O Simbolismo representa uma reação estética e filosófica de grande importância na literatura mundial. Para compreender plenamente a obra de Cruz e Sousa, é fundamental dominar o contexto em que o movimento surgiu.
O Simbolismo surge na França no final do século XIX, estreitamente ligado ao Decadentismo. Este movimento consolidou-se como uma revolta frontal contra o espírito positivista e contra os movimentos literários dominantes da época: o Realismo, o Naturalismo e, na poesia, o Parnasianismo.
Enquanto os parnasianos se concentravam na objetividade, no culto à forma perfeita e na descrição do mundo visível, o Simbolismo procurou instalar um credo estético baseado no subjetivo, no pessoal, na sugestão e no vago.
No Brasil, o movimento é inaugurado oficialmente no ano de 1893, com a publicação das obras de João da Cruz e Sousa:
Missal (fevereiro de 1893): obra composta por poemas em prosa.
Broquéis (agosto de 1893): obra em versos, que violenta a estrutura do poema convencional vigente desde os árcades.
Enquanto a Europa vivenciava a insegurança diante do progresso (Revolução Industrial), o Brasil pós-Abolição (1888) e pós-Proclamação da República (1889) estava dividido entre a luta abolicionista e o reavivamento do racismo.
Diferentemente de outras escolas, o Simbolismo Brasileiro ocupou uma posição marginal em relação à literatura oficial.
Os principais representantes da escola simbolista brasileira são Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Alphonsus de Guimaraens, conhecido como o Solitário de Mariana, tinha uma poesia marcada pelo sofrimento da morte de sua noiva, que despertou nele um forte sentimento religioso. Sua obra revela misticismo alegorizante, com alusão a elementos de rituais religiosos como sinos, hinos e cânticos.
As características a seguir definem o programa estético que Cruz e Sousa levou ao extremo, sendo a musicalidade e a sugestão os pilares mais cobrados em exames.
A estética simbolista buscava o misterioso e ilógico. Segundo Mallarmé, o poeta não deveria nomear o objeto, nem mostrá-lo diretamente, mas sim sugeri-lo, evocá-lo pouco a pouco, utilizando o símbolo como processo encantatório.
Falta de Clareza: Os poetas simbolistas consideravam mais importante sugerir a realidade do que delineá-la totalmente.
Indizibilidade: A poesia simbolista frequentemente atinge um limite de expressão, buscando figurar o indizível, aquilo que não se pode dizer claramente através da língua. A linguagem, ao menos em Cruz e Sousa, manifesta-se através da insuficiência significadora, tornando presente o desejo de transcender o dizível.
O poeta simbolista, em fuga da realidade, inclina-se para a elevação mística e para a ênfase na espiritualidade.
Fuga da Matéria: É uma viagem ao mundo invisível e impalpável do ser humano. Busca-se o mundo situado além do real e da razão.
Vocabulário Litúrgico: Para expressar o misticismo, há o uso de vocabulário da liturgia cristã (termos como antífona, missal, ladainha, hinos, breviários, turíbulos e incensos).
O Simbolismo foi a escola literária que mais se vinculou à música. A musicalidade é uma característica marcante da poesia de Cruz e Sousa.
O poeta simbolista francês Paul Verlaine resumiu esse ideal: "de la musique avant tout chose" (a música antes de qualquer coisa). Para a poesia simbolista, a sonoridade da palavra tem valor intrínseco, não importando tanto o significado racional.
A musicalidade é alcançada através de recursos técnicos:
Aliteração: Repetição de fonemas idênticos ou parecidos (sons consonantais). Por exemplo, em Violões que Choravam: "Vozes veladas, veludosas vozes, / Volúpias dos violões, vozes veladas...".
Assonância: Repetição de sons de vogais, especialmente em sílabas tônicas. Por exemplo, em Antífona: "Horas do ocaso, trêmulas, extremas".
Sinestesia: Fusão de impressões sensoriais (mistura de sentidos como audição, visão, olfato, tato). É um recurso chave para a sugestão. Exemplo clássico em Alphonsus de Guimaraens: a fusão entre o contexto físico ("Quando chegaste...") e o emotivo ("até nas nuvens repicaram sinos"). Em Cruz e Sousa: "Brancas sonoridades de cascatas" ou "Ó almas presas, mudas".
A vida de Cruz e Sousa foi marcada por um intenso drama pessoal e social, refletindo-se em sua obra, o que o torna um dos poetas brasileiros mais complexos e testados em concursos.
Filho de escravizados alforriados, Cruz e Sousa recebeu uma educação formal de elite, mas sua condição de homem negro impôs-lhe o preconceito racial ao longo de toda sua vida. Sua dor existencial e sua temática de refúgio no transcendente originam-se do sentimento de opressão provocado pelo drama racial e pessoal que vivia.
Cruz e Sousa expressava essa dor de existir e o sentimento de opressão. Ele utilizava a arte para superar a exclusão, acreditando que a grandeza da arte supera qualquer fator social ou racial.
Apesar da tendência simbolista de fuga da realidade, Cruz e Sousa utilizou sua poesia para denunciar as mazelas sociais e o drama do afro-descendente, inclusive em textos como "Da senzala..." e "Escravocratas".
O poema em prosa "Emparedado" (publicado em Evocações) é o texto onde sua condição de afro-brasileiro "aflora com todo vigor". O texto é um manifesto onde o eu-enunciador relata como se sente cercado (emparedado) por diversas formas de exclusão:
Parede da Direita: Egoísmos e Preconceitos.
Parede da Esquerda: Ciências e Críticas.
Parede da Frente: Despeitos e Impotências.
Parede de Trás (Derradeira): Imbecilidade e Ignorância.
O texto assume uma força revolucionária (o "verbo soluçante") e interioriza a questão social. A frustração e a angústia diante das ideologias racistas conferem um alto grau existencial à sua poesia.
Cruz e Sousa é frequentemente chamado de Dante Negro. No poema em prosa "No inferno", ele encontra o poeta francês Charles Baudelaire, que é seu nume tutelar. Cruz e Sousa demonstra uma profunda apropriação dos motivos baudelairianos, especialmente a luta entre a carne e o espírito, o inferno e o céu.
Baudelaire é figurado como um Santo-Demônio, representando a dupla faceta da poesia: alta e baixa, transcendente e imanente. O inferno, em Cruz e Sousa, torna-se um espaço de refúgio da sensibilidade e de rebelião contra o progresso burguês e o mundo estabelecido. O poeta se sente um "corpo estranho" no campo literário brasileiro.
No plano temático, a obra de Cruz e Sousa é vasta e complexa, navegando entre o etéreo e o carnal.
A dualidade é central. O poeta está constantemente em conflito entre o mundo material (corpo, erotismo, pobreza) e o mundo espiritual (transcendência, misticismo).
Sublimação da Angústia Sexual: Impulsos sexuais são transpostos ou sublimados em ideais. O apreço do poeta pela mulher branca que ele não conseguiu desposar (mesmo que não pretendesse tanto) foi sublimado para os objetos de sua poesia. A Lua e a monja branca da cela constelada tornam-se figuras centrais dessa feminilidade idealizada e etérea, desprovida de corpo carnal.
A cor branca é uma constante na poesia de Cruz e Sousa, ligada ao desejo de pureza, transcendência e ao ideal inatingível. Essa fixação pelo branco e pelo brilho é notada pela crítica. O vocabulário utilizado para evocar o branco é rico, incluindo termos como Níveo (cor de neve, muito branco), Nivoso (cheio de neve) e Ebúrneo (alvo como marfim).
Dúvida Comum: O uso do branco desvincula o poeta de sua negritude? Resposta: Embora seja uma questão crítica, o vocabulário da alvura e da nebulosidade é primariamente uma vinculação à estética simbolista que buscava o ideal e o transcendente. Em essência, a complexidade de sua poesia reside na busca por esse ideal disfarçado.
Em contraste com a busca pelo etéreo, Cruz e Sousa também aborda o erotismo carnal e o sensualismo. O poema "Lubricidade" é um exemplo de audácia temática onde ele exalta a mulher branca (símbolo de pureza social) em toda a sua sexualidade. O eu-lírico assume uma postura desejante, vendo a mulher de forma carnal e corpórea, o que subverte os padrões sociais vigentes.
Uma das características mais importantes para concursos, pois trata-se de uma exceção no movimento simbolista brasileiro, é a influência decisiva do Parnasianismo no plano formal.
A escola simbolista no Brasil, representada por Cruz e Sousa, não rompeu com as regras rígidas das formas fixas.
Preferência pelo Soneto: O poeta utiliza frequentemente o soneto.
Métrica: Preferência por versos decassílabos.
Esquemas Rímicos: Culto à forma e preferência por rimas ricas.
O parentesco é, portanto, somente quanto à estrutura do poema, já que a temática tratada é fundamentalmente diferente das preferidas pelos parnasianos.
A linguagem de Cruz e Sousa é altamente sugestiva, vaga e imprecisa.
Sinestesia: Já detalhada, é o cruzamento de sentidos. Exemplo: a fusão de som e cor em "Harmonias da Cor e do Perfume".
Metáfora e Sugestão: Uso intenso de metáforas, o que leva à sugestão ao invés da explicitação.
Maiúsculas Alegorizantes: Uso de letra maiúscula em substantivo comum para conferir valor absoluto e transcendente ao termo (ex: Dor, Sonho, Música, Morte, Mistério).
A complexidade da poesia de Cruz e Sousa é melhor compreendida na análise de seus poemas mais emblemáticos, muitos dos quais exploram a dualidade temática e formal.
O poema de abertura de Broquéis é uma poética e um manifesto do Simbolismo.
A Indizibilidade da Forma: Antífona exemplifica a dificuldade de nomear e descrever. O verso "Ó Formas alvas, brancas, Formas claras / De luares, de neves, de neblinas!..." mostra uma justaposição cumulativa de adjetivos. Essa insistência no signo "Formas" e a hesitação em adjetivar mostram a dificuldade de dizer, revelando que a essência é imprecisa e resistente à redução.
A Estrutura Musical: O poema se relaciona pelo som e não pelo nexo lógico, funcionando como "notas musicais".
A Oração: Antífona se desenvolve como um clamor e uma exclamação que traduz a admiração (pela vida) e o espanto (pela morte). O desejo é que a vida aconteça, manifestando "o que não se pode dizer num dado lugar social: uma substância real". O título, de origem litúrgica (alternância de corpos corais), remete a essa estrutura de diálogo ou alternância interna.
Este poema em Broquéis é uma evidência da musicalidade formal na obra de Cruz e Sousa, espelhando a estrutura clássica da forma-sonata.
Exposição (Temas A e B):
Estrofe I (Tema A): "Caráter masculino", mais rítmico, reforçado por aliterações repetidas (ma, me, mu).
Estrofe II (Tema B): "Caráter feminino", mais melódico, com léxico leve e o uso de anáforas (repetição de "Canções").
Desenvolvimento (Estrofe III): Os elementos temáticos dos temas A e B são mesclados e justapostos.
Reexposição (Estrofe IV): Retorno do material exposto, dando ênfase ao caráter rítmico (Tema A).
Cruz e Sousa demonstra um profundo interesse em converter a paisagem textual em paisagem sonora, usando a forma musical (Sonata) como elemento concatenador.
Este soneto de Cruz e Sousa é um excelente exemplo da sugestão e do drama existencial simbolista.
A Metáfora Central: O Acrobata da Dor é uma metáfora que simboliza o coração.
A Revelação Gradual: O título já sugere a dor. O coração só é revelado no último verso ("Ri,! Coração, tristíssimo palhaço").
O Drama do Palhaço (Antítese): O poema utiliza a antítese para descrever a dualidade do artista: ele deve "Gargalha, ri" e fazer "macabras piruetas d`aço", mascarando a dor violenta ("estertor dessa agonia lenta").
O Vocabulário: O poeta utiliza um vocabulário erudito e requintado (ex: gavroche, clown, estertor, macabras), comprovando a preocupação formal. A grande quantidade de adjetivos evoca a dor (tormenta, atroz, macabras, tristíssimo).
Este poema reflete a busca pela essência do ser e a integração cósmica.
A Ação Simbólica: O Cavador do Infinito utiliza a "lâmpada do Sonho" para descer "abissalmente em si mesmo". Cavar o infinito significa a busca pelos desejos e ânsias irrealizáveis, uma luta incessante contra a opressão e um esforço para abafar os "gritos soluçados do interior do ser".
A Imprecisão da Linguagem: A profundidade da busca é refletida na utilização de palavras de caráter impreciso (ex: imponderáveis, inefáveis, insondáveis).
O Mito de Sísifo (Analogia Importante): O tema do cavador pode ser comparado ao Mito de Sísifo. Sísifo foi condenado a rolar uma pedra montanha acima, sabendo que ela rolaria de volta, num trabalho inútil e sem esperança. No entanto, a luta incessante ("A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem") se torna o consolo. Da mesma forma, o trabalho do Cavador, mesmo sabendo que o infinito não tem fim, é a persistência na tarefa, que por si só constitui seu próprio mundo.
Pergunta Comum | Resposta Didática Baseada nas Fontes |
O Simbolismo é objetivo ou subjetivo? | Subjetivo. Opõe-se à objetividade parnasiana. Busca o subjetivo, o pessoal, o misterioso e o ilógico. |
Cruz e Sousa era Parnasiano na forma? | Sim, formalmente. Ele demonstra culto à forma, preferindo o soneto em decassílabos e utilizando esquemas rímicos rígidos. Contudo, sua temática é puramente simbolista (misticismo, sugestão). |
O que são Maiúsculas Alegorizantes? | É o uso de letras maiúsculas em substantivos comuns (ex: Dor, Mistério, Música) com a finalidade de lhes dar um valor absoluto e transcendental. |
A "brancura" em Cruz e Sousa nega sua origem negra? | A crítica entende que a obsessão pelo branco está ligada à estética simbolista de busca pelo ideal. É uma sublimação da realidade e do desejo, transpondo o corpo carnal para figuras etéreas como a Lua ou a Monja branca. Contudo, Cruz e Sousa também usou sua prosa (Emparedado) para protestar ativamente contra o racismo. |
Qual é a importância do Misticismo? | O misticismo e o espiritualismo são a fuga da realidade, a viagem ao mundo invisível. O poeta incorpora vocabulário da liturgia cristã para reforçar essa busca transcendente. |
O que Antífona representa? | A "profissão de fé" do Simbolismo no Brasil. É um manifesto estético que inaugura o movimento em Broquéis. |
Formal: Soneto, decassílabo, rimas ricas.
Linguagem: Sinestesia, metáfora, aliteração, assonância. Predominância de substantivos e adjetivos, linguagem vaga e imprecisa.
Temas: Morte, Misticismo, Espiritualidade, Conflito Matéria/Espírito, Sublimação Sexual, Obsessão pelo Branco, Escravidão (em prosa).
Obra | Gênero | Ano de Publicação | Importância |
Missal | Poemas em Prosa | 1893 | Inauguração do Simbolismo no Brasil. Contém os germes do Simbolismo. |
Broquéis | Poesia (Versos) | 1893 | Inauguração do Simbolismo no Brasil. Obra que renovou a expressão poética. Contém Antífona e Sonata. |
Evocações | Poemas em Prosa | 1898 (Póstuma) | Contém Emparedado (protesto racial) e No Inferno (diálogo com Baudelaire). |
Faróis | Poesia | 1900 (Póstuma) | Contém poemas célebres como Violões que Choravam. |
Últimos Sonetos | Poesia (Sonetos) | 1905 (Póstuma) | Contém poemas de alta densidade existencial, como O Assinalado. |