Manoel Antônio Álvares de Azevedo é um dos poetas mais populares e importantes do Brasil. Ele nasceu em São Paulo, em 12 de setembro de 1831, filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo. Embora uma lenda biográfica afirmasse que ele teria nascido na biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo, hoje se sabe que foi na casa de seu avô materno.
Aos 17 anos (1848), Álvares de Azevedo ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Embora São Paulo fosse, na época, uma cidade provinciana de cerca de 15 a 30 mil habitantes, funcionando quase como uma cidade universitária, ele se destacou como um estudante aplicado e muito culto, capaz de tirar excelentes notas e demonstrar um talento extraordinário e erudição assombrosa.
Sua morte prematura, aos 20 anos incompletos, no Rio de Janeiro (25 de abril de 1852), é um fato central em sua lenda e obra.
A morte de Álvares de Azevedo é cercada de controvérsias. A versão tradicional (e romântica) atribui sua morte à tuberculose (o famoso mal do século), o que é coerente com a temática ultrarromântica de sua obra.
No entanto, a versão mais aceita hoje pela crítica moderna (e que deve ser priorizada em exames) afirma que ele faleceu devido a uma septicemia (infecção generalizada). Esta infecção foi causada por um abcesso na fossa ilíaca, resultante de uma queda de cavalo sofrida durante um passeio em Itaboraí, enquanto passava férias com a família.
Prioridade Didática: Sua morte na "flor da idade" e o título de sua principal obra (Lira dos Vinte Anos) reforçaram a imagem do poeta romântico fadado à melancolia.
Álvares de Azevedo publicou muito pouco em vida. Praticamente toda a sua produção, que abrange conto, poesia, teatro e ensaio, foi organizada e publicada postumamente a partir de 1853.
Gênero | Obra Principal | Característica Central |
Poesia Lírica (Magnum Opus) | Lira dos Vinte Anos (1853) | Expressão máxima do Ultrarromantismo e da dualidade (Ariel/Caliban). |
Prosa Narrativa | Noite na Taverna (1855) | Coletânea de contos com temas góticos, perversão, e estilo "frenético". |
Drama/Teatro | Macário (Publicação Póstuma) | Peça (embora de gênero difícil de definir) que introduz o drama fáustico no Brasil. |
Álvares de Azevedo é o expoente máximo da Segunda Geração Romântica Brasileira (c. 1850), também conhecida como Ultrarromantismo ou Mal do Século. Essa fase da literatura brasileira (que inclui autores como Junqueira Freire, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela) se caracteriza por um forte individualismo, oposição ao tom elevado da poesia passadista, e uma estética marcada por aspectos sombrios e lúgubres da existência.
As obras de Álvares de Azevedo incorporam as seguintes características:
Subjetivismo Exacerbado: A expressão intensa de sentimentos íntimos. Machado de Assis notou que o sentimento íntimo de nacionalidade dos ultrarromânticos era relevante, pois não proclamavam ardores patrióticos em detrimento da universalidade.
Evasão e Pessimismo: Um profundo sentimento de angústia e melancolia, buscando a fuga da realidade. O isolamento social e o tédio são temas recorrentes.
Morbidez e Morte: Forte atração pela morte, o cemitério, e elementos macabros. A morte é frequentemente vista como o fim último da existência.
Idealização Extrema: Idealização da mulher e do amor. Contudo, essa idealização é frequentemente desfeita por um erotismo velado ou explícito (como veremos no item 3.2), que busca a transgressão.
Influência Europeia: Ao contrário da Primeira Geração (nacionalista/indianista, como Gonçalves Dias), Álvares de Azevedo foi o romântico brasileiro que mais incorporou o que era "moda" no Romantismo europeu. Ele bebia em fontes como Lord Byron, Alfred de Mussett e o alemão Hoffmann.
Um ponto crucial para concursos é entender a posição de Álvares de Azevedo em relação ao nacionalismo romântico.
Ele rejeitou explicitamente o indianismo e o paisagismo ufanista. Para o autor, a simples inserção de nomes de flores ou aves do país não conferia nacionalidade à poesia; isso daria apenas uma "nacionalidade de vocabulário e nada mais".
Machado de Assis, em sua crítica, observou que a preocupação dos ultrarromânticos não era com ardores patrióticos, mas sim com uma natureza mais interior do que exterior. O sentimento íntimo de nacionalidade era relevante para esta geração que priorizava a universalidade em detrimento do fervor pátrio.
Prioridade Didática: O Romantismo de Álvares de Azevedo é um romantismo cosmopolita e transgressivo, voltado para os tormentos do indivíduo, e não para a celebração épica da pátria.
A Lira dos Vinte Anos é a obra lírica máxima de Álvares de Azevedo e sua maior contribuição para a poesia brasileira.
Seu conceito de composição é baseado na "binomia", onde duas almas coexistem no cérebro do poeta, formando uma "verdadeira medalha de duas faces". O prefácio da Segunda Parte sintetiza essa dualidade com a famosa frase: "Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.".
Oposto (Binomia) | Representação | Características e Temas |
Ariel (Primeira Parte) | Espírito bom, anjo. | O mundo visionário e platônico, misticismo, idealização da mulher pura, amor casto e inatingível. |
Caliban (Segunda Parte) | Demônio, ser profano. | O poeta que "acorda na terra", ceticismo, ironia, humor, morbidez, carnalidade, transgressão e erotismo. |
A ironia e o humor são traços essenciais do fazer poético de Álvares de Azevedo e uma exceção dentro do Romantismo brasileiro. A Segunda Parte da Lira (e a Terceira) é marcada por um jogo parodístico, que denuncia as falhas e o ridículo da concepção romântico-amorosa.
A mulher, em vez de permanecer elevada a símbolo do amor, é transformada em objeto de tentação e perdição. Exemplos notáveis incluem:
Em "Meu anjo", a figura angelical é dessacralizada ao ser comparada a prazeres mundanos como o vinho e a fumaça do charuto.
No poema "É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!", o poeta leva o humor ao extremo ao idealizar uma lavadeira (musa popular), culminando com a revelação cômica de que o bilhete amoroso tão esperado era, na verdade, um "rol de roupa suja".
Essa atitude é uma carnavalização do instituído, misturando o sagrado com o profano, o elevado com o baixo, rompendo com os padrões de "boa literatura" de sua época.
As obras de prosa de Álvares de Azevedo, Macário (teatro/drama) e Noite na Taverna (contos), são consideradas o ponto alto de sua ficção e foram inovadoras para a literatura brasileira do século XIX.
A obra de ficção azevediana se inscreve na tradição do romance gótico inglês, utilizando incidentes sensacionais e uma atmosfera mórbida e misteriosa. Os temas centrais explorados pelos narradores ébrios (Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann) da taverna são a extrema transgressão e a perversão:
Necrofilia (Capítulo 2).
Incesto e Fratricídio.
Canibalismo (no conto de Bertram).
Amor obsessivo, adultério, infanticídio e assassinato.
Essa representação de vícios e brutalidades não correspondia à vida pacata e estudiosa do poeta, mas sim a um desejo de fuga da realidade e a uma revolta contra a moral burguesa e sua rigidez.
Estrutura em Moldura (Contos Enquadrados): Noite na Taverna utiliza o recurso de moldura narrativa, onde as histórias individuais são contadas por diferentes personagens bêbados e reunidas sob uma narrativa externa ("Uma Noite do Século" e "Último Beijo de Amor"). Esse recurso remete a clássicos como Decameron ou As Mil e Uma Noites.
O Drama Fáustico em Macário: Macário introduz o drama fáustico no Brasil. A personagem Macário, rapaz cético e em busca de prazeres, trava um pacto supremo com Satã/o Desconhecido. Este pacto é visto como uma busca por conhecimento absoluto e libertação.
A Hipótese da Continuidade (Exceção/Crítica Importante): A crítica, notadamente Antonio Candido, estabeleceu que Macário e Noite na Taverna têm uma relação de continuidade. Macário termina na janela de uma taverna, e Noite na Taverna pode ser lido como o que Macário presencia ali, representando uma "educação pela noite". Esta é uma aposta crítica crucial que ele retoma em seu ensaio clássico A Educação Pela Noite.
Machado de Assis, considerado o precursor da crítica literária brasileira, dedicou atenção aos românticos, incluindo Álvares de Azevedo. Em 1866, Machado publicou um artigo sobre Álvares de Azevedo.
Machado reconhecia o talento incomensurável e a genialidade do jovem poeta. Ele via em Álvares de Azevedo, bem como em Bernardo Guimarães e Fagundes Varella, uma simplicidade que revelava o sublime, pois, para ele, "o sublime é simples". Machado também destacou o humor presente no poeta romântico, notado principalmente na Segunda Parte da Lira dos Vinte Anos.
A crítica machadiana, no entanto, frequentemente apontava falhas formais e estruturais nos românticos. No caso de Álvares de Azevedo (e também na prosa de José de Alencar, como em Iracema), Machado criticava a falta de concisão na descrição de imagens, a superabundância e o excesso de adjetivos.
Machado justificava essas falhas formais com a constante alusão à falta de maturidade que o tempo traria, algo que a morte precoce desses jovens poetas "ceifou". A concisão e o equilíbrio das imagens eram o que Machado valorizava e que ele mesmo desenvolveu intensamente em sua fase realista.
Este poema, lido no enterro do poeta, é um dos mais representativos da temática ultrarromântica: a hipótese da morte, o sofrimento dos entes queridos (a mãe morreria de saudades, a irmã fecharia seus olhos), e a ânsia de glória que seria interrompida.
EXCEÇÃO GRAMATICAL/MÉTRICA (Muito Cobrado em Provas):
No poema, Álvares de Azevedo utiliza o pretérito mais-que-perfeito do indicativo (batera, emudecera) no lugar do futuro do pretérito do indicativo (bateria, emudeceria), ao elaborar a hipótese. Isso poderia ser visto como um "erro gramatical" em uma análise superficial, mas o poeta o faz com o propósito de manter a quantidade de sílabas métricas (decassílabos) exigida pela técnica versificatória, manipulando a contagem poética.
A obra de Álvares de Azevedo, mesmo que por vezes relegada a estereótipos, continua a ser um clássico que inspira a crítica e outros escritores, comprovando sua força e originalidade.
Antonio Candido e a "Educação Pela Noite": Candido dedicou longos estudos a Álvares de Azevedo, vendo-o como o poeta mais interessante do Romantismo do século XIX. A aposta de que Noite na Taverna é a continuação de Macário deu origem ao título de seu livro seminal, A Educação Pela Noite, polarizando a formação do Brasil entre o lado edificante (o dia) e a transgressão (a noite).
Rubem Fonseca: O escritor moderno Rubem Fonseca é um confesso admirador de Álvares de Azevedo. Ele reelaborou a figura do poeta, utilizando seus versos em títulos de romances (Do Meio do Mundo Prostituto Só Amores Guardei, É O Meu Charuto) e o inserindo explicitamente como personagem em contos (como no debate sobre escravismo, ao lado de Lord Byron).
Temas de Transgressão: A força de Álvares de Azevedo reside na sua capacidade de lidar com temas violentos, ambivalências e o lado macabro da sociedade, que se tornam internos à cabeça das pessoas na literatura que se seguiu. A transgressão e o "mal" em sua obra continuam a provocar reflexões, como se vê no livro O crush de Álvares de Azevedo, de Jandiro Koch, que explora a dimensão homoerótica implícita nas relações entre os amigos boêmios.
Enquanto estudante de Direito, Álvares de Azevedo foi membro fundador da Sociedade Epicureia (também conhecida como "Casa de Satã"), uma república de estudantes que tentava seguir a filosofia byroniana.
Embora fosse um estudante aplicado, Álvares de Azevedo era inadaptado às convenções e expressava seu desalento com São Paulo, cidade que ele odiava, chamando suas calçadas de "mil vezes melhores" no inferno. Ele lamentava a falta de atrações e de mulheres que não fossem "virgens" (no sentido de inexperientes).
A Sociedade Epicureia e o circuito boêmio paulistano (que incluía o futuro romancista Bernardo Guimarães) eram marcados por reuniões, discursos inflamados e orgias com prostitutas. Contudo, muitos desses hábitos e a vida desregrada eram, em parte, idealizações forjadas pelos poetas da época para construir uma imagem byroniana. O próprio Álvares de Azevedo era, em sua vida real, dedicado à família, com profunda afeição, e provavelmente bastante casto, o que reforça a natureza intelectual e não real dos sentimentos de depravação expressos em Noite na Taverna.
Álvares de Azevedo é essencial por sua capacidade de articular a liberdade romântica com a crítica social implícita, usando a transgressão como repúdio à realidade burguesa. Sua obra, especialmente em prosa e na Segunda Parte da Lira dos Vinte Anos, é inovadora e surpreendentemente moderna.
Ler Álvares de Azevedo é mergulhar na literatura que antecipa o modernismo (como na abordagem direta do erótico), explorar o lado macabro da psique humana e compreender a força do clássico que continua a provocar a imaginação crítica, seja nos estudos acadêmicos sobre a formação brasileira, seja na literatura contemporânea de autores como Rubem Fonseca. Ele oferece uma visão plural e controversa do indivíduo, capturada na tempestade interna entre Ariel e Caliban, um tema de perpétua relevância.