O Expressionismo foi um movimento artístico e cultural de vanguarda que emergiu na Alemanha no início do século XX, sendo um dos primeiros representantes das chamadas "vanguardas históricas". Mais do que um mero estilo, representou uma atitude e uma nova forma de entender a arte, sendo transversal a diversas manifestações como artes plásticas, arquitetura, cinema, teatro, dança, música, fotografia, e, claro, a literatura.
A importância do Expressionismo na literatura reside no seu foco principal: a expressão subjetiva e a visão interior do artista — a "expressão" — em oposição à observação objetiva da realidade — a "impressão". Ao valorizar aspectos irracionais e instintivos, a estética expressionista buscava:
Criar a realidade de dentro para fora, ao invés de meramente captá-la.
Transmitir emoções e sentimentos profundos, muitas vezes relacionados à angústia da condição humana.
Exercer uma crítica contundente à sociedade burguesa e aos valores tradicionais.
O Expressionismo surgiu em um período de profundas transformações e crises na Europa, especialmente na Alemanha, nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Reação ao Positivismo: O movimento nasceu como uma reação ao positivismo associado a estilos anteriores, como o Impressionismo e o Naturalismo. A crença no progresso ilimitado, baseado na ciência e na técnica, estava em declínio, dando lugar a um clima de pessimismo, ceticismo e descontentamento.
O Drama da Modernidade: A rápida urbanização, a automatização industrial em larga escala e o crescimento das metrópoles causaram um sentimento de alienação e isolamento no indivíduo. A arte, nesse contexto, buscava captar o drama da existência humana.
O Horror da Guerra (Fator Catalisador): O advento da Primeira Guerra Mundial (I GM) influenciou profundamente a estética expressionista, revelando um mundo caótico, violento e moribundo. A guerra, com sua virulência e horror, levou os autores a refletirem um sentimento de desconcerto e repúdio ao absurdo da experiência militar. Muitos poetas que colaboravam com revistas expressionistas acabaram morrendo nos fronts.
A diferença essencial do Expressionismo em relação à vanguarda que o precedeu, o Impressionismo, é crucial para a compreensão do movimento:
Movimento | Direção do Olhar | Objetivo Principal | Técnica Dominante |
Impressionismo | Exterior para o interior (Impressão) | Captar a luz e a sensação do momento | Observação da realidade |
Expressionismo | Interior para o exterior (Expressão) | Deformar a realidade para expressar sentimentos | Visão pessoal e intuitiva |
Embora o Expressionismo tenha sido diversificado, com estilos coexistentes (do modernista ao abstrato), a literatura expressionista adotou características formais e temáticas específicas, muitas vezes com um tom épico, exaltado e patético.
A literatura expressionista caracteriza-se pela dimensão subjetiva do autor.
O artista buscava expressar seu mundo interior, uma "expressão" de seus próprios sentimentos, defendendo a liberdade individual.
Havia um mergulho na psique: o movimento envolvia a investigação detalhada do inconsciente dos personagens e a descrição pormenorizada de sua interioridade.
Os temas proibidos — como o excitante, diabólico, sexual, fantástico ou perverso — eram privilegiados.
A deformação, que era visual nas artes plásticas, manifesta-se na literatura através de recursos linguísticos específicos:
Estética do Feio e Grotesco: A literatura expressionista abraçou uma estética do feio, do perverso, do deforme e do apocalíptico. O pendor pelo repulsivo e repugnante era uma forma de denunciar a dominação e reificação da sociedade industrial.
Quebra da Kalokagathía (Exceção/Exame): O Expressionismo rompeu o princípio clássico grego da kalokagathía (a união entre o belo e o bom). Nesta nova estética, o Belo e o Feio são nivelados e mesclados, capazes de expressar as contradições da modernidade. O feio se tornou um valor estético capaz de ampliar as fronteiras da arte, agindo como um protesto contra a moral tradicional.
Linguagem Figurada Excessiva: Utilizava-se uma linguagem concisa, crua, concentrada e repleta de linguagens figuradas excessivas ou burlescas.
O Expressionismo marcou uma ruptura radical com a sintaxe e as convenções da linguagem tradicional, aspecto crucial para exames de literatura:
Alogia e Descontinuidade (SEO): A sintaxe da narrativa expressionista é frequentemente marcada pela descontinuidade, quebra da sucessão cronológica e rejeição da lógica discursiva. A sintaxe desmembra-se, com a redução a expressões nominais primitivas e a renúncia às relações sintáticas lógicas.
Metáfora Absoluta: O uso de metáforas é priorizado em detrimento de comparações. Os poetas recorriam a um uso inusitado da metáfora, forçando uma união irreal daquilo que é real e logicamente irreconciliável. Este é o conceito de "metáfora absoluta" ou "desvio irredutível", onde o poeta consegue "nomear o inominável", criando novas significações a partir da colisão de termos díspares.
O Papel da Imagem Visual: A lírica expressionista priorizava a visualidade em suas metáforas, transformando o poema em um conjunto imagético, onde sentido e imagem se confundem.
O Expressionismo literário foi amplamente difundido por revistas, que funcionavam como plataformas para a publicação e o debate de ideias de vanguarda:
Der Sturm (A Tempestade): Editada por Herwart Walden, foi a mais influente, circulando entre 1910 e 1932. Walden foi fundamental para popularizar o termo "expressionismo".
Die Aktion (A Ação): Fundada por Franz Pfemfert, era uma publicação mais politizada, com foco em temas sociais e alinhada às ideologias de esquerda. Em 1914, tornou-se o "centro da poesia anti-bélica".
Outras revistas incluíam Die Weissen Blätter (As Folhas Brancas) e Der Stürmer (O Tempestuoso).
Autor | Gênero | Obras e Foco Temático |
Georg Trakl (1887-1914) | Lírica (Poesia) | Nome mais importante da escola. Autor de Poesias e Grodek. Foco na decomposição, melancolia, esvaziamento do eu lírico e no horror da guerra. Usava metáforas absolutas. |
Franz Kafka (1883-1924) | Narrativa (Prosa) | Expressou o absurdo da existência, a solidão, a insegurança e a alienação do ser humano moderno. Sua escrita é dura, seca e, muitas vezes, psicobiográfica, como em A Metamorfose (1915), refletindo seus conflitos paternos. |
Kurt Pinthus | Poesia (Antologista) | Editor da antologia Sinfonia da Jovem Poesia (1920), também conhecida como Menschheitsdämmerung (Crepúsculo da Humanidade), termo que captura a noção ambígua de alvorecer e entardecer do Expressionismo. |
Alfred Döblin | Narrativa | Foco no realismo crítico pós-guerra, como em Berlim Alexanderplatz (1929). |
Frank Wedekind | Teatro | Precursor da literatura expressionista, criticando a moral burguesa. |
O Expressionismo, juntamente com outras vanguardas europeias, influenciou o Modernismo brasileiro, sendo essencial para o estudo de autores como:
Mário de Andrade (Paulicéia Desvairada, Macunaíma).
Oswald de Andrade (Pau-Brasil).
Anita Malfatti e Lasar Segall (que também atuaram nas artes visuais e foram intro-dutores das vanguardas no Brasil).
O conceito de Montagem, cunhado inicialmente para o cinema por Serguei Eisenstein (1898-1948), é fundamental para entender a forma da literatura expressionista (e do modernismo). Eisenstein postulou que a montagem, seja na literatura (metáfora) ou no cinema (justaposição de planos), é um conflito ou colisão de elementos díspares que resulta em um terceiro e novo significado, um conceito.
Montagem na Lírica: Na poesia de Georg Trakl, a montagem se dá pela justaposição de fragmentos descontínuos (versos ou termos de uma metáfora), criando imagens de grande força visual e ambiguidade, mas sem conexão lógica aparente. Essa colisão de imagens belas e feias causa choque e perplexidade no leitor.
Montagem no Cinema (Exemplo de Murnau): O cinema expressionista alemão, como em Nosferatu (1922) de F. W. Murnau, utilizou cenários sombrios e a técnica do claro-escuro. A montagem paralela, que mostra ações em locais diferentes simultaneamente, ou a maquiagem estilizada do Conde Orlok (antinatural e repugnante) confrontada com a interpretação naturalista dos humanos, são formas de choque que metaforizam o medo e a violência social.
A atmosfera de melancolia e desespero, frequentemente associada à decadência e ao fim de uma era, é capturada pelo conceito de Dämmerung (Crepúsculo).
A palavra Dämmerung é ambígua em alemão, podendo significar tanto alvorecer quanto entardecer.
Em Trakl e Murnau, a Dämmerung (ou o "crepúsculo da humanidade") manifesta-se no ocaso, no declínio e na morte. Contudo, essa noção ambígua também sugere uma nova luz, uma esperança de renovação que sucede à destruição.
O romance Angústia (1936), de Graciliano Ramos, é um exemplo notório de como os ideais da arte expressionista se adaptaram perfeitamente à proposta estético-ideológica brasileira. O livro demonstra uma hibridização estético-literária, misturando o Realismo Social com a estética expressionista.
Realismo: A obra é reconhecida por sua perspectiva realista, tratando da realidade social do Nordeste e da decadência das estruturas familiares e econômicas.
Expressionismo na Deformação: O romance é também uma representação deformada, quase caricatural, da realidade. A estética Expressionista é filtrada através da psicologia problemática do protagonista, Luís da Silva, um "pequeno funcionário, último galho de uma família rural estragada".
A Angústia como Lente: O ódio, desespero e frustração de Luís da Silva são tão intensos que os traços estéticos do Expressionismo se manifestam. Ele vê a realidade de maneira exageradamente deformada, resultando em descrições grotescas de personagens e ambientes.
Crítica Social Expressionista: Angústia utilizou essa estética de vanguarda para criticar a sociedade decadente e a lógica capitalista da burguesia (personificada em Julião Tavares).
O que o Expressionismo critica na sociedade? Critica fortemente os valores da sociedade burguesa, o militarismo do governo do Kaiser, a industrialização, o positivismo e o apequenamento do ser humano nas grandes cidades. Assumia uma atitude negativa perante a realidade, vista como social e culturalmente corroída.
Por que a deformação é importante? A deformação da realidade (seja visual ou linguística) não era um capricho, mas uma necessidade para expressar a profunda crise existencial e a angústia que o artista sentia em relação ao mundo. A deformação era a maneira de o artista projetar seu mundo interior para o exterior.
Qual a relação com a guerra? A Primeira Guerra Mundial intensificou o sentimento de horror, caos e miséria que o Expressionismo já explorava. A guerra não foi vista como heroica, mas como um massacre absurdo.
Tema Prioritário | Detalhe Crucial para Estudo |
Definição e Oposição | Contraponto direto ao Impressionismo. Foco na Expressão (interior para exterior). |
Características Estilísticas | Deformação da realidade, irracionalismo, uso da Metáfora Absoluta (choque de ideias), sintaxe descontínua/fragmentada, e a Estética do Feio. |
Veículos de Difusão (Revistas) | Der Sturm (Herwart Walden) e Die Aktion (Franz Pfemfert - mais politizada/anti-bélica). |
Autores Centrais | Georg Trakl (Lírica) e Franz Kafka (Narrativa - Absurdo, alienação). |
Hibridização no Brasil | Graciliano Ramos em Angústia, combinando Realismo Social com técnicas expressionistas de deformação subjetiva. |
O Expressionismo na literatura, ao lado de suas manifestações em outras artes (como o cinema de Murnau, explorando a montagem e a deformação para criar choque), estabeleceu-se como um movimento essencialmente crítico e inovador. Sua busca por uma linguagem que pudesse traduzir o sofrimento e o dilaceramento do indivíduo moderno, perdido em um mundo esvaziado de sentido e mergulhado em crises, resultou em técnicas radicais, como a metáfora absoluta e a sintaxe da descontinuidade.
Ao se recusar a aceitar o curso da história e o domínio da burguesia e do militarismo, o Expressionismo legou uma visão trágica, porém profundamente humana, da existência. O movimento, ao expressar a crise da subjetividade e o absurdo da vida, mudou definitivamente os rumos da literatura universal, influenciando gerações de escritores com seus temas fortes e insolúveis.