
Compreender a Revolução Francesa é fundamental para qualquer estudante de história, pois ela representa um marco divisório entre a Idade Moderna e a Idade Contemporânea, moldando profundamente os conceitos de democracia, direitos humanos e cidadania que conhecemos hoje. Para facilitar o seu aprendizado e garantir um conhecimento aprofundado para concursos e exames, vamos desvendar as causas e antecedentes da Revolução Francesa de forma didática e abrangente, priorizando os pontos mais cobrados e as nuances históricas.
Para entender as causas da Revolução Francesa, é imprescindível mergulhar na estrutura da sociedade e do governo francês no século XVIII, conhecida como Antigo Regime.
Monarquia Absolutista: A França era governada por uma monarquia absoluta, onde o rei, Luís XVI, detinha poder total sobre o governo e a sociedade, fundamentado na teoria do "Direito Divino". O rei governava com o apoio da nobreza, da Igreja e dos militares.
Sociedade Estamental Rígida: A sociedade era dividida em três Estados, ou ordens sociais, com pouca ou nenhuma mobilidade:
Primeiro Estado (Clero): Representava cerca de 1% da população e era amplamente isento de impostos, além de receber dízimos e doações. Havia o Alto Clero (nobre) e o Baixo Clero (popular).
Segundo Estado (Nobreza): Correspondia a aproximadamente 2% da população e também gozava de vastos privilégios, como isenção da maioria dos impostos e recebimento de pensões reais. Era dividida em Nobreza Palaciana, Nobreza Provincial e Nobreza de Toga.
Terceiro Estado (Povo): Constituía a vasta maioria da população, cerca de 97%. Incluía a burguesia (comerciantes, industriais, financistas, profissionais liberais), camponeses (a maioria da população) e as camadas populares urbanas (sans-culottes, artesãos, operários). Esse grupo era responsável pelo desenvolvimento financeiro e comercial do país e arcava com a pesada carga tributária que sustentava o país e os privilégios dos outros dois Estados.
A burguesia, apesar de controlar as finanças e o comércio, e de fornecer quadros administrativos para o Estado, sentia-se barrada em seus interesses particulares pela nobreza e pelo clero. Os camponeses, por sua vez, viviam sob um regime de servidão e exigências medievais, o que gerava grande opressão. A produção agrícola feudal era ineficiente, e as corporações de ofício freavam o desenvolvimento industrial. Essa estrutura social rígida e desigual gerava um enorme descontentamento.
O século XVIII foi marcado por intensas transformações ideológicas, impulsionadas pelo Iluminismo, que se tornou o combustível ideológico para a Revolução Francesa.
Crítica ao Antigo Regime: Pensadores iluministas como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Diderot criticavam as instituições tradicionais, como a monarquia absoluta e a Igreja, desafiando a legitimidade dos privilégios e da desigualdade.
Ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade: O Iluminismo promovia ideias de que a razão poderia aprimorar a sociedade e os governos, clamando por liberdade de expressão, leis justas e a separação de poderes (proposta por Montesquieu). Esses ideais se tornaram a base do bordão revolucionário francês: "Liberte, Egalité, Fraternité".
A Abstração dos Ideais Franceses: Ao contrário da Revolução Americana, que se baseou na experiência de homens práticos envolvidos em assuntos políticos, a Revolução Francesa foi um reflexo da tentativa de colocar em prática ideais abstratos previamente concebidos pela classe intelectual francesa e pelos filósofos iluministas.
Distanciamento da Prática Política: Os intelectuais franceses estavam afastados das funções políticas no Antigo Regime, o que os levou a buscar participação por meio de especulações filosóficas e teóricas. Essa separação entre teoria e prática contrastava com a Inglaterra, onde escritores e governantes cooperavam.
A "Vontade Geral" de Rousseau: A influência de pensadores como Rousseau, considerado por muitos o "pai da Revolução Francesa", é evidente. A Declaração dos Direitos do Homem de 1789, por exemplo, afirma que a lei "é a expressão da vontade geral". A "vontade geral" defendia que "cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral" e que o direito particular está subordinado ao direito da comunidade. Para Rousseau, a vontade geral é "constante, inalterável e pura" e "sempre boa" e "certa". Essa concepção implicava que as pessoas deveriam ser "forçadas a ser livres" se recusassem a obedecer à vontade geral.
O Culto à Razão e a "Religião Revolucionária": O "culto" à razão dos philosophes culminou em uma "religião revolucionária", essencialmente teórica e afastada dos aspectos práticos da realidade. Eles buscavam a "total transformação" do homem e da sociedade através da ação política.
A França estava à beira da falência econômica no período que antecedeu a revolução, um fator crucial e frequentemente cobrado em concursos.
Guerras Custosas: A participação francesa em três guerras sucessivas, especialmente a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e o apoio à Guerra de Independência dos Estados Unidos (1776-1781), gerou uma expressiva quantia de gastos, resultando em um enorme déficit financeiro e enfraquecendo a economia.
Tratados Comerciais Desfavoráveis: Um tratado comercial assinado com a Inglaterra em 1786, semelhante ao "Tratado de Methuen", concedeu grandes vantagens aos ingleses e levou à falência indústrias francesas, aumentando o descontentamento da burguesia.
Crise Agrícola e Fome: As más colheitas a partir de 1787, estendendo-se por 1788 e 1789, causadas por fenômenos climáticos, provocaram um grande aumento no preço do trigo e do pão. O pão era um componente fundamental da dieta popular. Essa escassez e carestia agravaram a miséria e a angústia das classes oprimidas, espalhando desemprego e mendicância. Historiadores como Labrousse (1944) analisam essa crise como uma das causas diretas da explosão revolucionária.
Gastos Excessivos da Nobreza e Realeza: Os luxuosos gastos da nobreza e da família real no Palácio de Versalhes, sustentados pelos impostos do Terceiro Estado, eram motivo de grande indignação. Maria Antonieta, a rainha consorte e esposa de Luís XVI, era particularmente impopular devido à sua vida de luxos e frivolidades, sendo apelidada de "Madame Déficit". A frase atribuída a ela, "Não tem pão? Comam brioche", embora possivelmente anedótica, reflete a percepção da arrogância da elite e sua desconexão com o sofrimento do povo.
Resistência Fiscal da Nobreza: As tentativas de reforma fiscal para contornar a crise, propostas por ministros como Turgot, Necker e Calonne, foram repetidamente bloqueadas pela nobreza, que resistia a qualquer medida que pudesse reduzir seus privilégios e isenções.
A incapacidade do rei Luís XVI e da monarquia em lidar com a crescente crise financeira e o descontentamento social levou à convocação dos Estados Gerais em 1789.
Um Chamado Histórico: Os Estados Gerais eram uma assembleia consultiva que não era convocada desde 1614. Sua reunião, em 8 de agosto de 1788, foi um ato de pressão da nobreza, que visava aproveitar a crise governamental para retomar a autoridade política da qual havia sido despojada pela monarquia absolutista. Esse movimento inicial, por parte da aristocracia, é por vezes chamado de "Revolução Aristocrática".
O Impasse do Voto: A assembleia reunia representantes dos três Estados para debater soluções para a crise. No entanto, um impasse crucial surgiu:
Tradicionalmente, cada Estado se reunia separadamente e votava em bloco, o que garantia a vitória da nobreza e do clero (2 votos contra 1 do Terceiro Estado).
O Terceiro Estado, que tinha o dobro de representantes, propôs o voto por cabeça (individual). Essa proposta não foi aceita por Luís XVI.
A Assembleia Nacional: Em resposta à recusa do rei, os membros do Terceiro Estado, conscientes de si mesmos como classe social, declararam-se em Assembleia Nacional e juraram não se separar enquanto não redigissem uma Constituição para a França. Essa foi a primeira jornada revolucionária.
A partir da formação da Assembleia Nacional, a crise política se intensificou, culminando em eventos que marcaram a eclosão da Revolução Francesa.
A Tomada da Bastilha (14 de julho de 1789): Este evento é o símbolo mais emblemático da Revolução Francesa e da queda do despotismo real. Embora a Bastilha fosse uma prisão com poucos prisioneiros na época, sua queda representou um ato de grande significado simbólico, afirmando o poder revolucionário popular em Paris.
O Grande Medo (14 de julho a 4 de agosto de 1789): Após a Bastilha, uma onda de revoltas camponesas, conhecida como o "Grande Medo", varreu o campo francês. Camponeses invadiram e queimaram castelos feudais, destruindo documentos que registravam as obrigações feudais. Lefèbvre considera este o "golpe mortal" sobre o Antigo Regime.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789): Sob o impacto das ações populares, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou este documento fundamental, inspirado nos ideais iluministas. Ele proclamou a igualdade de todos perante a lei, a liberdade individual e o direito de propriedade privada, além da resistência à opressão. Este documento representou uma ruptura radical com o passado, mas é importante notar que, inicialmente, os direitos das mulheres foram desconsiderados.
Exceção e Luta Feminina: Olympe de Gouges criou a "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã" em 1791 em resposta à ausência de direitos femininos, mas foi acusada de contrarrevolucionária e guilhotinada. As mulheres desempenharam papéis cruciais na Revolução, tanto buscando melhorias econômicas para suas famílias quanto lutando por direitos políticos.
Marcha sobre Versalhes (5 e 6 de outubro de 1789): Uma multidão de mulheres, principalmente as poissardes (peixeiras), marchou de Paris a Versalhes, exigindo pão e a mudança do rei para Paris. Essa marcha forçou Luís XVI e sua família a se mudarem para o Palácio das Tulherias, em Paris, onde poderiam ser mais facilmente vigiados. Esse evento simbolizou a crescente descrença popular na monarquia absoluta e o fim do isolamento real.
O historiador Georges Lefèbvre, em sua análise da Revolução Francesa, realiza, talvez inconscientemente, a noção leninista de "crise revolucionária". Segundo Lenin, uma situação revolucionária exige três condições objetivas:
Impossibilidade da Classe Dominante Manter sua Dominação ("Crise da Cúpula"): A nobreza e a monarquia não podiam mais governar como antes. A contradição entre a nobreza feudal e a monarquia absolutista, especialmente pela convocação dos Estados Gerais, abriu uma "fissura" que permitiu o descontentamento das classes oprimidas. Luís XVI, ao convocar os Estados Gerais, "reuniu o partido da revolução" a pedido da nobreza, que visava recuperar seu poder.
Agravamento Incomum da Miséria e Angústia das Classes Oprimidas: A profunda crise econômica, com a escassez de cereais, carestia e desemprego, tornou a vida das classes populares insuportável. Essa miséria foi decisiva para estimular as revoltas populares.
Ascensão da Atividade Política Independente por Parte das Massas: Impulsionadas pela crise e pela "crise da cúpula", as massas foram empurradas para uma ação histórica independente. Isso se manifestou nos protestos urbanos, na invasão de castelos feudais pelos camponeses e na reivindicação por pão. A burguesia, ao apelar para as camadas mais baixas, contribuiu para o aprofundamento da crise e a aceleração da revolução.
Além dessas condições objetivas, para que a revolução realmente ecloda e seja vitoriosa, é necessário um fator subjetivo: a capacidade da classe revolucionária de conduzir ações de massa suficientemente vigorosas para derrubar o governo antigo. No caso francês, embora não houvesse um partido organizado das massas, a própria contradição entre os feudais e a monarquia acabou fornecendo ao Terceiro Estado a direção e organização política através dos deputados burgueses nos Estados Gerais e dos comitês populares. A crise do Estado monárquico-feudal, incluindo a divisão no aparelho repressivo do Estado (entre oficiais nobres e plebeus, e soldados populares), foi fundamental para o êxito das revoltas populares.
Embora a Revolução Francesa tenha se estendido por anos e passado por diversas fases, o ano de 1789 é considerado a etapa fundamental de sua eclosão e conclusão da "revolução jurídica", com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A Revolução Francesa foi um evento complexo, resultado da intersecção de causas econômicas, sociais, políticas e intelectuais que culminaram na queda da monarquia e na transformação radical da sociedade francesa. Diferentemente da Revolução Americana, que buscou uma restauração de direitos antigos dentro de uma ordem jurídica e resultou na fundação de instituições duradouras com o auxílio de uma Constituição, a Revolução Francesa, com sua ênfase na transformação total da sociedade e do homem, e na busca por ideais abstratos, foi o evento que incendiou o mundo e deu ao termo "revolução" suas conotações modernas de ruptura radical e mudança completa. A falta de memória americana em ressaltar a singularidade de sua própria revolução contribuiu para que a francesa dominasse a narrativa histórica global.
Para concursos e provas, é vital memorizar essa complexa teia de fatores, entendendo que a Revolução Francesa não foi um evento isolado, mas o ápice de décadas de tensões e descontentamentos no Antigo Regime.
Questões de múltipla escolha sobre as Causas e Antecedentes da Revolução Francesa:
Quais eram as causas econômicas que contribuíram para a Revolução Francesa?
A) Crescimento econômico e prosperidade
B) Dívida crescente e crise fiscal
C) Redistribuição equitativa de riquezas
D) Estabilidade financeira do Estado
Qual era uma das causas políticas que geraram insatisfação antes da Revolução Francesa?
A) Descentralização do poder monárquico
B) Fortalecimento dos privilégios da nobreza
C) Participação ativa da classe média na política
D) Abolição total da monarquia
Que movimento intelectual influenciou fortemente os ideais da Revolução Francesa?
A) Renascimento
B) Iluminismo
C) Barroco
D) Romantismo
Gabarito:
B) Dívida crescente e crise fiscal
B) Fortalecimento dos privilégios da nobreza
B) Iluminismo