Para começar a entender Memórias Póstumas de Brás Cubas, é fundamental fixar os conceitos básicos que a tornam uma das obras mais relevantes da Literatura Brasileira.
Ponto-Chave | Detalhe Crucial |
Autor | Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores escritores brasileiros. |
Publicação | 1881. |
Significado Histórico | A obra inaugurou o movimento Realista no Brasil. |
Estilo | Marcado pela ironia, sarcasmo, pessimismo filosófico e crítica social. |
O Realismo surgiu em oposição direta ao Romantismo, que idealizava a vida, a mulher e o amor. O Realismo buscava a objetividade, a crítica do homem e a anatomia do caráter, expondo os vícios da sociedade burguesa.
O aspecto mais imediatamente chamativo e que rompe com a tradição literária da época é a figura do narrador.
Quem Conta a História? Brás Cubas, o protagonista, que narra suas memórias após a morte.
A Inversão: Ele se intitula não um "autor defunto", mas sim um "defunto autor". A morte precede a escrita.
O Tom da Narrativa: Brás Cubas conta sua história com "a pena da galhofa e a tinta da melancolia".
A Estrutura e o Estilo Zigue-Zagueante: O romance é dividido em 160 capítulos curtos, muitos deles fragmentados ou com intervenção direta ao leitor ("fino leitor", "querida leitora"). A narrativa não segue uma ordem linear perfeita; ele salta da morte para o nascimento, refletindo as lembranças do narrador morto.
Dedicatoria (SEO Keyword): O livro é dedicado, ironicamente, "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas". Este início mórbido e irônico já estabelece o tom pessimista e sarcástico que permeia toda a obra.
A obra é um profundo estudo sobre a sociedade carioca da segunda metade do século XIX.
Foco da Crítica: A elite burguesa, seus costumes, sua futilidade e sua hipocrisia.
Egoísmo e Individualismo: A crítica central reside no egoísmo humano e na vaidade vazia que direciona a busca por poder e status. Os sentimentos de superioridade e a necessidade de distinção são inerentes ao ser humano, independentemente da origem.
Valores Superficiais: A sociedade valoriza a opinião dos outros homens e a aparência (valer pela opinião, não pela virtude).
A história de Brás Cubas é a crônica de uma vida fútil, insegura e fracassada.
O narrador-personagem, Brás Cubas, é um homem que não dedicou sua vida a nada grandioso ou respeitável. As mulheres de sua vida e os demais personagens servem de espelho para as críticas à sociedade da época.
Personagem | Descrição e Papel na Obra |
Brás Cubas | O "defunto autor", protagonista. Representante da elite burguesa, egocêntrico, medíocre, fracassado, que narra sua vida após a morte. |
Virgília | O grande amor de Brás Cubas. Filha do Conselheiro Dutra. Casa-se com Lobo Neves por interesse social, tornando-se amante de Brás (adúltera). |
Lobo Neves | Marido de Virgília, político influente. Representa a posição social que Virgília preferiu em vez do amor de Brás. |
Marcela | Prostituta de luxo ("dama espanhola"). A paixão da juventude de Brás Cubas, marcada pelo interesse financeiro ("quinze meses e onze contos de réis"). |
Eugênia | Filha ilegítima de D. Eusébia ("a flor da moita"). Morena, bonita, mas coxa de nascença, o que leva Brás a desprezá-la (crítica aos padrões de perfeição). |
Nhã-Loló | Sobrinha de Cotrim, moça pura e prendada arranjada para esposa de Brás, mas morre de febre amarela antes do casamento (a conveniência social frustrada). |
Quincas Borba | Amigo de infância e filósofo mendigo. Criador da filosofia fictícia do Humanitismo. |
Dona Plácida | Empregada de Virgília, que serve de álibi e fachada na "casinha" dos amantes. Personagem que expõe o sofrimento social. |
Prudêncio | Ex-escravo de Brás Cubas. Após a liberdade, adquire um escravo, a quem maltrata. Exemplifica a hierarquização e o egoísmo inerente ao ser humano. |
O narrador começa pela morte, mas a cronologia da vida se desenrola em 160 capítulos.
Brás Cubas relata seu nascimento (Cap. 10) e a infância como o "menino diabo", mimado pelo pai e que praticava atos cruéis sem punição. A passagem mais notória é o uso do moleque escravo Prudêncio como seu "cavalo". Este episódio, muitas vezes, é interpretado pela crítica como uma metáfora do imperialismo e da estrutura social da época.
Aos 17 anos, Brás Cubas se apaixona por Marcela, uma cortesã de luxo que o explora financeiramente. O pai, preocupado com os gastos excessivos ("onze contos de réis"), envia Brás para Coimbra, Portugal, onde ele se forma em Direito de maneira medíocre.
Ao retornar ao Brasil, Brás encontra sua mãe à morte (Cap. 23). Seu pai, com ambições políticas para o filho, arranja seu casamento com Virgília, filha do influente Conselheiro Dutra. O casamento é puramente estratégico, visando o ingresso de Brás na política (Câmara dos Deputados). O pai de Brás deixa claro que o valor de um homem reside na opinião dos outros.
Neste período, Brás também se envolve com Eugênia ("a flor da moita"), mas a abandona ao descobrir que ela era coxa de nascença. O narrador, em um momento de sarcasmo, questiona a natureza: "Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?" (Cap. 33).
O noivado com Virgília, contudo, é desfeito: ela prefere Lobo Neves, um político com maior status, trocando o "pavão" (Brás Cubas) pela "águia" (Lobo Neves). A escolha de Virgília evidencia que o matrimônio era um negócio social e financeiro. Pouco depois, o pai de Brás Cubas morre de desgosto e, em seguida, Brás e sua irmã, Sabina, brigam pela herança.
Virgília casa-se e muda-se, mas Brás a reencontra anos depois, casada. Eles iniciam um caso extraconjugal. Para manter as aparências e evitar o escândalo público, eles alugam uma "casinha", usando a empregada Dona Plácida como álibi e guardiã do segredo.
A traição é um tema recorrente na obra realista, utilizada por Machado para criticar a hipocrisia burguesa que defendia valores morais publicamente, mas os ignorava na vida privada.
Durante esse período, Brás reencontra Quincas Borba, que estava mendigando. Quincas apresenta sua filosofia, o Humanitismo, o qual Brás escuta com admiração.
O caso de adultério chega ao fim quando Lobo Neves é nomeado Presidente de Província, apesar de Virgília ter engravidado de Brás e abortado. Virgília chora a morte do marido com sinceridade, mas o narrador aponta que ela traía e chorava com a mesma sinceridade, ilustrando sua dissimulação.
Sabina tenta arranjar um casamento para Brás com Nhã-Loló, moça jovem e "perfeita para o cargo de esposa". Contudo, Nhã-Loló morre de febre amarela aos 19 anos, antes do enlace.
Brás, então, torna-se deputado, mas fracassa novamente, perdendo a cadeira. Ele tenta fundar um jornal com Quincas Borba, o que também não prospera.
Brás morre aos 64 anos de pneumonia, vítima do Emplasto Brás Cubas, um medicamento anti-hipocondríaco que nunca saiu do papel. O Emplasto é a metáfora máxima das suas ambições frustradas e projetos inúteis.
O romance se encerra com o célebre Capítulo 160 – Das Negativas. Brás Cubas faz um balanço de sua vida, cheia de falhas e aspirações não concretizadas ("Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento"). Ele chega à sua conclusão final, o "pequeno saldo" positivo:
"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
Esta frase encapsula o pessimismo filosófico de Machado de Assis sobre a condição humana.
A profundidade da obra reside não apenas no que Brás Cubas conta, mas na forma como ele conta e nas críticas que Machado insere através da ironia.
Embora Memórias Póstumas seja o marco do Realismo no Brasil, a obra desafia os critérios fundamentais do realismo tradicional.
Narrativa Subjetiva vs. Objetividade Realista: O Realismo europeu pregava a narração imparcial e onisciente, buscando objetividade. Machado, ao contrário, usa um narrador em primeira pessoa (Brás Cubas), cuja perspectiva é unilateral, cínica e pessimista. O que lemos é a visão de apenas uma das partes.
Quebra da Verossimilhança: O fato de o narrador ser um defunto autor (contando a história do além-túmulo) quebra o pacto de fidelidade e plausibilidade com a realidade empírica, essencial ao Realismo estético.
Estilo Dialético: A crítica moderna conclui que Machado constrói uma "poética dialética". Ele funde e tensiona elementos opostos: a verossimilhança (retratando os costumes e a hipocrisia burguesa) com elementos do Romantismo/Ultrarromantismo (o "fantasma de sabor ultrarromântico" do defunto autor, a melancolia).
Realismo Psicológico: Muitos críticos classificam seu estilo como um "realismo superior" ou "realismo microscópico/psicológico". Isso porque Machado se aprofunda na sondagem moral e nas "molas secretas das suas reações", expondo a mesquinhez e o egoísmo (por exemplo, a hesitação de Brás ao dar a esmola ao almocreve).
O Humanitismo é uma filosofia fictícia e satírica criada por Quincas Borba (Joaquim Borba dos Santos), apresentada de forma secundária em Memórias Póstumas.
A Fórmula Central: O cerne da filosofia é expresso na famosa frase: "Ao vencedor, as batatas".
Significado: Constitui uma crítica irônica e uma sátira ao cientificismo do século XIX, incluindo o Positivismo de Auguste Comte e a teoria da Seleção Natural de Charles Darwin.
Princípio do Mais Forte: O Humanitismo prega o "império da lei do mais forte, do mais rico e do mais esperto". Ele afirma que a guerra e a supressão de uma forma são princípios universais e conservadores; a supressão não é morte, mas vida.
Humanitas: É a substância da qual emanam e para a qual convergem todas as coisas.
Outras Crenças: A filosofia rejeita o sofrimento, exclui o sexo e considera o Cristianismo uma "moral de fracos". No Capítulo 157, Humanitismo é proclamado "a única verdade", negando o Budismo, Cristianismo e outros sistemas.
A análise das mulheres na obra é crucial para entender a crítica machadiana ao papel feminino na sociedade burguesa e o cinismo de Brás Cubas. As mulheres são caracterizadas a partir da visão unilateral e misógina de Brás.
Marcela representa o prazer carnal e a ambição. Ela é descrita como interesseira, luxuosa e amiga de dinheiro. O narrador ironiza a relação, calculando o amor em dinheiro: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis" (Cap. 17). Ela é o oposto da mulher romântica idealizada.
Destino: Sua paixão pelo lucro a consome. Ela é desfigurada por bexigas e morre abandonada e miserável no hospital da Misericórdia (Cap. 38).
Virgília é a personagem principal da trama amorosa. Ela simboliza a mulher burguesa da época, para quem o casamento era um "grande negócio". Ela escolhe Lobo Neves pela posição social e o título de baronesa que ele poderia oferecer.
Contradições: É dissimulada, mentirosa, faceira, mas preserva as aparências sociais. Seu amor proibido com Brás (adultério) a excita.
Traição Sincera: Virgília era capaz de trair o marido e, depois, chorar sua morte com a mesma sinceridade, ilustrando o cinismo da época.
Eugênia é o fruto de um amor proibido (filha de D. Eusébia e de um homem casado), sendo nomeada ironicamente pelo narrador como "a flor da moita".
O Defeito Inviável: Ela é coxa de nascença. Brás Cubas, embora a admire, é incapaz de se envolver por causa da deformidade, refletindo a crítica de Machado aos padrões sociais rígidos. Sua beleza é neutralizada pela imperfeição física.
Destino: Acaba morando em um sobrado miserável, sozinha e triste.
Nhã-Loló representa a convenção social para o casamento burguês: jovem, educada, prendada e de boa aparência. O casamento arranjado por Sabina é a tentativa de Brás de dar uma resposta à sociedade e construir uma família.
Destino: Morre de febre amarela aos 19 anos antes que o casamento se concretize, tornando-se "irrevogavelmente inviável".
A obra é um repertório coringa, altamente valorizado, que pode ser aplicado em diversos temas de redação:
Tema da Redação | Aplicação da Obra |
Individualismo e Egoísmo | Citar Brás Cubas como a encarnação do egoísmo da elite, que só se preocupa com o próprio prazer (o caso com Virgília) e com o "arruído". Mencionar o "menino diabo". |
Hipocrisia Social e Futilidade | Usar o casamento comercial (Virgília/Lobo Neves) ou o fato de Brás ter sido acompanhado no enterro por apenas onze amigos (e o discurso falso de um deles). |
Desigualdade e Escravidão | Citar o episódio de Prudêncio (o escravo que, após ser liberto, adquire um escravo para maltratar), ilustrando a manutenção da hierarquia social e a falta de empatia. |
Inutilidade de Projetos e Políticas Públicas | O Emplasto Brás Cubas (a invenção grandiosa que nunca se concretizou) serve como metáfora perfeita para promessas políticas vazias ou políticas públicas ineficazes. |
Pessimismo Filosófico | Citar o Capítulo das Negativas ("Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria") como argumento de autoridade sobre a falência das ambições humanas. |
O Emplasto é o medicamento "anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade". A ideia de Brás Cubas era grandiosa e útil, mas nunca saiu da esfera da utopia ou da vaidade. O narrador, ironicamente, afirma ter morrido da própria ideia fixa do emplasto, que o levou a contrair pneumonia.
O Emplasto representa a mediocridade e a inutilidade da vida de Brás Cubas e, por extensão, da elite que tanto se preocupa com "arruído" (publicidade).
O romance é composto por 160 capítulos. A seguir, um panorama por blocos temáticos, crucial para situar passagens nas provas:
Blocos de Capítulos | Conteúdo Principal | Destaques |
Capítulos 1 a 20 | Apresentação do Defunto Autor, Dedicatória, Morte, O Emplasto (a ideia fixa), Infância e o "menino diabo", Primeiro amor (Marcela) e o envio para Coimbra. | Óbito do Autor (Cap. 1), Marcela (Cap. 15), O Emplasto (Cap. 2). |
Capítulos 21 a 50 | Retorno ao Brasil, morte da mãe, noivado arranjado com Virgília (frustrado), Amores com Eugênia (a coxa), Virgília casa-se com Lobo Neves, Morte do pai, a briga pela herança. | Coxa de Nascença (Cap. 32), Virgília casada (Cap. 50), A Herança (Cap. 46). |
Capítulos 51 a 90 | Início do adultério com Virgília, Encontros na "casinha" (Dona Plácida), Reencontro com Quincas Borba (o roubo do relógio), Ameaça de separação (nomeação de Lobo Neves), Virgília aborta. | O Vergalho (Cap. 68), Dona Plácida (Cap. 70), A Carta Anônima (Cap. 96). |
Capítulos 91 a 120 | Quincas Borba explica o Humanitismo (Cap. 117), Fim do adultério (Lobo Neves aceita a presidência), Tentativa de Brás de casar-se com Nhã-Loló (morte dela). | O Humanitismo (Cap. 117), Epitáfio (Cap. 125). |
Capítulos 121 a 160 | Brás como deputado (fracassado), Reencontro com Virgília no baile, Morte de Lobo Neves, Encontros finais com Marcela e Eugênia (miseráveis), Morte de Quincas Borba, Conclusão final da vida. | De como não fui ministro d'Estado (Cap. 139/140), Os cães (Cap. 141), O Capítulo das Negativas (Cap. 160). |
A análise das mulheres como "inviáveis" (o foco da fonte primária) é crucial, pois revela o posicionamento moralmente enviesado do narrador. Brás Cubas, um homem fútil e fracassado, projeta seus próprios julgamentos negativos sobre elas, descrevendo-as como dissimuladas, traiçoeiras e interesseiras.
Marcela é a inviável pelo seu passado "impuro", ligada ao profano.
Virgília é inviável por já ter um marido, preferindo o título social ao amor.
Eugênia é inviável por sua deformidade física, não atendendo aos padrões de perfeição social desejados por Brás.
Nhã-Loló é inviável pelo "golpe do destino", morrendo jovem, frustrando o projeto burguês do casamento.
A condição feminina na época era marcada pela subordinação ao homem, e a felicidade era vista ao lado de um marido, pois o casamento garantia reconhecimento e posição social. Marcela, a única a tentar autonomia (herdou uma loja de ourivesaria), viu o negócio fracassar, talvez por ser dirigido por uma mulher (Cap. 38).
Machado é um mestre na utilização da ironia. A ironia não é apenas humor, mas um instrumento para denunciar a hipocrisia da sociedade burguesa.
Exemplo de Ironia Social: O discurso fúnebre no Capítulo 1, onde um dos "amigos" de Brás elogia seu caráter. Brás, o defunto autor, revela que esse orador só estava ali por ter recebido vinte apólices em testamento ("Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei"). A emoção é comprada.
Metalinguagem: O narrador fala diretamente com o leitor ("fino leitor", "caro leitor") e comenta sobre a própria obra, como quando diz que o livro "é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica" (Cap. 71).