociais, inclusive povos indígenas que reivindicavam cidadania.
Para compreender as rebeliões e revoltas que eclodiram durante este período, é fundamental analisar os fatores que geraram grande instabilidade e impopularidade para o imperador.
Um dos pilares do Primeiro Reinado foi a Constituição de 1824, que não foi elaborada por uma assembleia constituinte livremente eleita, mas sim outorgada (imposta) por Dom Pedro I em 25 de março de 1824.
Inspiração e Características: A Carta Imperial de 1824 foi inspirada no constitucionalismo inglês. Ela estabeleceu um governo monárquico hereditário, constitucional e representativo, dividindo o país em províncias. A religião Católica Apostólica Romana foi mantida como a religião oficial do Império, embora outras religiões fossem permitidas em culto doméstico ou particular.
Os Quatro Poderes: Uma das inovações e pontos mais controversos da Constituição de 1824 foi a criação de quatro poderes políticos: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Essa estrutura política era baseada nas teorias da separação dos poderes, mas com uma peculiaridade brasileira.
O Poder Moderador: A "Chave" do Sistema: Este poder era privativo do Imperador, concebido como a "chave de toda a organização política". Sua função principal era zelar pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos outros poderes.
Atribuições do Poder Moderador: O Imperador exercia o Poder Moderador por meio de diversas atribuições, o que na prática lhe concedia supremacia sobre os demais poderes. Entre elas, destacam-se:
Nomeação de Senadores (em lista tríplice).
Convocação extraordinária da Assembleia Geral.
Sanção (aprovação) de decretos e resoluções para que tivessem força de lei.
Prorrogação, adiamento da Assembleia Geral e dissolução da Câmara dos Deputados (em casos de "salvação do Estado", convocando outra imediatamente).
Nomeação e demissão livre dos ministros de Estado.
Suspensão de magistrados.
Perdão e moderação de penas, e concessão de anistia.
Impacto da Centralização: A Carta de 1824 estabeleceu um rigoroso centralismo político e administrativo, onde, a rigor, não havia poder local. Os presidentes de província eram nomeados diretamente pelo Imperador, podendo ser removidos a seu critério.
Ponto Chave para Concursos (Exceção/Dúvida Comum): Embora a Constituição previsse um Estado unitário e centralizado, a prática constitucional mostra que as Câmaras Municipais e os Conselhos Gerais de Província (depois Assembleias Legislativas Provinciais) exerciam algum grau de negociação e autonomia local, contrariando a ideia de um controle absoluto do centro desde o início do Império. A coleção "Constituições Brasileiras" aponta que o conhecimento da trajetória constitucional é indispensável para o cidadão exercer seu direito de influenciar seus representantes.
Apesar da outorga da Constituição, o Primeiro Reinado foi marcado por um clima de crescente insatisfação, impulsionado por uma série de fatores:
Autoritarismo de Dom Pedro I e a Dissolução da Constituinte (1823):
A Assembleia Constituinte, eleita em 1823 para redigir a primeira constituição, foi dissolvida pelo Imperador em novembro do mesmo ano devido a fortes divergências sobre a distribuição do poder.
Dom Pedro I desejava um poder pessoal superior aos Poderes Legislativo e Judiciário. Ele expressou seu desejo por uma Constituição "digna do Brasil e de mim".
O projeto de Constituição de 1823 (conhecido como "Constituição da Mandioca") buscava limitar os poderes do Imperador e excluía os portugueses da vida pública, refletindo um caráter anticolonialista e elitista.
A dissolução da Constituinte em 12 de novembro de 1823, conhecida como a "Noite da Agonia", resultou na prisão e deportação de importantes figuras como José Bonifácio e seus irmãos, expondo o viés autoritário do monarca. Essa ação foi um "ato de força" que "colocou sob suspeita o Monarca".
A Crise Econômica do Império:
O período foi de grandes gastos com guerras e o reconhecimento da independência, levando a um aumento da dívida pública, especialmente com banqueiros como Rothschild.
As exportações brasileiras eram limitadas, e a economia açucareira estava em crise, com a queda do preço do açúcar e do ouro.
As importações superavam as exportações, gerando déficits.
A falência do primeiro Banco do Brasil em 1829 e a desenfreada emissão de papel-moeda para sanar os déficits da Guerra da Cisplatina geraram inflação e diminuíram o poder aquisitivo das camadas mais pobres da população. As reservas monetárias haviam sido levadas para Portugal com a volta de D. João VI.
A figura de D. Pedro I tornou-se associada a altos custos, sendo chamado de "caríssimo".
A Questão da Sucessão do Trono Português (1826):
Após a morte de D. João VI em 1826, D. Pedro I, como seu herdeiro legítimo, abdicou do trono português em favor de sua filha Maria II.
No entanto, seu irmão, D. Miguel I, usurpou o trono, o que levou D. Pedro I a se envolver crescentemente nos assuntos portugueses.
Para os brasileiros, essa ligação com a antiga metrópole era inaceitável, pois D. Pedro, ao proclamar a Independência, deveria ter renunciado à herança lusitana. Esse "sentimento de que Dom Pedro I era português" alimentou a oposição.
Antilusitanismo e Xenofobia:
Uma crescente tensão entre brasileiros e portugueses era evidente. Dom Pedro I buscava apoio nos setores portugueses da burocracia civil-militar e do comércio, o que gerava conflitos.
O Assassinato de Líbero Badaró (1830):
O jornalista Líbero Badaró, crítico do autoritarismo de D. Pedro I, foi assassinado em São Paulo em 1830. A falta de investigação e a suspeita de envolvimento de policiais ligados ao império fizeram com que Dom Pedro fosse responsabilizado pela morte, intensificando os protestos e a impopularidade.
A Imprensa como Lócus de Disputa Política:
A liberdade de imprensa concedida por D. Pedro I em 1829 abriu espaço para a radicalização da opinião pública contra ele.
Jornais liberais, como o Republico, editado por Borges da Fonseca, tornaram-se o principal canal de comunicação para a oposição, divulgando críticas ao governo e denunciando abusos de poder. Borges da Fonseca, uma figura multifacetada e com um perfil ideológico complexo, teve atuação destacada, não se restringindo a artigos, mas chefiando grupos de protesto e buscando apoio nos quartéis.
O Republico defendia a "defesa do nacional contra o despotismo dos portugueses" e a "monarquia federativa" para reduzir a influência de grupos corruptos. Ele polarizou as disputas em "portugueses" (favoráveis ao despotismo e recolonização) contra "brasileiros" (defensores da liberdade e interesses nacionais).
As tensões acumuladas manifestaram-se em diversas revoltas, sendo as mais notórias:
A Confederação do Equador (1824):
Localização: Nordeste brasileiro, abrangendo Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Sergipe.
Natureza: Movimento revolucionário de caráter emancipacionista, autonomista e republicano. Representou a mais forte reação ao autoritarismo de Dom Pedro I, ao fechamento da Constituinte de 1823 e à outorga da Constituição de 1824.
Causas Específicas: Além do centralismo político de D. Pedro I, foi impulsionada pela queda nos preços do açúcar, tabaco e algodão, a propagação de ideias liberais/iluministas, a característica rebelde de Pernambuco, a insatisfação de camadas pobres e da elite, e a decadência das províncias do Norte.
Propostas: Proclamação de uma República e Federalismo (autonomia provincial). Adotaram provisoriamente a Constituição Colombiana.
Líderes: Destacaram-se Frei Caneca, Cipriano Barata e Paes de Andrade.
Repressão: O movimento foi violentamente reprimido pelas tropas imperiais, que contaram com o apoio de mercenários como Lord Cochrane. A repressão custou caro e contribuiu para a dívida do Império.
Consequência Notória: A execução de Frei Caneca tornou-se um símbolo da repressão imperial.
Ponto Relevante para Concursos: É crucial entender que, embora visasse a república, a Confederação do Equador também era uma forte manifestação federalista e autonomista, rejeitando o centralismo imposto pela Constituição de 1824.
A Guerra da Cisplatina (1825-1828):
Natureza: Conflito externo travado entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata (que hoje correspondem à Argentina e Uruguai). Foi a primeira guerra do Brasil como Estado nacional soberano e reconhecido internacionalmente.
Motivo: Disputa de longa data pelo território da Banda Oriental (atual Uruguai), que havia sido incorporada ao Império do Brasil em 1824 como Província Cisplatina, algo que Buenos Aires nunca reconheceu.
Mercenários e Descontentamento Militar: Para suprir a falta de contingente, o governo imperial recrutou estrangeiros, como alemães e irlandeses, para servirem como soldados. Em 1827, imigrantes irlandeses, que alegavam terem sido contratados como colonos, recusaram-se a servir como mercenários, levando a conflitos e revoltas internas nas tropas, que já sofriam com baixas remunerações e lentidão nas promoções.
Desfecho e Impacto Interno: A guerra terminou sem vencedores claros, com a mediação do Reino Unido (interessado na paz para seus negócios comerciais na região). O resultado mais significativo foi a criação da República Oriental do Uruguai como um novo corpo político independente.
Consequências para o Brasil: A derrota e a perda da Província Cisplatina desgastaram politicamente e militarmente o governo de D. Pedro I. Os altos gastos da guerra agravaram a já delicada situação econômica, contribuindo para a impopularidade do Imperador.
Ponto Relevante para Concursos: A Guerra da Cisplatina, embora um conflito externo, teve profundas repercussões internas, sendo um fator decisivo para a queda de D. Pedro I devido ao seu custo econômico e ao desgaste de sua imagem.
A Noite das Garrafadas (13 de março de 1831):
Natureza: Episódio de grande violência que antecedeu imediatamente a abdicação de D. Pedro I.
Contexto: O Imperador havia viajado para Minas Gerais em uma tentativa de conter agitações federalistas, mas foi mal recebido e enfrentou uma crescente oposição. Boatos sobre um golpe absolutista para dissolver o Congresso se espalharam.
O Conflito: Ao retornar ao Rio de Janeiro em 11 de março de 1831, D. Pedro I foi recebido com hostilidade. Comerciantes portugueses, seus apoiadores, organizaram uma festa para celebrar seu retorno, o que foi interpretado pelos liberais brasileiros como uma ofensa à dignidade nacional. Isso desencadeou um confronto entre brasileiros (liberais e nativistas) e portugueses (partidários de D. Pedro I), com objetos (garrafas) sendo atirados.
Escalada e Impacto: A briga durou três dias. Jovens oficiais brasileiros foram presos, agravando as tensões. Esses oficiais foram posteriormente libertados por Francisco de Lima e Silva.
Ponto Chave para Concursos (Interpretação da Imprensa): O periódico Republico, de Borges da Fonseca, foi fundamental ao transformar os conflitos localizados e o antilusitanismo em uma "bandeira de luta nacional", unindo setores heterogêneos da sociedade e do exército contra o governo de D. Pedro I. Essa polarização ("portugueses" versus "brasileiros") radicalizou a oposição.
A abdicação de D. Pedro I foi o clímax de todas as crises e conflitos que marcaram o Primeiro Reinado.
Pressão Crescente: Pressionado pela perda de apoio das elites políticas, militares e econômicas, e diante de uma impopularidade crescente, D. Pedro I tentou, sem sucesso, conciliar seu governo nomeando um ministério com liberais.
Reação Final: A oposição não cedeu, e a nomeação de um novo ministério com portugueses de tendências absolutistas provocou a reação implacável da população e dos soldados brasileiros aquartelados. O palácio imperial foi cercado pela população.
O Papel dos Militares: Uma parcela considerável do exército deixou de apoiar D. Pedro I, um fato crucial para a abdicação. A ligação de Borges da Fonseca com os militares, que incluía a denúncia de abusos de autoridade e a defesa de seus direitos, foi decisiva para a adesão das tropas aos liberais exaltados.
O Ato da Abdicação: Para evitar uma guerra civil, Dom Pedro I renunciou ao trono brasileiro em 7 de abril de 1831, deixando o país nas mãos de seu filho de apenas cinco anos, Pedro de Alcântara, e nomeando José Bonifácio de Andrada e Silva como tutor.
O "Fim" do Autoritarismo: A abdicação foi celebrada como a "vitória do partido brasileiro". No entanto, a aliança entre liberais e militares foi passageira. Logo após a abdicação, o discurso "radical" dos liberais se moderou, e os militares, sentindo-se enganados, romperam o pacto, levando a novas sedições e à criação da Guarda Nacional para reforçar o poder civil e pacificar o país. Parte do exército foi licenciada ou transferida, o que gerou ressentimento.
A abdicação de D. Pedro I marcou o fim do Primeiro Reinado e o início do Período Regencial (1831-1840). Esse período, governado por regentes devido à menoridade de D. Pedro II, foi igualmente marcado por intensas agitações sociais e políticas, incluindo diversas rebeliões regionais, como a Revolução Farroupilha, a Sabinada e a Balaiada. Embora essas não pertençam diretamente ao Primeiro Reinado, são consequências diretas da instabilidade e dos projetos políticos que se chocaram na fase anterior, e frequentemente aparecem interligadas em concursos.
Revolução Farroupilha (1835-1845): No Rio Grande do Sul, foi um movimento republicano e federalista, com queixas sobre a alta taxação do charque e do couro.
Sabinada (1837-1838): Na Bahia, visava implantar uma república e resistiu ao exército governista.
Balaiada (1838-1841): No Maranhão, Piauí e Ceará, começou como uma reivindicação política e cresceu para uma insurreição de amplas proporções.
Revolução Praieira (1848-1849): Em Pernambuco, embora já no Segundo Reinado, foi uma projeção das revoluções populares europeias e evoluiu para um choque de classes, exigindo voto livre, liberdade de imprensa e trabalho para todos.
O Primeiro Reinado não foi apenas uma etapa de consolidação da independência, mas um momento de redefinições profundas sobre a cidadania, a centralização do poder e os rumos do novo Estado imperial, com disputas constantes entre projetos concorrentes de nação. A compreensão desses conflitos é essencial para analisar a complexa formação do Brasil Império.
Questões:
Qual das seguintes revoltas ocorreu na região nordeste do Brasil e defendia a autonomia das províncias e a instauração de uma república democrática?
a) Revolta dos Malês.
b) Confederação do Equador.
c) Revolta dos Farrapos.
d) Cabanagem.
Qual foi o objetivo dos revoltosos na Revolta dos Malês, que ocorreu em Salvador, na Bahia?
a) Questionar o monopólio comercial exercido pelos portugueses.
b) Instaurar uma república democrática no Brasil.
c) Criar um estado islâmico na região.
d) Combater a dominação política exercida pelas elites locais.
Quem liderou a Revolta dos Farrapos, movimento que ocorreu no Rio Grande do Sul e questionava o poder central do Império?
a) Frei Caneca e Cipriano Barata.
b) Félix Malcher e Eduardo Angelim.
c) Bento Gonçalves e Giuseppe Garibaldi.
d) José Bonifácio de Andrada e Silva.
Gabarito:
b) Confederação do Equador.
c) Criar um estado islâmico na região.
c) Bento Gonçalves e Giuseppe Garibaldi.