A suspeição do juiz ocorre quando a imparcialidade do magistrado é questionada devido a situações pessoais ou seu posicionamento em relação à lide. A imparcialidade é um valor ético de grande importância para os juristas, tradicionalmente associada às ideias de justiça, igualdade e verdade. Um juiz parcial, que favorece indevidamente uma das partes no processo, é considerado contraditório à própria ideia de justiça.
A essência da imparcialidade é garantir que o juiz não tome partido e não demonstre preferência por um dos litigantes. Isso é fundamental porque, ao decidir um conflito e substituir a vontade das partes, o juiz não pode estar predisposto a favorecer um lado. A imparcialidade é um dever difícil de praticar, pois cada juiz possui suas próprias vivências, caracteres e preferências, o que pode gerar o risco constante de favorecimentos.
O reconhecimento desse valor não torna sua realização fácil; pelo contrário, a imparcialidade é um dever de difícil prática. A ética não é um valor agregado para o juiz, mas sim a essência de sua ação, visto que ele é encarregado de julgar condutas e assegurar direitos.
A imparcialidade é um corolário da igualdade de direitos. A proteção jurídica dos seres humanos depende da aplicação do preceito de que "casos iguais devem ser tratados de modo igual", o que exige que os litígios sejam resolvidos sem considerar as particularidades das pessoas envolvidas, sejam elas homem ou mulher, ricas ou pobres. Para que a justiça seja uma medida objetiva que não privilegia ninguém, a controvérsia exige um exame imparcial.
Além de ser um pilar da igualdade, a imparcialidade é um elemento constitutivo da própria ideia de verdade. Um juiz parcial, condicionado por fatores externos aos fatos em julgamento (como interesse pessoal ou preconceito), não conseguiria realizar uma leitura adequada das provas, afastando-se da justiça. Portanto, o juiz não só deve respeitar as proibições legais à parcialidade (como impedimento e suspeição), mas também se orientar continuamente para o objetivo fundamental de um processo justo e a aproximação da verdade real.
A imparcialidade é, assim, um valor que decorre das noções de igualdade, justiça e verdade. Ela garante que as alegações e provas das partes sejam examinadas por um juiz que não desfavoreça um em benefício do outro, permitindo que o direito devido a cada um seja efetivamente amparado e o conflito encontre uma boa solução.
A suspeição e o impedimento são institutos jurídicos distintos que visam garantir a imparcialidade do juiz. Embora ambos busquem assegurar a confiança das partes na idoneidade da decisão judicial, eles se distinguem pela natureza de suas causas e pelas consequências jurídicas de sua violação.
Impedimento: Possui caráter objetivo. As situações de impedimento são taxativamente previstas em lei e presumem de forma absoluta a parcialidade do magistrado (juris et de jure). Isso significa que, ao ocorrerem, a imparcialidade do juiz é tida como comprometida, sem que haja necessidade de prova adicional.
Suspeição: Possui caráter subjetivo. As hipóteses de suspeição se baseiam em elementos que sugerem dúvida quanto à imparcialidade e exigem que o próprio magistrado as reconheça ou que a parte as comprove. A suspeição gera uma presunção relativa de parcialidade (juris tantum).
Impedimento: Por ter natureza objetiva e ser considerado um vício de maior gravidade, a atuação de um juiz impedido acarreta a nulidade absoluta dos atos praticados. Além disso, a matéria de impedimento é de ordem pública e não se sujeita à preclusão, podendo ser alegada em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julgado da sentença. A sentença proferida por um juiz impedido pode ser objeto de ação rescisória.
Suspeição: Os atos praticados por um juiz suspeito são causas de nulidade relativa. No entanto, a atuação do juiz será considerada válida se a suspeição não for arguida tempestivamente, ou seja, dentro do prazo legal. Se a parte não questionar o fato por petição no prazo da lei, a presunção de parcialidade é ilidida e o juiz passa a ser considerado imparcial, validando sua sentença. Não é cabível ação rescisória com a mera alegação de suspeição.
É fundamental não confundir imparcialidade com neutralidade ou indiferença quanto ao resultado do processo. A imparcialidade exige uma postura sensível e ativa do juiz. A neutralidade, por outro lado, pode significar abstenção ou omissão.
Um juiz imparcial não é passivo, mas atua para favorecer o melhor direito, utilizando os poderes instrutórios que o ordenamento lhe oferece para buscar a verdade dos fatos e embasar a melhor decisão. Ele deve conduzir o processo "sem inclinar a balança" e assegurar tratamento igual às partes.
A neutralidade entendida como indiferença à justiça no processo não é desejável. O magistrado zeloso deve se interessar que o processo leve a um desfecho justo, onde o detentor do melhor direito saia vitorioso.
Contudo, a atuação imparcial deve ocorrer dentro dos limites do ordenamento jurídico, sem subordinação a valores extrajurídicos oriundos de convicções políticas do julgador.
A imparcialidade exige o distanciamento dos jurisdicionados, mas não a insensibilidade quanto aos seus direitos. O juiz deve estar comprometido com a decisão que ampara o direito ameaçado ou violado, não podendo ser neutro ou indiferente.
A ideia de que o juiz deve ser "neutro" no sentido filosófico-axiológico, ou seja, sem emitir juízos de valor, é impossível, pois ele é um ser humano. O que se espera é que ele não seja parcial no sentido de ser parte ou ter interesse na causa, pendendo para um dos lados.
Sob a perspectiva de teóricos como Ronald Dworkin e Robert Alexy, o "princípio" da imparcialidade do juiz não é, de fato, um princípio, mas sim uma regra.
Segundo Dworkin: A imparcialidade não é um padrão prima facie, ou seja, não admite exceções não previstas ou qualquer exceção à sua aplicação. Regras são aplicáveis no modo "tudo-ou-nada", e a imparcialidade se encaixa nessa definição, sendo uma regra no sentido de Dworkin.
Segundo Alexy: A imparcialidade é uma norma que não pode ser cumprida em graus, mas sim cumprida ou descumprida. Não se trata de um "comando de otimização" (princípio no sentido de Alexy), e, portanto, não pode ser "ponderada" com outros princípios. A regra da imparcialidade não admite exceções; em todos os casos em que o juiz puder ser considerado parcial, ele não deve atuar.
Embora seja uma regra, é uma regra geral e indeterminada, que exige regras mais específicas para regulamentar os casos de violações à imparcialidade do juiz.
As causas de suspeição do juiz estão detalhadas no Art. 145 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015) e visam proteger a lisura e a confiança no julgamento. O juiz pode, de ofício, declarar-se suspeito, ou as partes podem arguir a suspeição.
O que diz a lei: O juiz será considerado suspeito se for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados [97, I, 118, 203, I, 208].
Mudança em relação ao CPC/1973: A inclusão dos advogados das partes como motivo de suspeição é uma correção válida, pois a relação do julgador com os patronos da causa afetaria diretamente sua isenção.
Relações em redes sociais: A amizade em redes sociais pode, em tese, conter elementos de suspeição. No entanto, a jurisprudência, mesmo sob o CPC/1973, já indicou que mero contato em rede social, por si só, não demonstra a existência de uma relação interpessoal íntima para configurar amizade íntima.
No Direito Alemão: A existência de relacionamento pessoal (amizade, relacionamento amoroso, inimizade) entre juiz e advogado da causa pode configurar suspeição, especialmente em casos de relacionamento próximo. O simples conhecimento superficial ou a participação em associações com grande número de membros geralmente não são suficientes.
O que diz a lei: O juiz será suspeito se receber presentes de pessoas com interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, ou se aconselhar alguma das partes sobre o objeto da causa, ou ainda se subministrar meios para atender às despesas do litígio [97, II, 118, 203, II, 210, 211].
Presentes e lembranças: A troca frequente de presentes, mesmo pequenos, é característica de relações pessoais íntimas. A lei veda essa cortesia não só entre as partes, mas também entre quaisquer interessados na causa, para evitar que tal comportamento prejudique a imparcialidade do juiz.
Aconselhamento: O juiz não pode aconselhar os litigantes sob pena de prejudicar sua isenção. Contudo, essa vedação não se aplica à tentativa conciliatória, onde o aconselhamento é dirigido a ambas as partes para uma composição amigável. Advertências gerais às partes nos atos do processo também não se confundem com aconselhamento.
O que diz a lei: Há suspeição quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, ou de seu cônjuge ou companheiro, ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive [97, III, 118, 203, III].
Justificativa: Essa causa de suspeição decorre da natural inclinação do magistrado em resolver a lide para beneficiar ou prejudicar terceiros devido à sua relação negocial. Incluir a família do juiz (cônjuge, companheiro, parentes até o terceiro grau em linha reta) reflete a ideia de que o núcleo familiar compartilha do mesmo patrimônio e aspirações pessoais, evitando que pairasse a dúvida de que a decisão beneficiasse o juiz ou sua família, prejudicando a jurisdição.
O que diz a lei: O juiz é suspeito se estiver interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes [97, IV, 118, 203, IV].
Princípio nemo iudex in causa sua: Esta regra é um reforço do óbvio: ninguém pode ser juiz em causa própria. Embora os motivos de suspeição sejam geralmente taxativos, esta norma é um "conceito vago" ou de "encerramento", que permite a avaliação caso a caso para verificar se o juiz tem interesse no desfecho da causa. No Direito alemão, isso se assemelha à hipótese de "perigo de parcialidade".
O juiz poderá declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões [98, §1º, 191, 203, §1º]. Essa é uma via subjetiva para o magistrado reconhecer sua própria impossibilidade de julgar imparcialmente, mesmo que não se enquadre em nenhuma das condições objetivas ou subjetivas expressas em lei.
A alegação de suspeição será ilegítima quando [98, §2º, 203, §2º]:
Houver sido provocada por quem a alega [98, §2º, I, 203, §2º, I, 210].
A parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido [98, §2º, II, 203, §2º, II]. Essa regra busca evitar que a parte se beneficie de sua própria torpeza ou de táticas protelatórias.
O impedimento do juiz é uma proibição objetiva ao exercício de suas funções jurisdicionais, ocorrendo quando o magistrado se enquadra em uma das hipóteses do Art. 144 do Novo CPC. Essas causas têm uma presunção absoluta de parcialidade e acarretam a nulidade dos atos praticados.
O juiz está impedido de atuar em processo em que [92, I, 116]:
Interveio como mandatário da parte;
Oficiou como perito;
Funcionou como membro do Ministério Público;
Prestou depoimento como testemunha.
O juiz está impedido de atuar em processo de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão [92, II, 116]. Uma exceção a esta regra é a Súmula 252 do STF, que estabelece que "na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo".
O juiz está impedido quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive [92, III, 116, 117].
Condição temporal: O impedimento só se verifica se o defensor público, advogado ou membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz [94, §1º].
Extensão a escritórios de advocacia: O impedimento também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição prevista no inciso III, mesmo que não intervenha diretamente no processo [94, §3º]. Isso visa evitar situações em que um familiar do juiz atua indiretamente no caso.
O juiz está impedido quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive [93, IV, 116].
O juiz está impedido quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo [93, V, 116].
O juiz está impedido quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes [93, VI, 116].
O juiz está impedido em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços [93, VII, 116].
O juiz está impedido em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório [93, VIII, 117].
O juiz está impedido quando promover ação contra a parte ou seu advogado [94, IX, 197]. O STJ entende que, nessas situações, há um impedimento absoluto e não é lícito ao juiz presidir nenhum processo que envolva parte ou advogado com quem litiga, produzindo efeitos expansivos para outros processos envolvendo o mesmo desafeto.
É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz [94, §2º]. Isso impede que as partes tentem artificialmente criar uma situação de impedimento para afastar o juiz do processo.
Quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, o primeiro que conhecer do processo impede que o outro nele atue. Nesse caso, o segundo juiz deve escusar-se e remeter os autos ao seu substituto legal.
O Código de Processo Penal (CPP) também estabelece normas para a suspeição e o impedimento do juiz, com o objetivo de assegurar a imparcialidade no processo criminal. Embora haja semelhanças com o CPC, existem particularidades na abordagem penal.
O Art. 252 do CPP, semelhante ao Art. 144 do CPC, prevê as hipóteses de impedimento com base em critérios objetivos. As causas incluem situações como o juiz ser parente de uma das partes, ter atuado anteriormente em outro processo com uma das partes, ou ter sido testemunha.
O Art. 254 do CPP, correspondente ao Art. 145 do CPC, trata das hipóteses de suspeição, que são de natureza subjetiva. Dentre elas, destacam-se:
Ser amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes [118, 217, I].
Ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, responder a processo por fato análogo sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia [217, II].
Ele, seu cônjuge, ou parente (consanguíneo ou afim, até o terceiro grau), sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes [217, III].
Ter aconselhado qualquer das partes [217, IV].
Ser credor ou devedor, tutor ou curador de qualquer das partes [118, 217, V].
Ser sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo [217, VI].
No processo penal, a atuação de juiz suspeito é causa de nulidade absoluta. Em relação ao impedimento, o vício é considerado ainda mais grave, acarretando a inexistência do ato jurídico, sendo insanáveis as decisões proferidas por juiz impedido.
É possível invocar causas de suspeição do Art. 145 do Novo CPC por analogia em matéria penal, já que há semelhança nos conceitos.
O procedimento para arguir a suspeição ou o impedimento de um juiz é crucial para a garantia de um processo justo. No Novo CPC, a alegação se dá por meio de um incidente de suspeição e impedimento, substituindo a antiga "exceção de impedimento" do CPC/1973.
Prazo: A parte interessada deve alegar o impedimento ou a suspeição no prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato. No processo penal, a arguição deve ser feita "desde cedo", antecedendo qualquer outra tese, salvo motivo superveniente.
Formato: A alegação deve ser feita em petição específica dirigida ao juiz do processo.
Conteúdo: A petição deve indicar o fundamento da recusa, podendo ser instruída com documentos que comprovem a alegação e com rol de testemunhas. Em caso de suspeição por foro íntimo, o juiz não precisa declarar suas razões.
Preclusão: Se o julgador não se declara suspeito, o ônus de comprovar a parcialidade é da parte que a alega, sob pena de preclusão caso não questione o fato no prazo legal.
Reconhecimento pelo Juiz: Se o juiz reconhecer o impedimento ou a suspeição ao receber a petição, ele ordenará imediatamente a remessa dos autos ao seu substituto legal [100, §1º, 221].
Não reconhecimento pelo Juiz: Caso contrário, o juiz determinará a autuação da petição em apartado e, no prazo de 15 dias, apresentará suas razões, acompanhadas de documentos e rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa do incidente ao tribunal [100, §1º, 221].
No Tribunal: Distribuído o incidente, o relator deverá declarar seus efeitos:
Sem efeito suspensivo: o processo principal continuará a correr [100, §2º, I, 221].
Com efeito suspensivo: o processo principal permanecerá suspenso até o julgamento do incidente [101, §2º, II, 221].
Enquanto o efeito não for declarado ou se for recebido com efeito suspensivo, a tutela de urgência será requerida ao substituto legal [101, §3º].
Rejeição: Se o tribunal verificar que a alegação de impedimento ou suspeição é improcedente, a rejeitará [101, §4º].
Acolhimento: Se a alegação for acolhida:
Em caso de impedimento ou manifesta suspeição, o tribunal condenará o juiz nas custas e remeterá os autos ao seu substituto legal, podendo o juiz recorrer da decisão [101, §5º, 222].
O tribunal fixará o momento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado [102, §6º].
Será decretada a nulidade dos atos do juiz, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou de suspeição [102, §7º, 111, 206, 222].
Uso Abusivo: O uso abusivo ou infundado da exceção de suspeição, com o intuito protelatório ou ofensivo, pode ser sancionado com multa.
Os motivos de impedimento e de suspeição não se restringem aos juízes, aplicando-se também a:
Membros do Ministério Público [104, I, 105, 1, 222].
Auxiliares da justiça [104, II, 105, 2, 222].
Demais sujeitos imparciais do processo [104, III, 105, 3].
A parte interessada deve arguir o impedimento ou a suspeição desses outros sujeitos em petição fundamentada, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos [104, §1º, 105, 222]. O juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de 15 dias e facultando a produção de prova [104, §2º].
A arguição de impedimento ou suspeição de testemunhas possui regramento diverso e não se aplica o procedimento acima [105, §4º].
No processo penal, a arguição de suspeição deve ser realizada desde cedo, antecedendo qualquer outra tese, salvo quando fundamentada em motivo superveniente.
Acusação: Se o motivo da suspeição já for de conhecimento do MP, a acusação deve apresentar a exceção de suspeição por ocasião do oferecimento da peça acusatória.
Defesa: Em sede defensiva, deverá ser arguida no momento de apresentação da resposta à acusação (Art. 396-A do CPP).
Fatos Supervenientes: Se o juiz suspeito assumir a competência durante o processo ou se a parte tomar conhecimento da circunstância de suspeição posteriormente, a exceção deve ser oposta imediatamente. A inércia da parte pode levar à preclusão do direito.
Reapreciação no Penal: Diferentemente do cível, no processo penal, mesmo diante da preclusão, a doutrina entende que, se comprovado que um juiz suspeito proferiu decisão, a matéria pode ser levada à apreciação do Tribunal via habeas corpus ou revisão criminal.
A imparcialidade do juiz é um pilar do Estado Democrático de Direito, e as propostas de ativismo judicial que defendem uma parcialidade "positiva" do juiz são rejeitadas pelas fontes.
Conforme já destacado, imparcialidade não significa neutralidade ou indiferença. A imparcialidade exige um juiz atuante, ativo, preocupado com o desfecho justo do processo e com a tutela efetiva dos direitos subjetivos, indo além da mera correção formal dos procedimentos. O juiz deve favorecer a parte que possui o melhor direito.
No entanto, essa postura ativa deve se dar dentro dos limites do ordenamento jurídico, respeitando os valores legalmente fixados. Não pode ser substituída por um "ativismo" dissociado do dever de imparcialidade. Um juiz dirigente e participativo, com poderes de instrução, que busca a verdade dos fatos, não se confunde com um juiz parcial que intencionalmente se afasta da verdade.
Nos últimos anos, surgiram vozes na doutrina brasileira defendendo que o juiz deveria ser parcial, ou ao menos "desequilibrar a balança" para promover a igualdade ou favorecer o litigante "socialmente mais frágil". Essas propostas, baseadas em ideologias igualitárias, defendem um modelo de juiz não apenas ativo, mas ativista.
Argumentos da "Parcialidade Positiva":
Fábio Konder Comparato: Argumenta que a justiça moderna se desconectou da "sensibilidade valorativa". Para ele, a "verdadeira justiça é sempre parcialíssima", não se coadunando com equidistâncias formais. Questiona se a justiça deveria "descer" aos jurisdicionados e ver a fragilidade social das partes, em vez de apenas os direitos estatuídos.
Rui Portanova: Afirma que a aplicação do princípio da isonomia exige uma "igualização" quando há desigualdades reais. O juiz deveria "investigar os desequilíbrios existentes entre as partes e, depois, agir de forma concreta e efetiva para equilibrar as posições". Para ele, a imparcialidade não pode ser "capa" para perpetuar explorações sociais, e o juiz não pode ser apenas "longa manus" do legislador.
Artur César de Souza: Defende a "parcialidade positiva" ou "ativismo judicial" baseado no reconhecimento da "alteridade do outro", especialmente dos pobres e socialmente fragilizados. Propõe que o juiz deve se libertar de sua "subjetividade egoística" para alcançar o "excluído", mesmo que isso conflite com exigências jurídico-positivas. A decisão judicial seria um ato de vontade, de escolha em favor dos menos favorecidos.
Rejeição da "Parcialidade Positiva":
As propostas de ativismo judicial que defendem ações exageradas de igualação ou "parcialidade positiva" são rejeitadas.
O juiz deve atuar para proteger os direitos previstos no ordenamento, não para atender expectativas sociais não previstas na legislação ou se subordinar a valores extrajurídicos de convicções políticas.
Para Calamandrei, a independência da justiça em relação à política é fundamental. A lei abstrata e impessoal preexiste à sentença. O juiz não pode agir retificando ou ignorando a lei para consagrar sua própria opinião ou favorecer uma das partes.
Fazzalari considera os reclamos por proteção especial ao "litigante mais frágil" um slogan sem fundamento, pois o juiz deve ser fiel aos valores constitucionais e legais. As medidas de compensação para "fragilidades sociais" devem ser determinações jurídicas e não escolhas do juiz.
Norberto Bobbio defende que o juiz deve ser independente, apolítico e imparcial. "Apolítico" significa acatamento dos "valores políticos dominantes" consagrados nas normas, não afastamento da vida social. O juiz que se afasta dos padrões do ordenamento e decide politicamente corre o risco de ser parcial e frustrar sua missão.
Miguel Reale adverte que a atuação do juiz, embora ética, não pode abandonar o ordenamento jurídico, sob risco de adentrar a perigosa via do arbítrio, incompatível com a segurança jurídica.
Favorecer o litigante "pobre" ou "excluído" com tratamento não previsto em lei positiva desrespeita direitos constitucionais do outro litigante, como a legalidade e a segurança jurídica. Uma decisão que abandona critérios jurídicos por preferências políticas não pode ser justa ou democrática.
Mesmo autores favoráveis à discricionariedade do juiz, como Cappelletti, ressaltam que esta não é arbitrariedade. O juiz está sujeito a limitações processuais, como a imparcialidade, para garantir tratamento equânime às partes, mantendo a "balança equilibrada". O desequilíbrio proposital converteria o juiz em "justiceiro", afastando-o de sua nobre missão.
Os autores que defendem a parcialidade "positiva" criticam e sugerem modificações nos famosos atributos figurativos da justiça: a balança, a espada e a venda nos olhos.
Venda nos olhos: Para Comparato, simboliza "não conhecimento" e "insensibilidade". Para Portanova, é "temeridade dar uma espada a quem está de olhos vendados", e a justiça deveria ter os olhos abertos para ver as desigualdades. Souza propõe retirar a venda para reconhecer a "alteridade do outro" e suas carências.
Visão tradicional: A venda nos olhos significa que o juiz "não deve ver" quem são as partes (suas condições, peculiaridades e diferenças) para que possa "ver melhor" quem possui o direito ou a posição jurídica de vantagem.
Balança: Portanova afirma que a balança muitas vezes está desequilibrada e o correto é que a justiça a equilibre. Souza sugere que a balança, diante da realidade latino-americana, deve ser desequilibrada para representar as desigualdades sociais.
Visão tradicional: O juiz deve manter a balança equilibrada, ponderando os interesses envolvidos de modo super partes e desapaixonado, para dar razão ao melhor direito. O desequilíbrio proposital é um equívoco.
Espada: Souza propõe que a espada deveria ser substituída por uma "lupa" para avistar as concepções ideológicas por trás do ordenamento jurídico capitalista.
Visão tradicional: A espada simboliza o momento de "comando" da sentença, precedida pelo manejo da balança.
A proposta de "parcialidade do juiz" é uma tendência teórica que não merece prosperar, para o bem das garantias do cidadão.
Um dos casos mais emblemáticos e debatidos recentemente no Brasil sobre a imparcialidade do juiz foi o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos processos da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 9 de março de 2021, a Segunda Turma do STF retomou o julgamento do Habeas Corpus (HC) 164.493, que questionava a imparcialidade de Sérgio Moro. Após intensos debates, a Turma, por maioria, reconheceu a suspeição de Sérgio Moro e declarou a nulidade dos atos processuais desde o recebimento da denúncia nas ações penais envolvendo o ex-presidente.
A defesa de Lula sustentou a parcialidade do magistrado com base em uma série de fatos e atos processuais, muitos dos quais revelados por diálogos da Operação Spoofing (mensagens de Telegram). Os principais argumentos foram:
Condução Coercitiva Ilegal: Decisão de 4 de março de 2016 que ordenou a espetaculosa condução coercitiva de Lula, sem prévia intimação para depoimento. Essa medida foi duramente criticada e, posteriormente, o plenário do STF reconheceu a inconstitucionalidade do uso da condução coercitiva como medida de instrução criminal. Diálogos da Lava Jato revelaram que a própria equipe do MPF estava dividida e discutia a intenção de "atingir o Lula na cabeça" como prioridade número um.
Arbitrária Quebra de Sigilo Telefônico: Autorização para interceptação de ramais telefônicos de Lula, seus familiares e até de advogados, incluindo o ramal tronco do escritório de advocacia Teixeira Martins. Apesar de ter sido comunicado pelas operadoras de telefonia que o terminal pertencia ao escritório de advocacia, o juiz não tomou providências imediatas. Mensagens revelaram a preocupação dos procuradores em alinhar um "storytelling" para justificar o injustificável e a percepção de que "interceptação de escritório de advocacia é coisa de regime totalitário".
Divulgação Ilegal de Áudios: Divulgação, em 16 de março de 2016, do conteúdo de áudios captados em decorrência das interceptações telefônicas autorizadas. Essa divulgação ocorreu em um momento de forte polarização política, com a então presidente Dilma e Lula sendo as principais figuras públicas "hostilizadas". A divulgação de vazamentos "seletivos e manipulados" foi um evento midiático que transformou Moro em "herói Nacional".
Sentença Condenatória Considerada Injusta: A condenação de Lula em 12 de julho de 2017, na ação penal do chamado "caso triplex". A defesa apontou que a sentença continha expressões de percepção do juiz sobre uma atuação "abusiva" da defesa e que o magistrado se sentiu "agredido e provocado" pelas partes, adjetivando a atuação da defesa como "comportamentos processuais inadequados".
Atuação Impeditiva à Ordem de Soltura: A atuação do juiz Moro para impedir o cumprimento da ordem de soltura de Lula exarada pelo desembargador Rogério Favreto em 8 de julho de 2018. Diálogos revelaram que os membros da força-tarefa se articularam ativamente para impedir a decisão do TRF-4 e previam estratégias de "revanche" contra o magistrado.
Aceitação de Cargo Político: A aceitação do convite do então presidente eleito em 2018 para o cargo de Ministro da Justiça, indicando que toda a situação pretérita estaria voltada a esse objetivo. Juristas nacionais e internacionais assinaram cartas pedindo a libertação de Lula e a anulação dos processos, afirmando que "a justiça foi instrumentalizada para fins políticos" e que o ex-presidente foi "vítima de perseguição política". A própria força-tarefa de Curitiba teria reunido elementos para formar um juízo de que Moro "sempre violava o sistema acusatório".
As mensagens trocadas entre Moro e os procuradores da Lava Jato, apreendidas na Operação Spoofing, foram consideradas elementos cruciais para evidenciar a violação da imparcialidade. O STF reconheceu a licitude da utilização desses diálogos como meio de prova, pois se tratavam de elementos que reforçavam as alegações da defesa.
A decisão da Segunda Turma do STF decretou a nulidade integral de todos os atos processuais no processo, desde o seu início, sem a possibilidade de convalidação dos atos instrutórios, por estarem irremediavelmente "tisnados pelo vício insanável da parcialidade". Isso se alinha à teoria da árvore envenenada (ou dos frutos da árvore envenenada), onde as provas obtidas ilegalmente contaminam todo o processo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que o reconhecimento da suspeição de um juiz em um processo pode atingir todos os outros processos que envolvam o mesmo desafeto. Isso significa que, se a neutralidade e a imparcialidade do juiz são comprometidas em relação a uma parte ou advogado em um processo, essa quebra de neutralidade se estende aos demais processos, inviabilizando a atuação do magistrado em quaisquer deles, independentemente de expressa manifestação em cada caso individualmente.
O Direito alemão, assim como o brasileiro, consagra o princípio da imparcialidade do juiz, embora não o faça de forma expressa na Constituição Federal (Lei Fundamental). A imparcialidade é derivada de normas que garantem a independência do juiz e o juiz legal (juiz natural).
O Direito Processual alemão distingue dois tipos de vedações à atuação dos juízes:
Exclusão por força de lei (§ 41 do Código de Processo Civil e §§ 22 e 23 do Código de Processo Penal): Casos em que o motivo da rejeição está expressamente previsto em lei. No processo civil, inclui situações em que o juiz é parte, tem parentesco com a parte, atuou como procurador, perito, árbitro ou mediador, ou participou da decisão em processo de longa duração. No processo penal, envolve situações em que o juiz foi vítima do crime, tem relação de parentesco com o acusado ou vítima, ou atuou como servidor da promotoria, policial, advogado, testemunha ou perito, ou ainda participou da prolação da decisão impugnada.
Suspeição por parcialidade (§ 42 do Código de Processo Civil e § 24 do Código de Processo Penal): Engloba todos os outros motivos não previstos expressamente em lei que possam levar à suspeita de imparcialidade do juiz. A lei não aponta o motivo concreto, mas determina que o juiz será recusado quando houver "motivo que seja apropriado para justificar desconfiança sobre a imparcialidade de um juiz".
O Tribunal Constitucional Federal alemão já decidiu que, para justificar a suspeição, não é preciso provar que o juiz de fato agiu ou agirá de forma imparcial, bastando a demonstração da aparência da parcialidade. Ou seja, se, após uma "avaliação razoável" das circunstâncias, houver dúvidas sobre sua imparcialidade, a suspeição se justifica. Essa diretriz se alinha à ideia de que "a justiça não só precisa ser realizada, mas também precisa ser percebida como realizada".
No Direito alemão, a casuística é fundamental para determinar se a relação entre juiz e advogado enseja suspeição, visto que não há normas específicas tratando de todas as situações.
A doutrina e a jurisprudência alemãs consideram evidente a suspeição do juiz quando ele possui relação de parentesco com o advogado da causa. Embora não se encaixe diretamente nos casos de exclusão por força de lei (que se referem ao parentesco com a parte), essa situação se enquadra na suspeição por parcialidade. A ausência de decisões de tribunais superiores sobre o tema sugere que a questão é tão óbvia que é resolvida nas instâncias inferiores.
Relacionamento próximo: Em casos de amizade íntima, relacionamento amoroso, noivado, ou contato social próximo, a existência de suspeição do juiz é majoritária na jurisprudência alemã. Exemplo inclui o advogado de uma das partes ser padrinho de casamento do juiz.
Conhecimento superficial: Quando o juiz conhece apenas superficialmente o advogado da causa (ex: membros da mesma associação com grande número de membros), geralmente não há suspeição. Contudo, se a associação tiver um pequeno número de membros (menos de 200), a tendência é que a suspeição seja fundamentada, embora haja exceções.
A jurisprudência alemã entende que o juiz deve ser recusado por suspeita de imparcialidade em casos como este. O Tribunal Federal decidiu, em 2012 e 2018, que a suspeição ocorre quando o cônjuge do juiz atua como advogado no escritório que defende uma das partes. Isso demonstra que a relação de parentesco com um advogado no mesmo escritório é motivo suficiente para suspeição.
Aplicam-se as mesmas diretrizes dos casos de relacionamento pessoal direto entre juiz e advogado. Se houver uma relação pessoal forte (amizade próxima, relacionamento amoroso) entre o juiz e um advogado que trabalhe no mesmo escritório do advogado da parte, a suspeição se justifica. Por outro lado, um mero "conhecimento" não é suficiente.
No passado, o Direito Administrativo alemão previa impedimentos genéricos para a atuação de advogados com base em relação de parentesco com o juiz de uma corte. Essas regras, contidas no § 20 da Lei Federal dos Advogados (BRAO) de 1959, eram bastante restritivas, proibindo o registro de advogados junto a cortes onde seu cônjuge ou parentes até determinado grau atuassem como juízes.
Esses dispositivos foram revogados em 2001 e substituídos por novas regras no § 7 da BRAO que tratam de outras situações, não relacionadas ao parentesco entre juiz e advogado. A revogação não significou que a questão deixou de ser regulamentada, mas que os meios processuais (exclusão e suspeição), que já existiam, passaram a ser os únicos instrumentos para efetivar a imparcialidade nesses casos. Essa mudança é vista como uma medida de confiança na capacidade do judiciário alemão de fazer valer a regra da imparcialidade através de seus próprios mecanismos processuais.
Suspeição do juiz é quando a imparcialidade de um magistrado é colocada em dúvida devido a relações pessoais ou circunstâncias que podem influenciar seu julgamento em um processo.
A suspeição é de natureza subjetiva, baseada em elementos que sugerem dúvida sobre a imparcialidade (ex: amizade íntima). Ela gera uma presunção relativa de parcialidade e deve ser arguida em prazo específico, sob pena de preclusão. O impedimento é de natureza objetiva, com causas taxativamente previstas em lei (ex: parentesco com a parte). Ele gera uma presunção absoluta de parcialidade, e a nulidade de atos praticados por juiz impedido é absoluta, não se sujeitando à preclusão.
Se o juiz não se declarar suspeito por conta própria, o ônus de comprovar a parcialidade recai sobre a parte que a alega, e isso deve ser feito dentro do prazo legal de 15 dias.
Sim, o juiz pode declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem que haja a necessidade de declarar as razões que o levaram a essa decisão.
Não. A imparcialidade exige um juiz ativo que busca o desfecho justo e o melhor direito dentro dos limites da lei. A neutralidade, se entendida como indiferença ao resultado ou abstenção, não é esperada nem desejável, pois o juiz deve ter o compromisso com a justiça.
No processo civil, a parte deve alegar a suspeição ou impedimento em 15 dias a contar do conhecimento do fato. No processo penal, a arguição deve ser feita "desde cedo", preferencialmente no oferecimento da peça acusatória (MP) ou na resposta à acusação (defesa), ou imediatamente após tomar conhecimento do motivo.
Sim, os motivos de impedimento e suspeição se aplicam também aos membros do Ministério Público, aos auxiliares da justiça e aos demais sujeitos imparciais do processo.
Se a alegação for acolhida pelo tribunal, os atos praticados pelo juiz desde o momento em que o motivo de suspeição ou impedimento surgiu serão declarados nulos. No caso de impedimento, a nulidade é absoluta; na suspeição, é relativa, mas, se comprovada, também anula os atos.
Sim, no caso de Sérgio Moro, as mensagens obtidas na Operação Spoofing foram consideradas pelo STF como elementos cruciais para comprovar a quebra de imparcialidade, levando à anulação dos atos processuais. A validade de tais provas para fins de defesa pode ser reconhecida em um juízo de ponderação de direitos.