A prisão em flagrante delito é um dos institutos mais complexos e frequentemente debatidos no direito processual penal brasileiro, sendo um tema de grande relevância tanto para estudantes quanto para profissionais da área e para a sociedade em geral. Compreender suas nuances, modalidades, procedimentos e os direitos do preso é fundamental para assegurar a justiça e o devido processo legal.
A prisão em flagrante é uma forma de privação imediata da liberdade de uma pessoa que é pega cometendo um crime ou logo após tê-lo cometido. É uma medida que não exige prévia ordem judicial, caracterizando-se pela clareza da autoria e materialidade do delito no momento da sua ocorrência ou em situações muito próximas a ela. Na democracia, a liberdade é a regra, e ser privado dela só é permitido quando a lei autoriza expressamente. A prisão em flagrante é, portanto, uma exceção a essa regra.
No Brasil, a prisão em flagrante é regulamentada principalmente pelo Código de Processo Penal (CPP), a partir do artigo 301, e encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, que garante a liberdade como regra e estabelece as condições para sua restrição.
O Art. 301 do CPP dispõe que "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".
Já o Art. 302 do CPP detalha as situações em que alguém é considerado em flagrante delito, que serão exploradas nas modalidades a seguir:
Está cometendo a infração penal.
Acaba de cometê-la.
É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração.
É encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
A doutrina e a legislação brasileira classificam o flagrante em diferentes modalidades, cada uma com suas particularidades.
Ocorre quando a pessoa é presa no exato momento em que está cometendo a infração penal (inciso I do art. 302 do CPP) ou logo após tê-la cometido (inciso II do art. 302 do CPP). É a forma mais nítida e intuitiva de flagrante. Exemplo: Um indivíduo é pego com as mãos na massa, furtando produtos de uma loja.
Caracteriza-se pela perseguição imediata do autor logo após a prática do crime. Ou seja, a pessoa acaba de cometer o crime e é perseguida pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em uma situação que faça presumir ser o autor da infração (inciso III do art. 302 do CPP). Exemplo: Um assaltante foge após cometer um roubo e é imediatamente perseguido pela polícia ou por uma testemunha até ser capturado algumas quadras depois.
Acontece quando o autor do crime é encontrado logo depois do delito com instrumentos, armas, objetos ou papéis que o liguem de forma contundente à infração penal. A lei presume que ele é o autor do crime (inciso IV do art. 302 do CPP). Exemplo: Uma pessoa é encontrada com a carteira de uma vítima e o objeto perfurocortante usado no crime momentos após um roubo.
Além das modalidades previstas expressamente no CPP, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram outras classificações, algumas válidas e outras consideradas ilegais.
É uma situação de falso flagrante, onde o crime não existiu na realidade, mas foi "criado" pela polícia ou por terceiros para incriminar alguém. Um exemplo é quando alguém planta drogas nas posses de outrem sem seu conhecimento para depois efetuar a prisão por tráfico. No Brasil, este tipo de flagrante é ilegal.
Ocorre quando o agente policial ou terceiro induz ou instiga o indivíduo a praticar o crime para, então, efetuar a prisão. A jurisprudência brasileira, consolidada na Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. Portanto, este flagrante é inválido. Antes da Súmula 145/STF: Havia discussões sobre a validade, mas a Súmula pacificou o entendimento de que a impossibilidade da consumação afasta o crime.
Diferentemente do flagrante preparado, no flagrante esperado, a polícia já tem conhecimento de que um crime será praticado e simplesmente aguarda o momento da execução para intervir e efetuar a prisão. A atuação policial não induz, mas sim monitora e espera a ocorrência do crime. Esta é uma hipótese válida de flagrante. Exemplo: A polícia recebe uma denúncia anônima sobre um roubo que ocorrerá em determinado local e horário, posicionando-se para prender os criminosos no ato.
Consiste no adiamento da prisão em flagrante para um momento posterior, com o objetivo de obter mais informações sobre a organização criminosa, identificar outros envolvidos ou evitar maiores danos. Esta modalidade é comumente utilizada em investigações complexas, como tráfico de drogas e organização criminosa. A ausência de autorização judicial prévia para o flagrante retardado não o torna ilegal, pois o instituto visa proteger o trabalho investigativo.
Previsto no Art. 303 do CPP, define que nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Crimes permanentes são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo por vontade do agente (ex: sequestro, cárcere privado, ocultação de cadáver, tráfico de drogas na modalidade "ter em depósito").
Importância para Concursos e Atualizações (2025): A aplicação do flagrante em crimes permanentes ganhou destaque com o Inquérito 4.781 do Supremo Tribunal Federal, que tratou da prisão do Deputado Daniel Silveira por crimes cibernéticos. O STF, na ocasião, fundamentou a prisão em flagrante na interpretação de que, enquanto o conteúdo criminoso publicado em mídias sociais estivesse disponível por vontade do agente, a situação de flagrância permanecia, classificando o crime como permanente. No entanto, esta interpretação é discutida, pois pode alterar a natureza de certos crimes de instantânea para permanente, o que exige uma legislação técnica para regulamentar a aplicação e preservar as garantias penais.
Para crimes como tráfico de drogas (Art. 33 da Lei 11.343/2006), que são de ação múltipla e natureza permanente (ex: "ter em depósito", "guardar", "transportar"), a prática criminosa se consuma mesmo antes da atuação provocadora da polícia, afastando a tese de flagrante preparado.
A legislação brasileira é clara quanto a quem pode realizar uma prisão em flagrante:
Qualquer pessoa do povo (Facultativo): Um cidadão comum que presencia um crime pode prender o infrator em flagrante. No entanto, o cidadão deve acionar a polícia o mais rápido possível e não pode usar de violência ou fazer "justiça com as próprias mãos".
Autoridades policiais e seus agentes (Obrigatório): Policiais têm o dever legal de prender em flagrante quando o crime ocorre em sua presença.
Após a efetivação da prisão em flagrante, inicia-se um rito processual específico, previsto nos artigos 301 a 310 do CPP.
A pessoa detida deve ser levada imediatamente à autoridade policial competente, que procederá à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF). Este documento formaliza a prisão, descrevendo as circunstâncias do crime, a autoria, e colhe os depoimentos do condutor (quem efetuou a prisão), das testemunhas e o interrogatório do acusado.
Detalhes Relevantes:
A falta de testemunhas da infração não impede o auto, mas duas pessoas que testemunharam a apresentação do preso devem assiná-lo junto com o condutor.
Caso o acusado se recuse a assinar, não souber ou não puder, o auto será assinado por duas testemunhas que ouviram a leitura na presença dele.
Desde 2016 (Lei nº 13.257), deve constar no APF informações sobre a existência de filhos do preso, suas idades, se possuem deficiência e o nome e contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos.
Em casos de tráfico de drogas, para a lavratura do APF, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, sendo desnecessário o laudo toxicológico definitivo neste momento.
A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
Prazo crucial: Em até 24 horas após a prisão, o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado ao juiz competente e, se o autuado não informar o nome de seu advogado, uma cópia integral deve ser enviada à Defensoria Pública.
Nota de Culpa: No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.
As audiências de custódia, lançadas em 2015, representam um avanço significativo no sistema penal brasileiro e são essenciais para a garantia de direitos. A obrigatoriedade da sua realização foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADI 5240 e ADPF 347), e sua realização em até 24 horas após a prisão é um requisito legal (Art. 310 do CPP e Resolução nº 213/2015 do CNJ).
Finalidade: Na audiência de custódia, o preso é rapidamente apresentado a um juiz, na presença do Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso. O juiz analisa a prisão sob diversos aspectos:
Legalidade e Regularidade do Flagrante.
Necessidade e Adequação da Continuidade da Prisão.
Possibilidade de aplicar medidas cautelares alternativas à prisão.
Eventual concessão de liberdade (com ou sem imposição de outras medidas cautelares).
Verificação de ocorrências de tortura ou maus-tratos ou outras irregularidades.
Impacto: Desde fevereiro de 2015, mais de 758 mil audiências de custódia foram realizadas no país, com o envolvimento de pelo menos 3 mil magistrados. Isso contribuiu para uma redução de 10% na taxa de presos provisórios. Durante a pandemia de Covid-19, o judiciário se adaptou para garantir a realização das audiências, incluindo a aprovação de normativa para a realização por videoconferência.
A qualificação, consolidação e expansão das audiências de custódia é um dos focos do programa "Fazendo Justiça", uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, desde janeiro de 2019.
Após a análise na audiência de custódia, o juiz deve, de forma fundamentada, tomar uma das seguintes decisões, conforme o Art. 310 do CPP:
Se o juiz verificar que a prisão em flagrante foi ilegal (ex: ausência de crime, flagrante indevido, violação de domicílio sem mandado, provas ilícitas, ou desrespeito a direitos do preso), ele deve relaxá-la imediatamente, concedendo a liberdade ao preso. A não realização da audiência de custódia sem motivação idônea no prazo de 24 horas pode ensejar a ilegalidade da prisão e seu relaxamento.
Se a prisão for legal, mas o juiz entender que não há necessidade de manter o réu preso, ele pode conceder a liberdade provisória. Isso pode ocorrer com ou sem fiança.
Fiança: É um instrumento processual que permite ao acusado responder ao processo em liberdade mediante o pagamento de determinado valor. A quantia é arbitrada de acordo com a gravidade do crime e as condições financeiras do preso.
Crimes Inafiançáveis: O legislador estabeleceu situações específicas nas quais a fiança é vedada, criando a categoria dos crimes inafiançáveis.
Base Constitucional (Art. 5º da CF/88):
Racismo (XLII).
Tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos (XLIII).
Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (XLIV).
Base Legal (Art. 323 e 324 do CPP): Além dos crimes constitucionais, a fiança não será concedida:
Aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações.
Em caso de prisão civil ou militar.
Quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312 do CPP).
Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 define crimes como homicídio qualificado, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, tráfico de armas, entre outros. A tortura, tráfico de drogas e terrorismo são equiparados a hediondos.
Importante: A inafiançabilidade de um crime NÃO significa que o acusado permanecerá necessariamente preso durante todo o processo. O juiz poderá conceder a liberdade provisória sem fiança, desde que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva (Art. 310, III, do CPP). A inafiançabilidade apenas impede a liberdade mediante pagamento de fiança, mas não outras modalidades de liberdade provisória.
Se o juiz entender que a prisão em flagrante é legal e que existem os requisitos para manter o acusado preso durante o processo, ele pode converter a prisão em flagrante em prisão preventiva.
Prisão Preventiva: É uma medida cautelar que só pode ser decretada por um juiz e visa garantir o bom andamento do processo penal. Diferente do flagrante, não está ligada ao momento da prática do crime.
Requisitos da Prisão Preventiva (Art. 312 do CPP): Para ser decretada, exige provas da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria, além de uma das seguintes necessidades:
Garantia da ordem pública: Para proteger a sociedade contra possíveis novos crimes.
Garantia da ordem econômica: Em crimes que afetam a economia.
Conveniência da instrução criminal: Para evitar que o acusado interfira na produção de provas.
Garantia da aplicação da lei penal: Para evitar a fuga do acusado.
A prisão preventiva também pode ser usada para crimes mais graves, como crimes hediondos ou com pena de reclusão superior a quatro anos.
Updates (2025) e Debates Recentes:
Um projeto de lei (PL 3958/24) aprovado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados visa endurecer as regras para prisão preventiva de reincidentes. A proposta permite à Justiça decretar a prisão preventiva de acusado preso novamente em flagrante após ter sido liberado em audiência de custódia. A justificativa é prevenir a repetição de crimes por indivíduos com histórico criminal. Este texto valida o flagrante baseado em denúncia anônima ou fundada suspeita e permite provas colhidas em locais privados com consentimento gravado em áudio ou vídeo. Este projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado para virar lei.
Importância para Concursos: A conversão da prisão em flagrante em preventiva supera a alegação de nulidade porventura existente em relação à ausência de audiência de custódia. Da mesma forma, uma vez decretada a prisão preventiva, fica superada a tese de excesso de prazo na comunicação do flagrante. A decretação da preventiva forma um novo título ensejador da custódia cautelar, tornando prejudicadas alegações de ilegalidade anteriores na segregação em flagrante. Um magistrado pode, inclusive, converter a prisão em flagrante em preventiva de ofício (sem provocação da autoridade policial ou MP), desde que presentes os requisitos do Art. 312 do CPP.
Ser preso em flagrante não significa a perda de todos os direitos. A Constituição Federal e outras leis garantem uma série de direitos fundamentais:
Direito ao Advogado: A pessoa presa tem o direito de ser acompanhada por um advogado desde o momento da prisão. Se não puder pagar, a Defensoria Pública deve ser acionada. A ausência de assistência por defensor técnico só gera nulidade se não for oportunizado o direito ao conduzido.
Direito ao Silêncio: O preso não é obrigado a falar nada que possa prejudicá-lo e pode permanecer em silêncio durante o depoimento.
Direito de Ser Informado sobre o Motivo da Prisão: O policial deve explicar claramente o porquê da prisão.
Direito de Comunicar a Família ou Pessoa de Confiança: O preso pode avisar alguém de sua confiança sobre a prisão.
Direito à Audiência de Custódia: Em até 24 horas após a prisão, o preso deve ser levado diante de um juiz para avaliação da legalidade da prisão.
Verificação de Maus-Tratos: O juiz deve verificar eventuais ocorrências de tortura ou maus-tratos.
Não Uso de Algemas Indevidamente: Não há nulidade na audiência de custódia pelo uso de algemas quando justificada a necessidade.
Importante: O desrespeito a esses direitos pode levar à consideração da prisão como ilegal.
Alguns conceitos e distinções são recorrentemente cobrados em concursos públicos e são cruciais para a compreensão aprofundada da prisão em flagrante.
Esta é uma das distinções mais importantes:
Flagrante Preparado (Ilegal): A polícia provoca a ocorrência do crime ou induz o agente à prática criminosa. Como a ação policial torna impossível a consumação do delito, a Súmula 145/STF estabelece que não há crime. A atuação da polícia é o fator determinante que leva o indivíduo a cometer o crime.
Flagrante Esperado (Legal): A polícia apenas aguarda a ocorrência de um crime que já sabe que será praticado, sem induzir o agente. A iniciativa de cometer o crime parte do próprio agente, e a polícia apenas se posiciona para prender no momento certo.
A diferença reside na participação policial no iter criminis: no provocado, a polícia cria a situação; no esperado, a polícia observa e aguarda a situação criada pelo agente.
Como visto, em crimes permanentes, o estado de flagrância se mantém enquanto não cessa a permanência do delito.
Exemplo Prático: No tráfico de drogas, as condutas de "ter em depósito" ou "guardar" são permanentes. Isso significa que, enquanto a droga estiver em posse do agente, ele estará em flagrante delito, e a prisão pode ocorrer a qualquer momento, mesmo que as autoridades já soubessem da situação.
Relevância em 2025 (Crimes Cibernéticos): A discussão sobre a permanência de crimes digitais (como a publicação de conteúdo ofensivo ou ilegal em redes sociais) é um tema atual. A decisão do Inquérito 4.781 do STF que considerou tais crimes como permanentes para fins de flagrante, apesar de controversa, mostra a adaptação do direito penal aos novos desafios tecnológicos. É fundamental que futuras legislações considerem essa interpretação para regulamentar o "flagrante digital" sem comprometer garantias fundamentais.
É crucial entender que ser inafiançável não significa que o acusado ficará preso obrigatoriamente durante todo o processo. A inafiançabilidade apenas impede a concessão de liberdade mediante o pagamento de fiança. No entanto, o juiz ainda pode conceder a liberdade provisória sem fiança ou aplicar medidas cautelares diversas da prisão, desde que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva (Art. 312 do CPP).
Medidas Cautelares Alternativas (Lei 12.403/2011): A legislação busca restringir a prisão preventiva, oferecendo alternativas como proibição de contato com certas pessoas, monitoramento eletrônico, proibição de frequentar determinados lugares, entre outras.
O cenário legislativo está em constante movimento. A proposta de lei (PL 3958/24) que permite a decretação de prisão preventiva para acusados presos novamente em flagrante após liberação em audiência de custódia, especialmente para reincidentes, reflete uma busca por maior rigor na segurança pública.
Fundada Suspeita e Provas em Locais Privados: O texto aprovado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara também valida o flagrante baseado em denúncia anônima ou fundada suspeita (com descrição detalhada das circunstâncias) e permite a validade de provas colhidas em locais privados com consentimento gravado em áudio ou vídeo. Essas alterações, caso se tornem lei, teriam impacto direto na forma como a prisão em flagrante e a preventiva são aplicadas.
Um ponto de jurisprudência consolidado é que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva anula eventuais ilegalidades anteriores do flagrante. Isso ocorre porque a prisão preventiva constitui um novo título jurídico para a manutenção da custódia, fundamentado em requisitos próprios e em uma decisão judicial autônoma. Dessa forma, mesmo que houvesse vícios na comunicação do flagrante ou na sua realização, a decretação de uma prisão preventiva legal substitui a justificativa da detenção.
A compreensão da prisão em flagrante não pode ser estática, pois o direito está em constante evolução. Os últimos 10 anos, de 2015 a 2025, foram particularmente dinâmicos para este instituto no Brasil.
2015 - O Marco das Audiências de Custódia: Lançadas em 2015, as audiências de custódia representaram uma mudança paradigmática. Antes de 2015, o preso em flagrante não era apresentado a um juiz em 24 horas, o que permitia que ilegalidades ou maus-tratos ficassem impunes por mais tempo. A implementação foi impulsionada por pactos e tratados internacionais de direitos humanos internalizados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, e confirmada pelo STF. A era pós-2015 trouxe a rápida apresentação ao juiz, permitindo a análise da legalidade da prisão, a verificação de tortura e a possibilidade de medidas cautelares ou liberdade provisória, impactando diretamente a taxa de presos provisórios.
2019 - Qualificação e Expansão: A partir de janeiro de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça, iniciou o programa "Fazendo Justiça", que tem como um dos focos a qualificação, consolidação e expansão das audiências de custódia. Isso demonstra um esforço contínuo para aprimorar a aplicação do instituto.
2020 - Adaptação na Pandemia: A pandemia de Covid-19 trouxe um desafio inesperado, exigindo que o Judiciário se adaptasse para garantir a apresentação do preso ao juiz, o que incluiu a aprovação de normativas para a realização das audiências por videoconferência. Isso mostra a flexibilidade e a resiliência do sistema em garantir direitos mesmo em condições adversas.
2024/2025 - Propostas de Endurecimento: Projetos de lei recentes, como o PL 3958/24, indicam uma tendência legislativa de endurecer as regras para a prisão preventiva de reincidentes. Embora ainda em tramitação, essas propostas refletem debates atuais sobre segurança pública e reincidência criminal. Se aprovadas, trariam novas modificações significativas no procedimento da prisão em flagrante e preventiva, priorizando a prevenção de novos crimes por parte de indivíduos com histórico criminal.
A prisão em flagrante delito é um pilar do sistema de justiça criminal, caracterizada por sua natureza imediata e excepcional. Entender suas modalidades – próprio, impróprio, presumido, esperado, diferido – e, crucialmente, as ilegais como o flagrante preparado e forjado, é fundamental.
A introdução das audiências de custódia em 2015 marcou um avanço histórico na garantia dos direitos fundamentais, assegurando que o preso seja avaliado por um juiz em até 24 horas. Essa etapa permite a análise da legalidade da prisão, a verificação de maus-tratos e a decisão sobre a manutenção da prisão, a aplicação de medidas cautelares alternativas, ou a concessão de liberdade.
É vital compreender que a inafiançabilidade de um crime não impõe a prisão automática, e que a prisão preventiva, uma medida cautelar distinta, pode ser decretada posteriormente, inclusive superando vícios da prisão em flagrante. A evolução legislativa, como as discussões sobre o PL 3958/24, e a jurisprudência, como a aplicação do flagrante em crimes permanentes nos casos de cibercrimes, continuam a moldar este instituto.
Para qualquer estudante ou profissional do direito, dominar esses conceitos, suas bases legais e as atualizações mais recentes é essencial para uma atuação jurídica eficaz e para a defesa dos direitos individuais no complexo cenário penal brasileiro.