A prisão, em suas diversas modalidades, é um tema central no Direito Penal brasileiro, especialmente quando se trata da prisão temporária, uma medida cautelar que gera intensos debates e constantes atualizações interpretativas. Compreender seus fundamentos, requisitos e desdobramentos é essencial para estudantes, profissionais do direito e cidadãos interessados na justiça e nos direitos humanos.
A prisão temporária é uma espécie de prisão cautelar, com prazo definido, decretada por um juiz durante a fase do inquérito policial. Sua principal finalidade é auxiliar a investigação criminal na apuração de crimes graves, coletando informações e provas necessárias. Ela não possui caráter punitivo, mas sim instrumental, visando garantir a efetividade da investigação e subsidiar uma futura ação penal.
A doutrina define a prisão temporária como o encarceramento prévio do indiciado, em um período delimitado, entre o início da investigação policial (mediante portaria, sem ocorrência de flagrante delito) e a possibilidade de reunir os elementos para a decretação da prisão preventiva. É uma medida acauteladora, de restrição da liberdade, por tempo determinado, criada para viabilizar investigações de crimes graves durante o inquérito policial. Sua natureza é, portanto, cautelar.
Historicamente, a prisão temporária foi instituída no Brasil pela Lei nº 7.960/1989 para substituir a antiga prisão para averiguação. Antes da Constituição Federal de 1988, a polícia realizava prisões administrativas ou para averiguação sem intervenção judicial sólida, onde o suspeito era o principal objeto de prova. Essa prática era incompatível com os direitos fundamentais consagrados pela nova Constituição, que exige uma base sólida de fundamentação para qualquer restrição à liberdade. A prisão temporária veio para regularizar essa situação, estabelecendo critérios legais e controle judicial.
A prisão temporária é regulamentada principalmente pela Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Além disso, a Lei nº 8.072/1990, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, trouxe disposições específicas sobre os prazos para crimes hediondos e equiparados. A sua constitucionalidade é balizada pela Constituição Federal de 1988, especialmente em seu artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais.
A prisão temporária é uma medida excepcional e, por restringir a liberdade individual, só pode ser determinada dentro dos limites estritos estabelecidos pela Lei nº 7.960/1989.
Um ponto crucial é que a prisão temporária não pode ser decretada por iniciativa do juiz. A solicitação deve ser feita pelo Ministério Público (por requerimento) ou pela autoridade policial (por representação). Se a solicitação vier da autoridade policial, o juiz deve ouvir o Ministério Público antes de decidir.
A Lei nº 7.960/1989, em seu artigo 1º, prevê as situações que justificam a adoção da prisão temporária. A interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), firmada no julgamento da ADI nº 4.109/DF em 14 de fevereiro de 2022, conferiu uma interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que a decretação da prisão temporária é autorizada caso, em caráter cumulativo, verifiquem-se cinco condições:
Imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial, consubstanciada no periculum libertatis, constatada a partir de elementos concretos.
Existência de fundadas razões de autoria ou participação do agente nos crimes previstos no Art. 1º, inciso III, da legislação, caracterizando o fumus comissi delicti.
A prisão deve ser justificada em fatos novos ou contemporâneos que fundamentem a medida.
Verificação da gravidade concreta do crime por meio do juízo de adequação entre as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado.
Desde que se revele insuficiente a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
Antes da decisão da ADI nº 4.109/DF: Havia divergência doutrinária sobre se os requisitos do Art. 1º eram cumulativos ou alternativos. Algumas correntes defendiam a alternatividade, ou a combinação de um dos crimes com apenas uma das outras situações. A decisão do STF consolidou o entendimento pela cumulatividade de todos os cinco pontos.
Este requisito (periculum in mora ou periculum libertatis) significa que a custódia do investigado é fundamental para o sucesso das diligências investigatórias. Por exemplo, para evitar que o suspeito fuja, altere provas, ou interfira com testemunhas. O recolhimento do suspeito possibilita a realização de provas no inquérito, como reconhecimento pessoal e interrogatório (mesmo com o direito ao silêncio, pode ser frutífero). A autoridade policial deve demonstrar concretamente que a prisão é essencial, e que sem ela, a elucidação do caso estaria comprometida.
Este ponto também se liga ao periculum libertatis. Se o investigado não possui residência fixa ou não fornece elementos necessários para sua identificação, isso prejudica o andamento do inquérito policial e de um eventual processo, pois as autoridades não teriam meios de localizá-lo. No entanto, a mera ausência de residência fixa por si só não basta; é necessário que o agente se recuse a fornecer dados ou que haja dúvidas sobre a identidade.
Este requisito (fumus comissi delicti ou fumus boni juris) exige que haja indícios sérios e objetivos de que o suspeito ou indiciado cometeu ou participou de um dos crimes expressamente elencados na lei. A Lei nº 7.960/1989, em seu Art. 1º, inciso III, e a Lei nº 8.072/1990 listam esses crimes.
O rol taxativo do Art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989 inclui:
Homicídio doloso (Art. 121, caput e § 2º do Código Penal).
Sequestro ou cárcere privado (Art. 148, caput e §§ 1º e 2º).
Roubo (Art. 157, caput e §§ 1º, 2º e 3º).
Extorsão (Art. 158, caput e §§ 1º e 2º).
Extorsão mediante sequestro (Art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º).
Estupro (Art. 213, caput e sua combinação com o Art. 223, caput e parágrafo único, atualizado pela Lei nº 12.015/2009).
Atualização: O Art. 214 (atentado violento ao pudor) e Art. 219 (rapto violento) foram revogados, e o Art. 213 (estupro) passou a congregar a conduta do atentado violento ao pudor em sua estrutura.
Epidemia com resultado de morte (Art. 267, § 1º).
Envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (Art. 270, caput, combinado com o Art. 285).
Quadrilha ou bando (Art. 288, atualizado como Associação Criminosa).
Atualização: O Art. 288 do Código Penal foi redefinido como associação criminosa, permitindo a sociedade delinquente por três ou mais pessoas.
Genocídio (Arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889/1956).
Tráfico de drogas (Lei nº 6.368/1976, atualizada pela Lei nº 11.343/2006).
Atualização: A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) subdividiu as condutas, mas as modalidades básicas de tráfico (Art. 33, caput e § 1º, e Art. 34) continuam a permitir a prisão temporária.
Crimes contra o sistema financeiro (Lei nº 7.492/1986).
Crimes previstos na Lei de Terrorismo (Lei nº 13.260/2016).
A Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) também autoriza a decretação da prisão temporária nos crimes ali previstos. Para esses crimes, o prazo é diferenciado (ver seção 5.2). Alguns dos crimes hediondos já estão listados no Art. 1º, III, da Lei de Prisão Temporária, como homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro, estupro e tráfico de drogas.
Esses requisitos, introduzidos pela interpretação do STF na ADI nº 4.109/DF, reforçam o caráter excepcional da medida. A prisão não pode se basear em fatos antigos sem relevância atual, nem na mera gravidade abstrata do crime. É preciso que a situação concreta e contemporânea do investigado justifique a medida, considerando suas condições pessoais.
Este é um princípio fundamental do Direito Processual Penal moderno. A prisão temporária só deve ser aplicada como última ratio (último recurso), quando todas as outras medidas cautelares (como monitoramento eletrônico, fiança, restrições de frequência a certos lugares, etc.) se mostrarem inadequadas ou ineficazes para atingir os objetivos da investigação. O juiz deve analisar se existem meios menos gravosos para obter o resultado desejado.
Embora ambas sejam espécies de prisões cautelares, prisão temporária e prisão preventiva possuem distinções cruciais.
CaracterísticaPrisão TemporáriaPrisão Preventiva | ||
Base Legal | Lei nº 7.960/1989 (e Art. 2º, § 4º da Lei nº 8.072/1990) | Código de Processo Penal (Arts. 311 a 316) |
Momento de Aplicação | Exclusivamente durante a fase do inquérito policial | Pode ser decretada a qualquer momento da investigação policial ou da ação penal (processo judicial) |
Prazos | Prazos fixos e determinados em lei (5 dias/30 dias, prorrogáveis por igual período) | Não possui prazo determinado em lei, mas deve ser revista periodicamente pelo juiz para evitar excessos |
Crimes Aplicáveis | Somente para crimes expressamente listados na Lei nº 7.960/1989 (Art. 1º, III) e na Lei de Crimes Hediondos | Cabível em crimes dolosos punidos com pena máxima superior a 4 anos; em caso de reincidência em crime doloso; crimes envolvendo violência doméstica para garantir medidas protetivas de urgência. |
Objetivo | Instrumentalizar a investigação policial, coletando provas e elementos para subsidiar a denúncia ou queixa | Proteger o inquérito ou processo, a ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal. Evitar que o réu continue a delinquir, atrapalhe o processo ou fuja. |
Decretação de Ofício | Vedada | Admitida pelo juiz durante a ação penal, mas não na fase de investigação policial (depende de requerimento do MP ou representação policial) |
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consignou que "a prisão preventiva não se confunde com a prisão temporária. A primeira é cautela relativa ao processo penal; a segunda visa ao recolhimento de dados para o inquérito policial".
A prisão temporária, por ser de caráter excepcional e pré-processual, está sujeita a prazos legais estritamente definidos, que variam conforme a gravidade do crime investigado.
Conforme o Art. 2º, caput, da Lei nº 7.960/1989, o prazo máximo de duração da prisão temporária é de 5 (cinco) dias. Este período pode ser prorrogado por igual período (mais 5 dias), desde que comprovada a extrema e imprescindível necessidade da medida para o avanço das diligências investigatórias.
Para os crimes hediondos ou equiparados (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo), o prazo inicial da prisão temporária é substancialmente maior: 30 (trinta) dias. Este prazo também pode ser prorrogado por igual período (mais 30 dias), totalizando até 60 dias, desde que haja fundamentação concreta e comprovada necessidade para a extensão do encarceramento.
A elevação do prazo de 5 para 30 dias na Lei de Crimes Hediondos tem sido alvo de críticas por parte da doutrina. Alguns autores, como Rogério Schietti Machado Cruz, consideram o prazo de 30 dias (e sua prorrogação) desarrazoado e desproporcional, ofendendo o princípio do substantive due process (razoabilidade ou proporcionalidade da norma). Alega-se que um acervo probatório idôneo (interrogatório, depoimentos, perícias) poderia ser formado em menos tempo, tornando 60 dias um exagero. Alberto Silva Franco questionava a justificativa para tal alongamento, sugerindo que o objetivo era estigmatizar os autores de crimes hediondos, tortura, tráfico e terrorismo. Na prática, juízes frequentemente concedem o prazo máximo sem maiores cautelas, o que pode levar a um cumprimento de pena antecipado e injusto.
É indispensável que, esgotado o prazo legal da prisão temporária (seja de 5 ou 30 dias, com ou sem prorrogação), o investigado seja imediatamente colocado em liberdade. A única exceção é se, no decorrer do inquérito, sobrevier uma decisão judicial convertendo a prisão temporária em prisão preventiva. A permanência indevida em custódia após o término do prazo legal configura abuso de autoridade. Mesmo que as provas no inquérito sejam concluídas antes do prazo e sejam favoráveis ao custodiado, ele deve ser posto em liberdade incontinenti, independentemente de alvará de soltura.
A contagem do prazo da prisão temporária segue os parâmetros do Código Penal, começando a fluir da data do encarceramento (contando o dia do início). É importante notar que o período da prisão temporária não se soma ao da prisão preventiva para efeito de configurar excesso de prazo, pois são decretadas com finalidades e motivações diversas. Contudo, todo o período de prisão cautelar (incluindo a temporária) é computado na pena privativa de liberdade ou medida de segurança a ser cumprida (detração penal).
O processo de solicitação e decretação da prisão temporária é formal e exige rigor na observância dos preceitos legais e constitucionais.
A medida deve ser solicitada formalmente pelo delegado de polícia (mediante representação) ou pelo Ministério Público (por requerimento), não podendo o juiz decretá-la de ofício. O pedido deve ser lastreado em indícios concretos e elementos objetivos que demonstrem a necessidade da prisão durante a fase investigativa.
Ao receber o pedido, o juiz tem um prazo de 24 (vinte e quatro) horas para proferir sua decisão. Esta decisão deve ser devidamente fundamentada, tanto para deferir quanto para indeferir a prisão, explicitando os motivos de fato e de direito. A fundamentação não pode ser meramente formal ou repetir o texto legal, mas sim basear-se em dados concretos sobre o caso.
Se a prisão for deferida, será expedido um mandado de prisão em duas vias, sendo uma entregue ao preso como nota de culpa. O mandado deve conter dados do preso, o prazo da prisão, a infração penal e ser dirigido à autoridade competente para a execução.
A prorrogação da prisão temporária é possível, mas deve ser solicitada antes do término do prazo inicial, acompanhada de justificativa objetiva que comprove a extrema necessidade da medida para a continuidade da investigação. A decisão judicial que autoriza a prorrogação também precisa ser fundamentada.
O juiz desempenha um papel fundamental no controle da legalidade e da proporcionalidade da prisão temporária. Dada a urgência da medida, as comarcas devem contar com plantão permanente de 24 horas para apreciação dos pedidos. O magistrado deve evitar o "mecanicismo" e avaliar cuidadosamente cada pleito, sopesando o prazo necessário para as providências investigativas. Sugere-se a adoção de um controle jurisdicional da atividade policial para evitar excessos injustificáveis, como o que ocorre quando a polícia não cumpre seu mister no prazo e pleiteia a prorrogação sem maiores cautelas.
Mesmo estando temporariamente privado de liberdade, o investigado mantém os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal. A privação da liberdade, mesmo cautelar, não anula garantias processuais nem autoriza tratamento degradante ou desproporcional.
Entre os direitos básicos do preso temporário, destacam-se:
Direito ao silêncio: O preso deve ser orientado quanto a esse direito no interrogatório.
Assistência por advogado: Inclui o direito à presença do defensor no interrogatório policial ou judicial e o direito a uma entrevista prévia e reservada com o advogado.
Comunicação com a família: O preso tem o direito de se comunicar com sua família ou pessoa por ele indicada. A autoridade policial deve comunicar imediatamente ao juiz e à família a prisão e o local onde se encontra.
Alimentação adequada e atendimento médico: A Lei de Execução Penal assegura assistência material e à saúde.
Ser informado do motivo da prisão e receber nota de culpa: O preso deve ser informado sobre o motivo de sua prisão e receber o mandado de prisão que serve como nota de culpa.
Identificação dos responsáveis: Direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou interrogatório policial.
A Lei nº 7.960/1989, em seu Art. 3º, estabelece que os presos temporários devem permanecer obrigatoriamente separados dos demais detentos. Essa separação tem como objetivos evitar a convivência deletéria com presos de outras categorias (já condenados ou em prisão preventiva) e facilitar a obtenção de provas. O preso temporário é apenas um suspeito, podendo nem sequer ser indiciado, o que justifica a não mistura com outras populações carcerárias. O descumprimento dessa regra pode ensejar habeas corpus.
O Art. 2º, § 3º, da Lei nº 7.960/1989 confere ao juiz a faculdade de, de ofício ou a pedido do Ministério Público ou do advogado, determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito. Esta medida visa proteger a integridade física e moral do preso, combatendo abusos e torturas, que são práticas vedadas e inconstitucionais. A audiência de custódia, que se tornou praxe para presos em flagrante, sugere que idêntica postura seja adotada para os presos temporários.
Diante da decretação de prisão temporária, o advogado deve atuar de forma imediata e técnica, avaliando se há fundamentação adequada e se os requisitos legais foram preenchidos.
O principal mecanismo para impugnar a prisão temporária é o habeas corpus. Ele é utilizado quando há ilegalidade evidente, como a ausência dos requisitos do Art. 1º da Lei nº 7.960/1989, o descumprimento dos prazos, ou quando se verifica abuso de poder. Pode ser impetrado de forma preventiva ou repressiva e, inclusive, de ofício por autoridade judiciária.
Embora a Lei nº 7.960/1989 não preveja expressamente recurso contra a decisão que concede a prisão temporária, a jurisprudência tem admitido o Recurso em Sentido Estrito (RESE), por interpretação analógica do Art. 581, inciso V, do Código de Processo Penal. O RESE pode ser utilizado tanto para impugnar a decretação da prisão quanto para questionar o indeferimento do pedido de prisão feito pela autoridade policial ou Ministério Público. Esta admissão se justifica pela restrição à liberdade do investigado e pela garantia do duplo grau de jurisdição.
Se a prisão for decretada sem a observância dos requisitos legais, ou se seus prazos não forem cumpridos, ela se torna ilegal. Nesses casos, a prisão deve ser imediatamente relaxada.
Prolongar a execução da prisão temporária além do prazo legal, ou deixar de expedir ou cumprir imediatamente a ordem de liberdade, constitui crime de abuso de autoridade. O Art. 4º da Lei nº 4.898/1965 (Lei de Abuso de Autoridade) foi acrescido da alínea "i" com essa previsão.
Os tribunais superiores têm consolidado o entendimento de que a prisão temporária deve ser aplicada com cautela e de forma excepcional, sempre com fundamentação concreta e voltada à efetividade da investigação criminal.
O julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 3.360/DF e 4.109/DF pelo Plenário do STF em 2022 foi um marco. A decisão conferiu interpretação conforme a Constituição para o instituto da prisão temporária, fixando balizas interpretativas e reafirmando direitos fundamentais. Entendeu-se que houve uma repercussão pró-futuro da decisão na investigação criminal, afetando todos os atores que operam na fase pré-processual.
A decisão do STF enfatizou a necessidade de afastar interpretações que desvirtuam a finalidade da medida, como a sua utilização para antecipar penas ou como "prisão para averiguações". A prisão deve ser imprescindível para as investigações e baseada em elementos concretos que revelem o periculum libertatis e o fumus comissi delicti, além de comprovar que outras medidas cautelares seriam inócuas.
O STF tem reafirmado a validade da prisão temporária quando atendidos os requisitos legais, como a existência de fundadas razões de envolvimento no crime e a imprescindibilidade da custódia para as investigações.
O STJ também tem reforçado que a prisão temporária tem como objetivo assegurar a investigação criminal quando há apuração de crimes graves e fundado receio de que os investigados possam tentar embaraçar a atuação estatal (por exemplo, destruindo provas).
Tribunais estaduais, como o TJSP, têm mantido prisões temporárias em casos de crimes hediondos como roubo com emprego de arma de fogo e estupro de vulnerável, desde que amparadas por decreto com análise detalhada e elementos de convicção.
Esses julgados demonstram a importância da fundamentação concreta e de indícios robustos para a decretação e manutenção da prisão temporária, evitando que ela se torne uma medida punitiva sem justificativa instrumental clara para a persecução penal. A simples suspeita de envolvimento em um crime não é suficiente para justificar a prisão; é necessário que existam indícios sólidos e a comprovação de que a prisão é fundamental para o andamento das investigações.
A prisão temporária tem sido objeto de intensos debates e questionamentos, tanto em relação à sua origem quanto à sua conformidade com os princípios constitucionais.
Uma das principais críticas refere-se à origem da Lei nº 7.960/1989, que regulamenta a prisão temporária. Ela surgiu da conversão da Medida Provisória nº 111, de 24 de novembro de 1989, logo após a promulgação da Constituição de 1988. Constitucionalistas e doutrinadores questionam a inconstitucionalidade formal dessa lei, pois a Constituição Federal estabelece que é de competência privativa da União legislar sobre Direito Penal e Processual Penal (Art. 22, I), e as Medidas Provisórias em matéria penal são vedadas pelo Art. 62, § 1º, I, "b". Argumenta-se que o Poder Executivo não poderia legislar sobre essas matérias, e um vício de iniciativa não seria sanado pela conversão da medida em lei.
Outra grande polêmica é a inconstitucionalidade material da prisão temporária por suposta violação ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII da CF/88). A crítica central é que a prisão temporária pode ser vista como uma punição antecipada, uma vez que permite que um indivíduo seja preso antes de ser julgado culpado e antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.
A doutrina levanta a questão de que a prisão temporária implicaria em "prender para investigar", ou seja, o Estado utilizaria a prisão para buscar elementos que comprovem a autoria do delito, o que seria inadmissível em um Estado Democrático de Direito. Contudo, a Constituição Federal autoriza a prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (Art. 5º, LXI), e a jurisprudência tem consolidado que a existência de prisões cautelares não fere a presunção de inocência, desde que presentes os requisitos de necessidade e finalidade processual. A Suprema Corte, inclusive, na ADI n.º 4.109/DF, reafirmou direitos fundamentais ao balizar a interpretação do instituto, afastando usos que desvirtuam seu contexto democrático.
O debate sobre a prisão temporária reflete a tensão entre o poder de punir do Estado (ius puniendi) e a proteção dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade e a dignidade da pessoa humana. O objetivo é encontrar um equilíbrio que garanta a segurança pública sem comprometer as conquistas humanitárias e os princípios constitucionais.