Realismo e Naturalismo são movimentos que coexistiram na segunda metade do século XIX, surgindo na Europa como uma forte reação ao subjetivismo, ao idealismo amoroso e à fuga da realidade do Romantismo. O Naturalismo, por sua vez, é frequentemente classificado como uma corrente mais extremada, radical ou derivação do Realismo.
O que verdadeiramente define o estilo Realista-Naturalista é a visão científica. O objetivo não é apenas retratar a realidade de forma fiel (verossimilhança), mas sim entender e compreender essa realidade, buscando suas causas e consequências a partir de uma perspectiva científica.
O contexto do século XIX, marcado pela Revolução Industrial, o avanço científico (física, química, biologia, genética), a consolidação da burguesia e o crescimento do proletariado, impulsionou a adoção do método científico como meio de análise. As teorias que fundamentaram ideologicamente esses movimentos são:
Determinismo (Hippolyte Taine): Teoria central, defendendo que o comportamento humano é rigidamente determinado por três fatores: a raça, o meio e o momento histórico.
Positivismo (Auguste Comte): Doutrina que prega que a única maneira de se chegar à verdade é por meio da investigação científica. Taine, sendo discípulo de Comte, defendia que a livre escolha era uma mera ilusão.
Evolucionismo (Charles Darwin): Contribuiu para a visão do homem como produto da natureza, sujeito à seleção natural e herdeiro de características biológicas.
Ambos os movimentos são definidos por:
Objetivismo e Impessoalidade: Busca por um retrato fiel.
Descritivismo: Uso de descrições detalhadas.
Crítica Social: Denúncia da hipocrisia das relações sociais e dos valores burgueses.
Antidealismo: Substituição dos heróis românticos por pessoas limitadas e comuns.
O Realismo surgiu na França com Madame Bovary (1857), de Flaubert, e no Brasil, com o marco de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis.
O Realismo busca retratar o cotidiano das classes média e alta, propondo um romance documental, que sirva como registro histórico e social.
Análise Psicológica do Indivíduo (Foco Interno): O Realismo privilegia os dramas internos, as angústias, os medos, os conflitos e as contradições dos personagens. O foco é no homem psicológico.
Temas Centrais: Adultério, hipocrisia, loucura (no aspecto psicológico), infelicidade no casamento, amor subordinado aos interesses sociais.
Retrato Feminino: A mulher é descrita de forma concreta, com qualidades e, também, defeitos, distanciando-se da figura idealizada romântica.
Machado de Assis é o principal nome do Realismo brasileiro. Suas características são cruciais para a identificação do estilo realista em provas:
Aprofundamento Psicológico: Foco nas complexidades da alma humana.
Narrador Ativo e Metalinguagem: O narrador, muitas vezes também personagem, dialoga constantemente com o leitor, interferindo no enredo e assumindo uma posição provocadora. Essa interação ou digressão (quebra da linearidade narrativa) é uma marca registrada.
Ironia e Ceticismo: Uso de um toque humorístico e sutil para expressar a crítica à burguesia e a hipocrisia humana. A famosa frase "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis" é um exemplo dessa ironia ao tratar de relações por interesse financeiro.
O Naturalismo surgiu com Thérèse Raquin (1867), de Émile Zola, e no Brasil, foi inaugurado por O Mulato (1881), de Aluísio Azevedo. Émile Zola é considerado o fundador da estética naturalista.
O Naturalismo leva o cientificismo ao exagero, priorizando o lado animalesco e não civilizado do homem.
Foco no Coletivo e na Ação Externa (Análise Social): A análise se concentra nas ações externas, no comportamento e nas reações sociais dos grupos, sem o aprofundamento psicológico realista. O foco está nas classes baixas ou grupos marginalizados (proletariado, cortiços).
Romance de Tese ou Experimental: Os romances são estruturados para comprovar uma tese científica pré-existente, geralmente a teoria do Determinismo de Taine. O narrador atua como um cientista, observando fenômenos sociais como uma experiência.
Zoomorfismo: Característica muito marcante, que consiste na comparação do comportamento, das ações e das atitudes dos personagens com as de animais. Por exemplo, no despertar do cortiço, os moradores são descritos como um "zunzum crescente, uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas" ou um "verminar constante de formigueiro assanhado".
Temas Patológicos: Aborda temas considerados mais sombrios, grotescos ou agressivos que revelam patologias sociais e biológicas: prostituição, miséria, violência, vícios, taras sexuais, homossexualismo, incesto e o despreocupação com a moral.
A principal diferença reside no foco da análise e na intensidade do cientificismo.
Característica | Realismo | Naturalismo |
Foco de Análise | Psicológico (Drama interno, angústias). Homem psicológico. | Biológico/Social (Ações externas, influências do meio). Homem biológico. |
Gênero do Romance | Documental (Retrato fiel). | De Tese/Experimental (Comprovar o Determinismo). |
Classes Sociais | Predominantemente a Elite/Burguesia (Classe média). | Predominantemente as Classes Baixas (Proletariado, Marginalizados). |
Cientificismo | Presente (Racionalidade e Observação). | Exagerado/Radical (Patológico e Anatômico). |
Temas Típicos | Adultério, hipocrisia, loucura (psicológica), interesse social. | Prostituição, miséria, violência, zoomorfismo, taras sexuais. |
Visão do Homem | Interage com o meio social. | Produto do meio, vítima de forças biológicas e sociais (Fatalista). |
O romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, é um dos maiores marcos do Naturalismo no Brasil e um grande exemplo da aplicação da teoria determinista de Taine. A narrativa foca na coletividade, na promiscuidade e na exploração do capitalismo selvagem.
O autor construiu o cortiço como um ambiente orgânico e vivo, uma "coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro".
A raça (ou hereditariedade) representa a força biológica que determina o comportamento.
Exemplos de Seleção de Parceiros: Bertoleza, sendo cafusa (mestiça), procurava instintivamente o homem de uma raça superior à sua (o português branco), João Romão. Rita Baiana, mestiça, também preferiu o europeu, Jerônimo, como o "macho da raça superior".
Animalização: Personagens são reduzidos à condição biológica. Bertoleza e João Romão são descritos trabalhando "como uma juntas de bois", revelando um grave nível de animalização. Bertoleza, na sua condição de "animal de trabalho," só desejava confiança no amparo da velhice.
Instinto Sexual: O instinto (sexo e nutrição) prevalece, e o autor frequentemente iguala o homem ao animal. Jerônimo, ao ver Rita Baiana, age como um "animal no cio", e seu sangue é "transtornado" pelo "cheiro animal" da mestiça.
O meio (ambiente sociocultural, clima) molda o caráter e a vida. O Naturalismo expõe os personagens a patologias sociais (miséria, amoralidade, violência), tornando-os vítimas do fatalismo.
Transformação de Jerônimo: Jerônimo, um português metódico, ao se mudar para o cortiço e se apaixonar por Rita Baiana (que simboliza o Brasil, a "luz ardente do meio dia" e o "aroma quente"), sofre uma "transformação, lenta e profunda". Ele se "abrasileirou-se", tornando-se preguiçoso, luxurioso e perdendo o espírito de ordem e economia.
Degradação de Pombinha: Pombinha, inicialmente delicada e a "flor do cortiço", é gradualmente influenciada pelo ambiente promíscuo. Ao escrever cartas, ela acumulava em seu coração de donzela a "súmula daquelas paixões e daqueles ressentimentos", absorvendo as taras do meio. Sua inteligência, à míngua de educação, a levou a entender o poder feminino sobre os homens, e ela se transforma em uma "cocote" (prostituta), mostrando a cadeia de influência do meio.
O indivíduo é fruto da época em que vive.
Condição de Bertoleza: O romance foi escrito na época da abolição, mas Bertoleza permanece em situação de vulnerabilidade social, sendo escrava fora da senzala, forçada a trabalhar arduamente para João Romão.
Ascensão de João Romão: O personagem representa a ambição e o capitalismo do final do século XIX, buscando a ascensão social através da exploração. Ao se aliar a Miranda (família burguesa) e modificar o cortiço para se tornar "Rua João Romão", ele concretiza seu desejo.
Em O Cortiço, o personagem João Romão e o próprio cortiço são frequentemente citados em concursos por apresentarem uma ruptura parcial com o Determinismo.
João Romão é chamado de "O animal vencedor". Em vez de ser moldado fatalmente pelo meio, ele consegue manipular o ambiente e a sociedade para alcançar a vida burguesa, demonstrando que ele moldou o meio de acordo com seus interesses.
O cortiço também se modifica, ascendendo junto com João Romão e passando a ser mais seletivo em seus moradores.
José Maria Eça de Queirós é considerado o grande mestre do romance português moderno e figura principal do Realismo-Naturalismo em Portugal. No entanto, a crítica especializada, baseada nos estudos do Professor Carlos Reis, confirma que Eça não se manteve apenas no movimento Realista-Naturalista, procurando acompanhar as grandes mudanças culturais da Europa.
Carlos Reis classifica a obra queirosiana em quatro fases:
Primeira Fase: “Aprendizagem da Escrita” (1866-1871): Eça inicia sob o signo do Romantismo. Obras como Prosas Bárbaras e O Mistério da Estrada de Sintra prolongam a temática romântica.
Segunda Fase: “Escrita do Real” (1871-1880): Marca a confirmação da estética realista. Eça aceita as influências doutrinárias de Comte, Claude Bernard e Taine, voltando-se para a crítica dos costumes e dos problemas sociais de Portugal.
Obras Destaque: O Crime do Padre Amaro (com três versões, sendo a segunda e terceira mais próximas do Naturalismo) e O Primo Basílio (1878).
Aplicações de Tese: O Crime do Padre Amaro busca comprovar que o sacerdócio sem vocação leva à perda moral e que a fanatização religiosa destrói a mulher. O Primo Basílio é fundamental ao Realismo-Naturalismo português, criticando os costumes da pequena burguesia de Lisboa e atacando a instituição do casamento.
A Ruptura Estética (Início da Superação): Já em 1883, Eça reflete sobre o Realismo-Naturalismo, registrando seu "descrédito do naturalismo" e sua dúvida sobre a existência do "romance experimental". Isso marca seu afastamento dos modelos realistas estritos.
Terceira Fase: “Outros Mundos” (1880-1888): Eça publica a novela O Mandarim (1880), que já sinaliza uma mudança na trajetória, apelando à imaginação e ao espaço exótico do Oriente.
Obras Destaque: Os Maias (1888), obra-prima que reflete as variadas concepções culturais da Europa de fim-de-século, como o Impressionismo e o Intuicionismo.
Superação do Determinismo: Em Os Maias, em contraste com a rigidez naturalista, a influência observada é das personagens para o meio (relação inversa). A intriga principal (relacionamento incestuoso entre Carlos Eduardo e Maria Eduarda) não depende de fatores exteriores explicáveis. O fatalismo naturalista é substituído pelo fatalismo transcendente.
Quarta Fase: “Eterno Retorno” (1888-1900): Eça retorna a temas e valores do passado.
Obras Finais: A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras.
Retorno à História e Renovação: A Ilustre Casa de Ramires (1900) trabalha com a dialética entre tradição e renovação, usando a história do passado (episódio medieval do antepassado Tructesindo Ramires) para construir uma mensagem de renovação para Portugal.
A obra queirosiana é, portanto, polivalente, abarcando desde o radicalismo social do início até o escritor compreensivo e crítico preocupado com o passado e o futuro de Portugal no final da vida.
Não. Normalmente, as obras naturalistas focam nas classes pobres, dominadas ou marginalizadas (como O Cortiço). No entanto, autores Naturalistas também podem abordar a elite, mas o farão usando a ótica científica e biológica, tratando as ações da elite com o mesmo foco externo e patológico. Exemplo disso é a família do vizinho Miranda, em O Cortiço, que pertence à elite, mas é abordada com foco externo, típico do Naturalismo.
O Realismo, ao focar no psicológico e na crítica social, geralmente retrata a vida adulta e os costumes da classe média. No entanto, obras importantes como O Ateneu (de Raul Pompeia, classificado como Realista-Naturalista) narram a experiência de um menino em um colégio, criticando a hipocrisia e os bastidores da sociedade da época através da ideologia mercantil da educação.
Sim. Embora o Naturalismo seja uma oposição ao Romantismo, alguns textos Naturalistas, como O Cortiço, ainda podem apresentar marcas românticas. O crítico Antonio Cândido destacou a descrição idealizada do início da puberdade de Pombinha, onde o narrador usa um linguajar que lembra a idealização romântica ao compará-la a uma "delicada planta murcha" e descrever o despertar da sexualidade em tons "cor-de-rosa" e "camadas sanguíneas que se agitavam desprendendo aromas de flor".
A crítica central é a rejeição da idealização. O Realismo se recusa a "sobredourar a realidade e fechar os olhos às sardas e espinhas", buscando a representação verdadeira e concreta, especialmente da figura feminina. A prosa realista desmascara, por exemplo, o casamento por interesse, em oposição à realização amorosa idealizada pelos românticos.
Movimento | Palavra-Chave | Foco Principal | Obra Brasileira Marcante |
Realismo | PSICOLÓGICO | Conflitos internos, Ironia, Hipocrisia, Classes Ricas. | Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis). |
Naturalismo | DETERMINISMO | Biológico, Zoomorfismo, Patologia Social, Classes Pobres. | O Cortiço (Aluísio Azevedo). |
Eça de Queirós | FATALISMO TRANSCENDENTE | Crítica social burguesa, Superação do Determinismo em Os Maias. | Os Maias, O Primo Basílio. |